VOLTAR

Sem aterros, SP planeja incinerar lixo

FSP, Cotidiano, p. C16
20 de Set de 2009

Sem aterros, SP planeja incinerar lixo
Estudos do governo começaram em 2004; ideia é implantar primeira grande usina que produza energia em até dois anos
A incineração de resíduos urbanos foi combatida por décadas por ambientalistas por causa da emissão de poluentes nocivos à saúde

José Ernesto Credendio
Evandro Spinelli
Conrado Corsalette
Da reportagem local

O governo de São Paulo está na fase final da elaboração de um plano para a construção de grandes usinas de incineração de lixo para colocar fim à falta de locais para aterros nas regiões metropolitanas e no litoral norte do Estado.
Os estudos são feitos pela Emae -empresa estadual para a geração de energia- e começaram em 2004. A Emae negocia as usinas com as prefeituras. A ideia é implantar a primeira usina em dois anos.
O plano da Emae é utilizar o lixo queimado para a geração de vapor e energia elétrica, subprodutos que podem bancar quase todo custo da operação, diz o diretor de geração da Emae, Antonio Bolognesi.
Polêmica, a incineração de resíduos urbanos foi combatida por décadas por ambientalistas devido à emissão de poluentes altamente nocivos à saúde.
O secretário do Verde e Meio Ambiente da cidade de São Paulo, Eduardo Jorge, é um dos críticos da incineração.
"Essas usinas de incineração produzem dioxinas e furanos, substâncias que provocam câncer nas pessoas. Eles [os fabricantes das usinas] ainda precisam provar que o filtro que colocam é seguro", afirma.
Os resíduos resultantes da queima também são considerados um problema ambiental, mas, segundo a Emae, o processo a ser adotado em São Paulo transforma esses restos em material inerte e próprio para a fabricação de blocos para serem usados na construção civil.
O assunto é tão recente no Estado que a Secretaria do Meio Ambiente ainda está elaborando uma resolução com parâmetros de emissão de gases, que são necessários para o licenciamento das usinas.
"Pensamos o projeto não só como usina de geração de energia, mas o objetivo é colaborar para resolver o problema do lixo no Estado", diz Bolognesi.
Há hoje um processo se esgotamento dos aterros sanitários licenciados no Estado. No litoral norte, as prefeituras chegam a transportar o lixo por até 120 km para aterros em Santa Isabel (Grande SP) e Tremembé (Vale do Paraíba).
Em São Paulo, o aterro Bandeirantes está esgotado e o São João recebe só 10% do lixo-a maior parte dos resíduos vai para aterros em Caieiras e Guarulhos, apesar de lei municipal determinar que o depósito seja feito na própria cidade.
A Folha conversou com técnicos da Cetesb que defendem a implantação do método de incineração. O investimento, porém, é alto. Para queimar mil toneladas por dia -produção média de 1 milhão de pessoas no Brasil- uma usina custaria cerca de R$ 250 milhões. São Paulo produz cerca de 15 mil toneladas por dia, incluindo entulho de construção civil, lixo industrial e comercial e varrição de ruas.
A Emae já orçou uma usina com capacidade para 600 toneladas/dia por R$ 200 milhões.

Concorrência
As usinas de lixo já têm hoje, de acordo com a Emae, capacidade para concorrer em custos com a energia eólica, considerada a forma mais limpa.
André Vilhena, engenheiro químico e diretor-executivo do Cempre (Compromisso Empresarial para a Reciclagem), disse que a incineração tem baixo impacto poluente.
"A tecnologia de incineração já é comprovadamente adequada. É muito usada na Europa e no Japão, por exemplo. Eles não iriam adotar a tecnologia se causasse câncer", afirmou.
O governo pretende, primeiro, buscar agregar essas usinas aos polos petroquímicos -como os de Mauá, Cubatão e Paulínia-, que têm forte demanda por energia elétrica e vapor.
Isso porque essas regiões, além da concentração industrial, têm capacidade para produzir mais de 150 toneladas diárias, volume considerado mínimo para um projeto desse porte ser considerado economicamente viável.
Bolognesi diz que as conversão estão avançadas com a Prefeitura de São Paulo.
Outra empresa do Estado, a Sabesp, que neste ano começou a atuar em serviços de lixo para prefeituras, se interessa pelo projeto, segundo seu diretor de Sistemas Regionais, Humberto Semeghini.
A principal referência do governo do Estado no projeto de incineração de lixo é a região da Baviera, na Alemanha. Lá, segundo um técnico da Cetesb, 60% do lixo é reciclado e 40%, enviado para incineração, justamente os materiais com maior poder de combustão.

