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A segunda onda chega ao cerrado

OESP, Novo Mapa do Brasil, p. H1-H16
20 de Nov de 2005

A segunda onda chega ao cerrado
Depois de se firmar como uma das principais regiões agrícolas do mundo, o Centro-Oeste aposta na indústria e diversifica sua economia

Clayton Netz

Durante muito tempo, o Brasil acostumou-se a ver o Centro-Oeste como um lugar inóspito, esquecido por Deus, perdido em meio a uma natureza ao mesmo tempo exuberante e ameaçadora. Literalmente, para muitos brasileiros que viviam nas regiões ditas civilizadas do Sul e do Sudeste, aquele interiorzão sem acesso ao mar, coberto por florestas, habitado por índios e animais selvagens era um verdadeiro faroeste.
Esse quadro começou a mudar com a inauguração de Brasília em 1960. O País, que sempre estivera de costas para a região, descobriu que havia um mundo de oportunidades a ser desbravado. Inicialmente, é certo, tendo o governo como indutor, não apenas via algumas obras de infra-estrutura, mas também como empregador e tomador de encomendas.
Esse movimento teve um segundo impulso, a partir do início da década de 70. Levas e levas de agricultores - em grande parte minifundiários empobrecidos dos Estados sulinos - foram tentar a sorte no Centro-Oeste, atraídos por uma série de facilidades, como a concessão de terras e financiamento oficial. Embora a maioria desses migrantes levasse consigo pouco mais do que a roupa do corpo, em termos materiais, carregavam um valioso capital: a experiência adquirida na atividade agrícola em seus Estados de origem e a ética do trabalho sob a qual foram educados.
Os resultados desse processo podem ser vistos nesta terceira edição da série Novo Mapa do Brasil. Com 12,2 milhões de habitantes,equivalente a 7% da população brasileira, a região Centro-Oeste tornou-se o grande celeiro do Brasil. Saem de suas lavouras 63% do algodão, 55% da soja, 23% do milho e 22% do arroz colhidos anualmente. Em suas pastagens são criados 36% do gado bovino.
Graças ao vigoroso impulso do agronegócio, a Região Centro-Oeste foi a segunda que mais cresceu no período 1985-2003. Em 18 anos, os 3 Estados que a compõem - Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul - e o Distrito Federal cresceram 116%, mais do que o dobro da média nacional. Por trás dos 115,2 bilhões do PIB produzido pela região aparecem indicadores animadores. A renda per capita regional é R$ 9,6 mil, superior à média nacional de R$ 8,8 mil; a taxa de mortalidade infantil, de 27,1, é inferior à do País (37,4). Entre os 9 primeiros IDHs, aparecem os 3 Estados e o DF, o primeiro da lista.
Aparentemente, tudo leva a crer que esse dinamismo do Centro-Oeste está longe de esgotar-se. Mesmo porque, tendo como base a riqueza e os recursos gerados pelo agronegócio, a região dá mostras de abraçar uma segunda onda de expansão da economia, baseada na industrialização, na inovação tecnológica e nos serviços. De certa forma, a diversificação representa uma ação preventiva diante das crises periódicas da agricultura,como a atual, agravada pelo extemporâneo surto de febre aftosa.

