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Segunda Sessão do Fórum Permanente sobre Questões Indígenas da ONU revela "globalização da intolerância"

Site do ISA-Socioambiental.org-São Paulo-SP
Autor: Ana Flávia Rocha
26 de Jun de 2003

Tratamento colonizador recebido pelos povos indígenas não se restringe aos países pobres. Resulta em inúmeras violações aos direitos fundamentais em diferentes regiões do globo, como constatado no evento, realizado em maio, em Nova York (EUA). O informe oficial, com recomendações para os programas, fundos e organismos das Nações Unidas para fomentar o diálogo sobre as questões indígenas dentro da ONU, deve ser divulgado ainda neste semestre.

Instituído em 2000 como órgão subsidiário do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas, o Fórum Permanente representa um êxito da luta obtido pelos povos indígenas nas últimas décadas para se posicionarem dentro da comunidade global. É o primeiro organismo dentro do sistema da ONU onde os povos indígenas estão representados com o mesmo status dos representantes governamentais. Além de sensibilizar o sistema das Nações Unidas e os Estados sobre as questões específicas e problemas relacionados aos povos indígenas, que também devem ser informados sobre os recursos internos oferecidos para o encaminhamento de denúncias de violações aos direitos fundamentais.

Representantes sul-americanos no Forum da ONU em Nova York.

As propostas e denúncias apresentadas sobre desenvolvimento econômico e social, cultura, meio ambiente, educação, saúde e direitos humanos e das denúncias durante a segunda sessão farão parte de um informe oficial, que deverá ser elaborado ainda neste semestre, com recomendações destinadas aos programas, fundos e organismos das Nações Unidas para fomentar o diálogo sobre as questões indígenas dentro do sistema da ONU.

Violações em todo o mundo

Mais de 900 representantes indígenas de todo o mundo denunciaram aos membros do Foro Permanente as constantes violações de seus direitos fundamentais praticados pelos Estados Membros. A unanimidade de opinião expressada pelos representantes indígenas foi verdadeiramente clara frente à grande diversidade de raças, etnias, religiões, culturas e geografias, características da família indígena global.

Numa série de diálogos interativos e debates abertos, representantes indígenas denunciaram os impactos socioambientais provocados pela exploração e destruição indevida de recursos naturais em Terras Indígenas que, na maior parte das vezes, não contam com políticas públicas para protegê-las de invasores. A necessidade de compensação pelos danos causados às terras e do consentimento livre, prévio e informado para a aprovação de projetos de desenvolvimento foram as principais demandas apresentadas.

Além disso, foi enfatizado que os grandes problemas que afetam a saúde dos povos indígenas, principalmente os jovens, são advindos do álcool, drogas e poluentes industriais. Em consequência de uma condição de vida miserável, racismo e falta de alternativa econômica, também tem sido registrado um alto índice de suicídio entre os adolescentes nos últimos anos.

O relato do povo Batwa, da República Democrática do Congo, foi um dos mais impressionantes, com a denúncia da falta de posicionamento governamental em relação a massacres, entre eles canibalismo, estupros, torturas e assassinatos. Os culpados nem sempre são punidos e as vítimas, raras vezes, reparadas. Como um fator complicador, há no contexto africano uma controvérsia em relação à aplicação do termo "indígena".

Azelene Kaingang, representante indígena brasileira presente ao evento, denunciou o aumento de violência provocado pela indecisão da demarcação e proteção de algumas Terras Indígenas no país. Relatou também a Proposta de Emenda Constitucional que limita em 50% a área de cada estado brasileiro passível de ser transformada em Terra Indígena (TI) e Unidade de Conservação (UC), assim como inclui entre as competências do Senado a aprovação da homologação de TIs.

Os relatos mostraram que o impacto histórico da colonização ocidental transformou os povos indígenas nos mais pobres, marginalizados e prejudicados politicamente no mundo, por não oferecer condições igualitárias para seu desenvolvimento econômico, social e cultural.

Mesmos problemas, mesmas soluções

Entre as propostas apresentadas durante o Fórum Permanente sobre Questões Indígenas, a mais pleiteada foi a garantia da participação plena e efetiva dos povos indígenas nos processos de elaboração e decisão, sejam eles internacionais ou regionais, em todos os temas. Também foi reivindicada a realização de consultas regionais para a construção de políticas, diretrizes e programas internacionais.

Outro ponto discutido foi a reformulação do conceito de desenvolvimento, levando em conta os direitos das populações indígenas e as práticas de sua sabedoria tradicional pelos organismos e órgãos das Nações Unidas. Recomendaram que os Estados contemplem reformas constitucionais ou outras reformas jurídicas sobre o direito à educação, saúde e cultura. As diversidades culturais, religiosas e linguística e as práticas espirituais devem ser reconhecidas e respeitadas pelos Estados.

Muitas organizações indígenas apresentaram propostas aos Estados e aos organismos da ONU em prol dos direitos coletivos indígenas, incluindo a livre determinação, o direito à terra tradicional, a proteção dos lugares sagrados, o desenvolvimento sustentável que mantenha a identidade cultural, a proteção dos conhecimentos tradicionais e o reconhecimento da importância do papel dos povos indígenas para a manutenção da biodiversidade.

O Banco Mundial e os povos indígenas

Os impactos dos projetos e programas do Banco Mundial sobre os povos indígenas também foi objeto de crítica durante a Segunda Sessão do Foro Permanente. As organizações indígenas e os grupos da sociedade civil declararam que grande parte das atividades da instituição promove um desenvolvimento não-sustentável, mantido pela exportação e exploração de recursos naturais.

Em resposta às críticas, o Banco Mundial discutiu com as organizações indígenas e ONGs indigenistas sua Nova Política sobre Povos Indígenas, prevista para ser aprovada em outubro deste ano. Um grande número de participantes expressou preocupação ante a debilidade desta nova política, que não contém proteção aos direitos e às terras dos povos indígenas, não reconhece o direito ao consentimento prévio e informado, não proíbe o reassentamento forçado, além de carecer de requisitos de participação e monitoramento indígena nos projetos, o que pouco poderá fazer para diminuir os impactos dos projetos e programas do Banco Mundial.

O processo de consulta sobre o documento preliminar de sua nova política teve início em 2001. Diante das manifestacões descontentes, o Banco Mundial convidou as organizações indígenas a apresentar um ou mais artigos sobre os temas:
- Exemplo de "melhores práticas" de projetos de desenvolvimento internacional envolvendo povos indígenas que possam funcionar como modelos ou inspirações par outros projetos similares;
- Exemplo de "melhores práticas" sobre consultas, métodos de participação e iniciativas de desenvolvimento de capacidade para esses projetos;
- Exemplo de "melhores práticas" ou declarações que descrevam no que consiste desenvolvimento sob o ponto de vista dos povos indígenas.

Os artigos deverão ser breves, entre uma e duas páginas, e descrever o projeto, seus objetivos e resultados, além de enumerar pontos bem-sucedidos. A equipe da política sobre povos indígenas analisará os artigos e "se esforçará para incorporar o maior número de entregas possíveis dos materiais postos a disposição dos funcionários do Banco Mundial, mas manterá a autoridade de fazer as edições finais.

Os artigos devem ser enviados até 01/09 para indigenouspeople@worldbank.org, ou para Indigenous Peoples Policy Team, MC5-523, The World Bank, 1818 H Street, NW, Washington, DC 20433.

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