Material reciclado aumenta 10 vezes em 5 anos

Da reportagem local

Em cinco anos a reciclagem de lixo aumentou dez vezes na cidade de São Paulo. Das cerca de 15 mil toneladas diárias produzidas, 130 toneladas vão para reciclagem. Em 2004, esse número era de 13 toneladas.
Mesmo assim, o prefeito Gilberto Kassab (DEM) diz que há uma dificuldade em implantar o serviço. "Tudo é difícil na cidade de São Paulo. Comparativamente avançamos muito e vamos continuar avançando."
Dos 96 distritos da cidade, 72 são atendidos pela coleta seletiva. Mesmo assim, é preciso saber em qual rua, qual dia e qual horário o caminhão passa.
Para o secretário do Verde e Meio Ambiente, Eduardo Jorge, só um trabalho de educação ambiental pode mudar essa situação. Ele diz que muito tem sido feito, como a ação dos agentes de saúde na conscientização, mas defende a responsabilização dos cidadãos.
Jorge quer, por exemplo, que cada distrito tenha sua central de reciclagem de lixo. Hoje são 15 cooperativas de catadores que fazem o trabalho.
"É preciso que cada distrito assuma a responsabilidade pelo seu próprio lixo. Senão, parece mágica: o caminhão passa e leva embora o problema lá para Perus ou para São Mateus, onde ficam os aterros", afirmou.

Engajamento
André Vilhena, do Cempre (Compromisso Empresarial para a Reciclagem), diz que, mesmo com as ações da prefeitura, sempre será necessário o engajamento da população. "Por mais abrangente que seja o programa de coleta seletiva, se não tiver a separação do lixo na fonte, não há reciclagem."
Consultora em gestão socioambiental, Gina Bezen Rizpah afirma que São Paulo evolui pouco na reciclagem porque não prioriza a integração de catadores ao sistema. Para ela, com uma boa campanha de conscientização, pode-se reciclar até 50% do lixo domiciliar.
Rizpah cita Londrina (PR) como referência. Lá, a prefeitura recicla 25% de todo lixo produzido pela cidade.
Professor do Departamento de Ciências do Meio Ambiente da PUC-SP, Paulo Roberto Moraes afirma que, em São Paulo, "falta cultura e estrutura" do processo de reciclagem.
"Se você ligar para a prefeitura e pedir uma caçamba especial para reciclagem, eles enviam, mas a procura é muito baixa. A prefeitura tem que divulgar mais", afirma.
Moraes diz também que, com a degradação da qualidade de vida nas grandes cidades a reciclagem de lixo acaba ficando em segundo plano.

Leis específicas
Há poucas obrigações nessa área. Uma lei estadual obriga que todos os condomínios residenciais com mais de 50 apartamentos façam a reciclagem de seu lixo, mas isso não é cumprido. Os condomínios podem até ter o contêiner da coleta seletiva, mas o trabalho de separar é do morador, que não é obrigado a fazê-lo.
Na semana passada, Kassab sancionou uma lei que obriga que os maiores geradores de lixo da cidade -shoppings, indústrias etc.- façam a coleta seletiva. A lei não abrange imóveis residenciais -só os edifícios de uso misto-, mas inova ao exigir comprovação de que o lixo é levado para uma central de triagem ou revendido para empresas de reciclagem.
Outra medida recente implantada na cidade é a exigência de que as indústrias de sete setores -lubrificantes e refrigerantes, por exemplo- recolham 50% de suas embalagens para reciclagem. Coca-Cola, Ambev, Petrobras e Shell foram multadas em R$ 250 mil por não terem apresentado um plano para cumprir a regra.

Lei sobre resíduos é falha, diz especialista

Mario Cesar Carvalho
Da reportagem local

O governo de São Paulo levou três anos e quatro meses para regulamentar a lei que estabelece uma política para resíduos sólidos, mas mesmo assim a legislação não pode ser aplicada integralmente.
Um capítulo da lei, que trata da responsabilidade dos fabricantes e distribuidores após o consumo do produto, ainda precisa ser detalhada. Falta a relação dos produtos cuja destinação final os fabricantes e distribuidores passam a ser responsáveis.
"Essa lista deveria fazer parte da lei. É absurdo esperar três anos para regulamentar uma lei e ainda assim a regulamentação vem com uma lacuna", diz o economista Sabetai Calderoni, consultor ambiental das Nações Unidas, de empresas e de municípios para políticas de reciclagem.
A regulamentação da lei prevê que a Secretaria do Meio Ambiente publicará uma resolução com a lista de produtos cujos fabricantes serão responsáveis pela "eliminação, recolhimento, tratamento e disposição final desses resíduos".