Embrapa criou solo onde tudo dá
As pesquisas da estatal viabilizaram o plantio da soja e do algodão no cerrado, alavancando a conquista do Centro-Oeste
Ricardo Galuppo
BRASÍLIA - A afirmação pode parecer exagerada, mas quem conhece o Centro-Oeste sabe que ela é verdadeira: é impossível andar pelas fazendas de Goiás, Mato Grosso ou Mato Grosso do Sul sem topar com um sinal da contribuição da Empresa Brasileira de Agropecuária (Embrapa) para a economia da região. Em outras partes do Brasil, o trabalho desenvolvido pela estatal foi decisivo para a melhoria da produtividade da lavoura e do rebanho de leite e corte. No Centro-Oeste, a importância foi maior ainda.
Sem a ajuda da Embrapa, criada 32 anos atrás, a região talvez ainda fosse um lugar de terras pobres, improdutivas e abandonadas. Em lugar disso, transformou-se em uma das mais vigorosas províncias agrícolas do mundo - onde muitos produtos são colhidos em duas safras por ano.
"Trabalhamos na pesquisa agropecuária em todos os aspectos: do sistema produtivo ao manejo e ao processamento da produção. Nossa preocupação é contribuir para uma exploração bioeconomicamente viável da agropecuária brasileira", diz Kepler Euclides Filho, diretor-executivo da Embrapa. Entre os 8,5 mil empregados da Embrapa, pouco menos de 2,3 mil são pesquisadores. Entre eles, 1,4 mil têm o título de Ph.D. e 820 são mestres. Os restantes têm curso de graduação. O maior contingente de pesquisadores - 653 - trabalha em campo.
É no Centro-Oeste, onde se localizam 8 dos 40 centros de pesquisa da Embrapa espalhados pelo País, que o resultado do trabalho da Embrapa é mais visível. A região concentra a maior parte dos 207 mil empregos que, conforme estimativas da entidade, foram criados no Brasil em conseqüência das tecnologias desenvolvidas em seus laboratórios.
Além das pesquisas de correção do solo, a Embrapa foi a principal responsável pela adaptação da soja - uma leguminosa originária de regiões temperadas do Hemisfério Norte - ao clima quente do cerrado. O mesmo aconteceu com o milho, o arroz, o feijão e o algodão. No caso do trigo, o resultado chega a ser surpreendente. No passado, acreditava-se que esse cereal jamais resistiria às condições de clima e de solo do cerrado. Depois do trabalho de adaptação realizado sob a liderança da Embrapa, as lavouras do Centro-Oeste produzem 8 toneladas de trigo por hectare - enquanto no Sul do País são colhidas 2 toneladas por hectare.
É claro que, como toda história, essa também tem seu lado sombrio. No passado, a empresa tinha como meta principal a expansão da fronteira agrícola - e não se preocupava em medir as conseqüências desse avanço sobre o ecossistema. Hoje, as pesquisas apontam em outra direção. A intenção, agora, é aumentar a produção sem que isso signifique um aumento da área plantada. O objetivo é impedir que aconteça com a vizinha Amazônia o mesmo que se viu no Centro-Oeste. De certa forma, isso vem sendo conseguido. Depois de 1990, a produção agrícola brasileira teve um aumento de 107% - enquanto a área plantada aumentou menos de 30%.
Uma forma de aumentar a produção sem ocupar mais áreas se materializou no programa Integração Lavoura Pecuária. Ele prevê o rodízio das áreas de pastagens com as áreas destinadas à agricultura. Parte da terra utilizada para a lavoura seria destinada, de tempos em tempos, para a formação de pastagens. Isso evitaria o desgaste do solo pelo uso intensivo na lavoura e impediria que novas pastagens fossem abertas em regiões ainda cobertas pela vegetação nativa.
O caso da pecuária é um capítulo à parte. Assim como fez com a lavoura, a Embrapa contribuiu para a implantação de uma pecuária de corte mais moderna e mais produtiva na região. O avanço é notável, mas não impediu que surgissem focos de aftosa em Mato Grosso do Sul, em outubro.
Mesmo antes do problema ganhar as manchetes, a Embrapa já vinha realizando, em parceria com o governo de Mato Grosso do Sul, um programa chamado Boas Práticas - cujo resultado final poderá ser, entre outros benefícios, a redução do risco sanitário.
Risco que a própria Embrapa vive correndo. Como toda estatal, a Embrapa sofre com a falta de verbas. O orçamento da empresa este ano, de R$ 877 milhões, é R$ 300 milhões menor do que foi em 1996.

