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Selva transplantada

O Globo, Segundo Caderno, p.1
02 de Abr de 2004

Selva transplantadaGilberto Scofield Jr.Quando a maior missão comercial do Brasil iniciar sua visita à China, no fim de maio, o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, terá pelo menos um compromisso cultural imperdível e inédito. Lula vai abrir, no dia 24, a mostra Amazônia: tradição nativa”, com 431 das peças mais importantes da arte plumária e da arqueologia da região amazônica brasileira. O ineditismo da exposição está tanto na grandeza da mostra em solo chinês quanto no local onde será apresentada: no Museu do Palácio Imperial, dentro da Cidade Proibida — conjunto arquitetônico em Pequim onde residiu a família imperial chinesa. É a primeira mostra organizada por um país estrangeiro sobre um país estrangeiro na Cidade Proibida. No comando da empreitada está a Brasil Connects, a mesma que trouxe ao país, ano passado, a exposição China: Guerreiros de XiAn e os tesouros da Cidade Proibida”, com 350 relíquias de nove mil anos da História da China. A mostra, que incluía 13 guerreiros chineses em terracota e foi avaliada em US$ 120 milhões, levou 872 mil pessoas à Oca, no Ibirapuera, em São Paulo, durante quase quatro meses. — Em outubro de 2001, fechamos com o Museu do Palácio Imperial da China a mostra no Brasil e a contrapartida na China. Inicialmente, pretendíamos que a mostra brasileira em Pequim fosse aberta em outubro deste ano, mas, quando descobrimos que o presidente iria visitar a China agora em maio, corremos para antecipar a exibição de modo que o presidente possa inaugurá-la dia 24 de maio. Afinal, foi o Lula que abriu a mostra dos chineses no Ibirapuera no ano passado — diz Emílio Kalil, diretor de projetos de cultura da Brasil Connects e responsável pela exposição. Dentro de área de 72 hectares no centro de Pequim, a mostra reunirá coleção cuja montagem e transporte estão estimados em US$ 1 milhão. São exemplares da centenária cerâmica marajoara, adornos de madeira e de pedra usados pelos índios da região, cocares e adornos de penas, muitos com simbologia religiosa ou simplesmente festiva, de tribos de nomes complicados como Tapirapés, Metuktire ou Rikbaktsa. Outros objetos são curiosidades do cotidiano, como enfeites de casamento, móveis e utensílios de caça ou cozinha. Exotismo indígena para chineses A opção pela arte amazônica tem um histórico curioso ligado a um dos patrocinadores da mostra (ao lado da Embraer), o Banco Santos, de propriedade do banqueiro Edemar Cid Ferreira. O banco, que também vai aproveitar a visita de Lula para inaugurar um escritório de representação em Xangai, há algum tempo auxilia empresas chinesas com negócios no Brasil e vice-versa. No contato com os executivos da China foi definido o conteúdo da mostra. — Em todas as visitas de empresários chineses ao Brasil, era impressionante a curiosidade sobre a Amazônia e a Foz do Iguaçu. Daí achamos que uma mostra que misturasse arte e história e causasse tanta fascinação, como a indígena, seria a ideal para apresentar na China — conta Kalil. A exibição de uma mostra brasileira na Cidade Proibida, concebida e executada pela primeira vez por estrangeiros, dá bem a idéia da importância do Brasil para o atual governo chinês do primeiro-ministro Wen Jiabao. A Cidade Proibida e as Muralhas são hoje talvez os dois lugares mais visitados por turistas de todo o mundo na China. E apesar de já ter abrigado mostras de outros países, o Museu do Palácio Imperial exibiu até agora apenas partes de seu imenso acervo sobre esses países, geralmente asiáticos. Nada de fora. — Abrir um espaço tradicional como a Cidade Proibida para que brasileiros montem uma exibição de arte tem um significado importantíssimo — diz Kalil. Construída toda em madeira por cerca de um milhão de operários durante 14 anos e concluída em 1420, a Cidade Proibida foi, durante quase cinco séculos, a moradia de 24 imperadores das dinastias Ming e Qing, que lá viviam com as suas cortes. São 800 edifícios com 9.999 quartos. Puyi, o último imperador (tema do clássico filme de Bernardo Bertolucci), assumiu com 2 anos em 1908, mas foi derrubado pela revolução republicana de 1911. Abdicou no ano seguinte e foi autorizado a viver nos palácios até 1924. A Cidade Proibida — que fica de frente para a Praça da Paz Celestial (Tianamen) — só foi aberta ao público em 1949, com a revolução comunista. Os prédios que antes serviam de quartos para os imperadores são usados hoje para exibir o acervo do Museu do Palácio Imperial.
O Globo, 02/04/2004, p. 1

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