Lobbies
Resolução, de acordo com Calderoni, é um tipo de legislação hierarquicamente mais fraca do que uma lei.
"Resolução tem um caráter menos imperativo e não precisa de uma votação na Assembleia [Legislativa] para ser mudada. Essa lista ficará sujeita à pressão dos lobbies ou do governante do dia", afirma.
Para ele, a solução mais óbvia é estabelecer incentivos monetários para que os usuários reciclem. Um exemplo: "Pouca gente recicla pilha porque ninguém paga nada por uma pilha usada. Se o fabricante concedesse um desconto na compra de uma pilha nova para quem levar a pilha velha, a reciclagem cresceria na hora".
Para as garrafas PET, vale a mesma lógica. De acordo com o consultor ambiental, os fabricantes deveriam estabelecer um valor para o vasilhame que tornasse atraente para o consumidor sua devolução.
"O Brasil está muito atrasado nessa área. Dá para fazer uma revolução com reciclagem, mas o governo faz corpo mole ou tem acordo com as empresas que geram muito lixo", afirma.

Outro lado
O coordenador de planejamento da Secretaria Estadual de Meio Ambiente, Casemiro Tércio Carvalho, diz que a lei de resíduos sólidos perdeu sua força não na regulamentação, mas na aprovação.
"Se for falar de lobbies, você vai ver que foi na Assembleia Legislativa que a lei ficou mais fraca. Tentamos salvar o pouquinho que ela tinha de obrigatoriedade".
O coordenador afirma que é melhor alocar numa lista separada da lei os produtos a serem regulados porque o consumo muda. "Novos produtos entram no mercado e não estariam na lei".

Reciclar o lixo é dever do cidadão

Hélio Schwartsman
Da equipe de articulistas

Reciclar o próprio lixo tornou-se um dever do cidadão ecologicamente consciente. Deixar de separar os materiais reutilizáveis, mais do que mero desleixo, passou a constituir uma infração moral na maior parte do mundo civilizado.
E a razão é muito simples, quase intuitiva: quanto mais reciclarmos, menos energia e recursos naturais teremos de utilizar, aliviando o planeta da enorme sobrecarga que já lhe impomos.
Assim, o exercício de apartar latas e garrafas do lixo orgânico converteu-se em uma ação transcendente, um gesto de solidariedade para com as próximas gerações.
O problema com esse raciocínio é que nem todo projeto de reciclagem se sustenta. Embora existam evidências de que a reutilização é a forma mais eficiente de dispor dos restos produzidos por lares -em 83% dos casos, segundo estudo da Universidade Técnica da Dinamarca-, há situações em que faz mais sentido mandar tudo para um lixão ou até mesmo para um incinerador.
Tudo depende de como se faz essa conta -e da ideologia de quem a executa.
A reciclagem das latinhas de alumínio, por exemplo, não deixa espaço para dúvidas: economiza-se 95% da energia que seria utilizada para processar nova bauxita.
Só que nem todos os casos são assim tão evidentes. A economia energética com vidro e papelão é bem menor, ficando entre 5% e 30%.
O ganho potencial pode, portanto, ser facilmente revertido pelos custos de coleta, como o segundo caminhão que a prefeitura manda para apanhar os recicláveis, os gastos de propaganda necessários para ensinar a população a segregar todo o seu lixo, etc.
No mais, que peso econômico atribuir a itens difíceis de ponderar como a poluição evitada ou a qualidade dos empregos gerados/destruídos?
Um dos poucos consensos é que, para a reciclagem realmente valer a pena, é preciso melhorar tanto o design das embalagens como a eficiência do processamento.
Neste último quesito, São Paulo deixa muito a desejar. Enquanto o prefeito Gilberto Kassab acena só agora com a obrigatoriedade da segregação para grandes geradores de lixo -o que os EUA e a Europa fizeram décadas atrás-, cidades de ponta, como San Francisco, já voltaram para a coleta única (não segregada) e usinas de alta tecnologia que separam muito mais lixo a menor custo.

FSP, 20/09/2009, Cotidiano, p. C16

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.