A força do trabalho em conjunto
Cluster liderado pela Perdigão reúne 250 empresas integradas e transforma a cidade de Rio Verde, no Sudoeste de Goiás
Amauri Segalla
RIO VERDE - Em poucos lugares do Brasil a expressão pólo produtivo é tão apropriada quanto na região de Rio Verde, cidade a 220 quilômetros de Goiânia, no sudoeste de Goiás. O município abriga uma das unidades mais modernas da Perdigão no País. Todos os dias, 350 mil frangos e 3,5 mil leitões são abatidos no local, depois processados e transformados em alimentos industrializados. No rastro do chamado Projeto Buriti, da Perdigão, surgiram nos últimos cinco anos outras 250 empresas, todas elas ligadas de alguma forma à produção de aves e suínos.
O processo de concentração de empresas interconectadas e que cooperam entre si é chamado pelos economistas de cluster, termo traduzido no Brasil para algo como "arranjo produtivo local". Segundo a Fundação Getúlio Vargas, nenhum outro modelo brasileiro se aproxima tanto deste conceito.
Explica-se: em Rio Verde, as companhias que gravitam em torno da empresa-mãe (a Perdigão) estão tão integradas ao processo que acabam tornando-o mais eficiente. São produtores de frangos e suínos, processadores de sementes, fabricantes de embalagens, distribuidores de fertilizantes, agricultores, entre dezenas de outros empresários de diferentes ramos de atividade. Para completar, a cidade oferece uma estrutura de ensino sintonizada com as necessidades do agronegócio, como é o caso da faculdade de Agronomia da Fundação de Ensino Superior de Rio Verde e das diversas escolas técnicas focadas nos temas ligados à agricultura.
Antes da chegada da Perdigão, Rio Verde viveu um ciclo de expansão impulsionado pela agricultura. A prosperidade trazida em especial pela soja atraiu nos anos 80 e 90 do século passado levas de investidores gaúchos e paulistas. Ainda hoje, Rio Verde é a maior produtora de soja de Goiás e, de acordo com o IBGE, a cidade está entre os 10 principais PIBs agropecuários do Brasil. Segundo estimativas, em 2005 o PIB de Rio Verde deverá passar dos R$ 2 bilhões.
Mas nada se compara ao efeito Perdigão. A unidade inaugurada em 2000 com investimentos de R$ 500 milhões, hoje a maior planta processadora de suínos e aves da América do Sul, fez mudar o foco da região. Os antigos agricultores têm perdido espaço para jovens produtores de leitões e frangos. Em resumo: antes tipicamente agrícola, a cidade ganha feições industriais.
Atualmente, estão em operação em Rio Verde cerca de 500 fábricas, que passaram a utilizar mão-de-obra mais qualificada do que aquela necessária para a agricultura. Só a Perdigão gerou 6 mil empregos diretos e 17 mil indiretos. Os cinco parques industriais da cidade contam com unidades de nomes como a americana Cargill, que em 2004 investiu R$ 65 milhões em uma esmagadora de soja, e o Grupo Orsa, que produz ali 85 mil toneladas de chapas e embalagens - boa parte desse volume destinada à Perdigão.
"O processo de industrialização da cidade é positivo, mas lembro que uma das razões da nossa chegada à região é a sua auto-suficiência agrícola", afirma Euclides Costenaro, diretor de Operações da unidade da Perdigão em Rio Verde. Segundo ele, não fosse a grande produção local de soja e milho, que compõem a base da alimentação de frangos, provavelmente o novo endereço da Perdigão seria inviável.
No início da operação, a empresa teve dificuldade para encontrar interessados em participar do cluster do agronegócio. Todos desconfiavam. "Resisti para ingressar no processo, pois acreditava que o negócio era bom apenas para a Perdigão", diz o veterinário Pedro Velasco, um ex-pecuarista que trocou o gado pela produção de suínos. Hoje, Velasco e dois irmãos entregam à Perdigão, todos os meses, cerca de 2.300 leitões. Até o começo de 2006, a família Velasco investirá R$ 3,7 milhões na ampliação da fazenda, montante que deverá dobrar sua capacidade produtora.
O sufoco para encontrar parceiros foi tão grande que a Perdigão precisou adotar estratégias de emergência para se instalar em Rio Verde. Na falta de candidatos, recrutou internamente funcionários que possuíam perfil de empreendedores. Um deles foi Carlos Alberto Segalim, ex-gerente da filial de Capinzal, no interior de Santa Catarina. Segalim foi um dos primeiros produtores integrados da operação goiana. Agora ele possui três granjas com capacidade para 500 mil frangos e 12 mil suínos. "Minha renda hoje é muito superior à que recebia como funcionário da empresa", afirma Segalim. Sinal dos tempos: em outubro, havia 200 pessoas na fila interessadas em se tornar produtoras para a Perdigão em Rio Verde.
Embora tenha se mostrado rentável, o novo pólo econômico não seduziu alguns agricultores tradicionais da região. "A nossa vocação é a produção de grãos e não de animais", diz Juraci Martins de Oliveira, dono de uma lavoura de 1,5 mil hectares e diretor do Sindicato Rural de Rio Verde, que congrega 800 agricultores.
Oliveira está indignado com a carência de crédito agrícola para a região. "A nossa safra foi quebrada pelo problema da ferrugem, que acarretou perdas de 25% do total da produção", diz. Segundo ele, os prejuízos impediram que muitos agricultores quitassem débitos com as instituições financeiras. Como estão inadimplentes, eles não conseguem a liberação de novos recursos. Na última safra, a área plantada de soja na região de Rio Verde foi de 300 mil hectares. Em 2006, deve cair para 240 mil hectares.

