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A selva como laboratório

Veja, p. 148
04 de Ago de 2004

A selva como laboratório
Pesquisadores preparam queimada gigante para saber até que ponto a mata pode resistir

Leonardo Coutinho

Uma área de floresta natural do tamanho de 121 campos de futebol se transformará em cinzas na semana que vem, no norte de Mato Grosso. E desta vez o fogo não será aceso pelos desmatadores, que, só no ano passado, torraram a floresta em mais de 117 000 pontos, segundo levantamento da Empresa Brasileira de Agropecuária. Cientistas de quatro instituições- Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, Centro de Pesquisa Woods Hole e universidades de Yale e Stanfort, dos Estados Unidos - começarão um experimento radical para saber até quando a floresta resistirá aos incêndios. Vão incendiar 100 hectares de mata na cidade de Querência para estudar o impacto das queimadas na vegetação, na fauna e na atmosfera. Enquanto a fogueira estiver ardendo e nos seis anos seguintes, três satélites que cruzam o céu de Mato Grosso registrarão imagens e coletarão dados como emissão de vapores de água e de gases como dióxido de carbono. Um deles, o poderoso Earth Observing 1, além de captar imagens equivalentes a radiografias da floresta, pode medir a quantidade de água no solo e na cobertura florestal. Aviões também sobrevoarão a região recolhendo amostras do ar e, com sensores especiais, registrando as variações de temperatura, a composição das nuvens e os níveis de luminosidade. No solo, haverá outros sensores espalhados por diversos pontos. Câmeras fotográficas com detectores de movimento acompanharão o comportamento dos animais. "Teremos uma análise nunca feita, que pode permitir projeções sobre o futuro da floresta", explica o ecólogo americano Daniel Nepstad, que coordena o projeto.

O objetivo principal da experiência é entender o ritmo com que o fogo abre espaço para a savanização da Amazônia. Por isso, alguns trechos da área serão novamente queimados nos próximos anos, enquanto se observa a recuperação de uma parte. O processo reproduz, num laboratório a céu aberto, o que se vê nas frentes de desmatamento. Por isso a área escolhida é vizinha a pastagens e cultivos, facilitando a ação de espécies vegetais invasoras.

Nepstad é um especialista na simulação de fenômenos de grande impacto sobre a mata. Em 1999, com o biólogo brasileiro Paulo Moutinho, ele espalhou 6.000 painéis de plástico sobre 1 hectare de floresta, para estudar os efeitos da seca. Reproduzindo sob controle o efeito do El Niño, a experiência comprovou a extrema fragilidade do ecossistema. Com três anos de grandes secas, a floresta está pronta para arder inteira sob a ação de uma pequena fagulha.

O Projeto Cenários, como é chamada a nova pesquisa, ajudará a entender como a devastação pelo fogo interfere no regime de chuvas e acelera a degradação mesmo nas áreas livres das queimadas. O êxito do agronegócio na Região Centro-Oeste, por exemplo, depende da saúde da floresta. Com a redução da água na atmosfera, que resulta da transpiração da mata, as chuvas diminuem e os agricultores podem acumular prejuízos.

Veja, 04/08/2004, p. 148

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