Pólo estudantil, a endinheirada Rio Verde cai na balada
Os 8 mil universitários locais fazem da cidade uma das mais agitadas de Goiás
RIO VERDE - As mesinhas na calçada do Bistrô Bar, bem no centro de Rio Verde, estão repletas de gente bonita, bem vestida e, ao que tudo indica, endinheirada. Nota-se uma certa predominância de roupas de marcas como Zoomp e Diesel, grifes que fazem a cabeça da moçada que mora em centros maiores. É terça-feira à noite, mas a casa está lotada - a paquera, claro, acontece de forma intensa. "Sempre que tem feriado vou para Rio Verde", diz a estudante Ana Paula Mendes, de 19 anos, que divide ummesa com outros 5 amigos de balada.
Moradora de Goiânia, a 220 quilômetros dali, Ana Paula garante que o agito rio-verdense é melhor que o da capital. " A vida noturna em Goiânia está superada", diz. "O que rola de bom agora é no interior." Não é difícil entender as razões para o seu entusiasmo. Rio Verde é uma das mais vibrantes cidades de Goiás. Uma das explicações para o fenômeno é a alta concentração de estudantes universitários. O município de 130 mil habitantes conta com 8 mil alunos de ensino superior espalhados por três faculdades. Durante a semana, muitos jovens saem da aula direto para os bares.
A prefeitura investe 30% do orçamento municipal em educação, iniciativa que tem gerado resultados consistentes. Segundo dados oficiais, a taxa de alfabetização no município é de 89,5%, porcentual superior à média nacional, que é de 87,2%.
Muito antes da presença da Perdigão, outra empresa contribuiu para o desenvolvimento acelerado da cidade. Criada em 1975 por produtores locais, a Comigo é hoje uma das maiores cooperativas do Brasil. Em maio de 2005, o presidente Lula esteve em Rio Verde para a inauguração da nova unidade de esmagamento de soja da cooperativa, com investimentos de R$ 50 milhões. Hoje a Comigo possui 7 armazéns na região, que empregam 1,6 mil pessoas. Em 2005, deverá faturar R$ 1 bilhão.
As diversas fases de desenvolvimento da cidade, provocadas primeiro pela pecuária, depois pela agricultura, no embalo da Comigo, e hoje pelo cluster da Perdigão, criaram uma imagem que os rio-verdenses rejeitam, a de paraíso econômico. Embora seja possível observar sinais evidentes de prosperidade (num condomínio recém-edificado nos arredores da cidade, as casas custam aproximadamente R$ 500 mil), não dá para dizer que é fácil ganhar dinheiro ali.
"A fama de Rio Verde é tão grande que recentemente houve uma passeata de pessoas que vieram de fora para trabalhar e não encontraram emprego", afirma Bairon Araújo, presidente do Sindicato Rural de Rio Verde.
A agricultura ainda é o motor da economia local - as duas últimas feiras agrícolas realizadas na cidade resultaram num volume de negócios de R$ 600 milhões - mas os setores industriais e de serviços crescem mais rapidamente.
Rio Verde, uma cidade que não possui atrativos naturais, conta com 30 hotéis que registram taxa de ocupação em torno de 70%, índice comparável ao de destinos turísticos consagrados. O dinheiro trazido por forasteiros ajudou a fazer da cidade uma das mais ricas de Goiás. Hoje, Rio Verde é a terceira na participação do PIB estadual e a segunda na arrecadação de ICMS.

Por que Mineiros é a bola da vez
Cidade a 180 km de Rio Verde recebe investimentos de R$ 560 milhões
MINEIROS - A 180 quilômetros de Rio Verde, a cidade de Mineiros é conhecida principalmente por ecoturistas, vindos das diferentes partes do País. O município é uma das portas de entrada do exuberante Parque Nacional das Emas, reserva que abriga animais-símbolo do Brasil, como o lobo-guará e o tamanduá-bandeira. No final de 2006, Mineiros ganhará novo fôlego. A Perdigão pretende inaugurar ali uma unidade para o processamento de 120 mil aves por dia, com investimentos previstos de R$ 560 milhões.
"A exemplo de Rio Verde, Mineiros é uma grande produtora de soja e milho, o que torna a região atraente para nós", afirma Euclides Costenaro, diretor de Operações da Perdigão. A empresa está sendo erguida perto do complexo que abriga companhias como o Fripo Caramuru e a Cooperativa Comigo.
O potencial da região é enorme. Em um raio de 200 quilômetros da cidade, a oferta de milho e sorgo supera 1 milhão de toneladas por ano. Segundo os últimos dados disponíveis, em 2004 as exportações de Mineiros cresceram 6.600%, atingindoa marca dos U$ 26 milhões. Com a chegada da Perdigão, que vende seus produtos para mais de 100 países, esse indicador deve crescer de forma ainda mais acelerada.
Enquanto a nova fábrica não entra em operação, a cidade de 43 mil habitantes preserva seu espírito pacato. É difícil encontrar restaurantes que funcionem à noite, por exemplo, ou desfrutar de estadia de qualidade. Mesmo assim, a cidade tem lá suas ambições. Uma das vias mais movimentadas de Mineiros chama-se Quinta Avenida, à semelhança de um dos endereços mais exclusivos de Nova York.[ASSINAPE] (A.S.)

Mercado do luxo descobre Brasília
Dona da segunda maior renda per capita do País, a capital federal entra de vez no roteiro do consumo de bens sofisticados
Nelson Torreão
BRASÍLIA - Os funcionários públicos de alta renda, os diplomatas, os lobistas de empresas privadas e os empresários que fizeram fortuna na capital federal constituem um grupo privilegiado de consumidores de Brasília, dona da segunda maior renda per capita do Brasil - R$ 14,2 mil em 2003, quase o dobro da nacional. Desde 1991 o Distrito Federal lidera o ranking de desenvolvimento humano dentro do País, segundo os critérios adotados pelas Nações Unidas. Em 2000, o IDH da capital federal era de 0,844, numa escala que vai no máximo até 1. Detalhe: nos dois indicadores, o desempenho poderia ser ainda melhor não fossem os bolsões de miséria espalhados pelas cidades-satélites.
No Lago Sul, área nobre da cidade que circunda o Lago Paranoá, cortado por lanchas e veleiros nos fins de semana, a renda atinge o topo da classificação do IDH. A riqueza salta à vista nas mansões com generosos jardins, quadras de tênis e piscinas.
Ali, como no Lago Norte, nenhum terreno residencial mede menos que 800m², aos quais se acrescentam 400m² de "área verde" - uma área pública que pode ser transformada em jardim, e não deveria ser cercada, mas geralmente é. "Ninguém constrói uma casa de 100m² num terreno como esse", diz Luiz Cláudio Nasser, diretor do Conselho Regional de Corretores de Imóveis. As casas nessas regiões costumam ter área construída de 400 m², 700 m² ou mais.
Zander Pontes Rocha, proprietário da Aquatec, empresa do ramo de construção de piscinas, calcula que existam 45 mil piscinas no Distrito Federal. Ele próprio já construiu 497, nos 30 anos que atua em Brasília. Uma piscina comum, de de 32 m² a 50 m², edificada em concreto armado e revestimento de azulejos ou pastilhas, custa de R$ 25 mil a 45 mil. Outro indicador do mercado de consumo em Brasília: cada grupo de 100 habitantes da cidade possui 118 celulares, também o maior índice do País.
Esse mercado tem chamado a atenção de grandes lojas, que começaram a invadir o mercado nos últimos anos. Megastores como a francesa Fnac e a Livraria Cultura, sediadas em São Paulo, inauguraram suas filiais no ano passado. Grifes de vestuário como Tommy Hillfiger, Zara e Aramis abriram suas próprias lojas.
Outras, como Dior, John Galliano, Dolce & Gabana, Diesel, Replay, Fause Haten, Mandi e Ricardo Almeida, podem ser encontradas em lojas multimarcas, como a Magrella, que concentra suas vendas de artigos de luxo numa maison de 600 metros quadrados à beira do Lago Sul. "É uma maneira de testar o mercado, antes de se instalarem em suas lojas-padrão", diz Luiz Roberto Lacombe, superintendente do Parkshopping.
Neste ano, o Parkshopping resolveu apostar alto na decoração natalina. Instalou na praça central uma árvore coberta por finos cristais da Swarovski, uma centenária casa austríaca. Brasília é a primeira cidade da América do Sul a contemplar a árvore, ornada por 5,3 mil cristais, em forma de bolas, pingentes e flocos de neve. Mais 2,7 mil cristais pendem do teto em outras áreas do shopping.
O mercado de Brasília tem outra característica singular, graças às diferentes origens dos habitantes da cidade. Onofre Silva, diretor-regional no Centro-Oeste do Grupo Pão de Açúcar, "importa" de São Paulo carnes Wessel, Bassi e produtos da padaria Dulca.
O supermercado prepara localmente a carne-de-sol preferida dos nordestinos e organiza eventos para divulgar os vinhos gaúchos, especialmente os espumantes da região de Garibaldi, que estão na moda. "Já oferecemos produtos kosher, a pedido da Embaixada de Israel", diz Silva.
Os diplomatas contam com um serviço exclusivo: a única loja duty free do País fora da área de um aeroporto, onde brasileiro não entra, no melhor estilo cubano ou da antiga União Soviética. À loja, do Grupo Brasif, só se tem acesso com passaporte diplomático, e nela os produtos importados custam de 15% a 25% menos que os das lojas francas dos aeroportos.
O gosto do brasiliense pelos vinhos também tem aumentado. Há seis anos, a empresária Marly Maia Dias começou a representar a importadora de vinhos paulista Mistral em Brasília. Desde então, viu o movimento decuplicar e já é a segunda maior representante da Mistral no Brasil. Seus maiores clientes são os restaurantes da capital federal. "Os políticos compram diretamente em São Paulo, mas são grandes freqüentadores de restaurantes", diz Marly. "Em agosto e setembro, com a crise política, as vendas caíram, mas já estão se recuperando", diz ela.
A força do mercado de luxo na capital incentiva a criação local. A designer brasiliense de jóias Carla Amorim costuma inspirar-se na arquitetura da capital e na natureza do cerrado para desenhar suas coleções. Sua clientela é eclética e apartidária - políticos de todas as siglas compram suas jóias, segundo ela -, mas os clientes se concentram no Lago Sul. Tanto que Carla mudou a loja para lá, a pedido deles. "Eles diziam que ficava mais cômodo", conta.

Crise da soja aumenta plantio de eucalipto

Em meio às extensas planícies tomadas por soja em Mato Grosso é cada vez mais comum observar a presença de florestas de eucalipto. Este ano, a área destinada ao reflorestamento vai crescer 8%, para 103 mil hectares. A estabilidade da cultura do eucalipto, que serve tanto como lenha quanto como matéria-prima para a fabricação de papel, seduz cada vez mais produtores. Alguns analistas calculam que o reflorestamento é duas vezes mais rentável do que a lavoura de soja - especialmente num momento em que sua cotação anda em níveis baixos. Com a escassez da matéria-prima no restante do País, os produtores prevêem que em poucos anos alguma fábrica de papel e celulose vai se instalar no Estado para aproveitar a produção.

Milho de Parecis faz Yoki instalar fábrica no MT

A região de Campo Novo do Parecis foi escolhida pela paulista Yoki para a instalação de uma fábrica de derivados de cereais. O empreendimento vai gerar 120 empregos. A alta qualidade do milho produzido no entorno do município, localizado a 380 quilômetros de Cuiabá, pesou na decisão da companhia, que recebeu incentivos fiscais para levar a produção para lá. O governo estadual espera que outras unidades da empresa sejam instaladas na região.

Preceitos muçulmanos obrigam Perdigão a realizar abate manual de frangos destinados aos países árabes

Para se adequar às peculiaridades do mercado internacional, muitas empresas precisam criar soluções inusitadas. É o caso da Perdigão, que faz seus produtos chegarem a mais de 100 países. A unidade industrial instalada em Rio Verde, no sudoeste de Goiás, é totalmente automatizada. O abate mecânico de 350 mil frangos por dia só é interrompido quando as aves se destinam a países muçulmanos. Nas ocasiões em que isso acontece, entram em cena três árabes enviados por importadores de seus países especialmente para fazer o abate manual dos animais. "Os preceitos religiosos dos muçulmanos não permitem que máquinas façam o abate dos frangos", diz Euclides Costenaro, diretor da Perdigão em Rio Verde. E não é só. A própria fábrica foi construída de forma a ficar em direção a Meca. "Para poder exportar para estas nações, também tivemos de adaptar o projeto arquitetônico original", afirma Costenaro.

A riqueza do campo constrói cidades
Qualidade de vida e pleno emprego são o saldo da expansão agrícola
João Paulo Nucci
PRIMAVERA DO LESTE - Poxoréo e Primavera do Leste são municípios vizinhos localizados a menos de 300 quilômetros de Cuiabá no eixo da BR-070, a rodovia que corta Mato Grosso no sentido leste. Poxoréo, estabelecido aos pés do belo Morro da Mesa, tem 18 mil habitantes e depende, desde sua fundação, ocorrida há mais de 80 anos, da claudicante atividade do garimpo. A pobreza é evidente nas casas mal-acabadas, na falta de calçamento e iluminação e na absoluta ausência de vibração nas ruas. Na lista do IDH-M, índice que mede o desenvolvimento humano dos municípios brasileiros, Poxoréo aparece na 2.082ª posição.
Primavera do Leste surgiu nos anos 70 do século passado, fruto do espírito aventureiro do fazendeiro paulista Edgard Consentino (ver texto abaixo). Foi distrito de Poxoréu até 1986, quando se emancipou e ganhou vida própria. Desde então, deixou a vizinha para trás e virou um centro do agronegócio. A população já supera os 53 mil habitantes e não pára de crescer. A infra-estrutura urbana é completa e novos bairros com casas amplas e confortáveis surgem a cada ano. Dois jornais diários disputam a preferência dos leitores primaverenses. O centro da cidade abriga um comércio de qualidade. No IDH-M, aparece como o 479o município do País, à frente de cidades como Petrópolis (RJ) e Passo Fundo (RS). Praticamente não há desemprego na cidade, a despeito da crise atual.
A prosperidade é um reflexo do avanço do agronegócio a partir dos anos 90, evidente também em municípios jovens e dinâmicos como Lucas do Rio Verde, Nova Mutum, Sorriso e Sinop - todos localizados ao norte de Cuiabá, ao longo da BR-163. Ao mesmo tempo, cidades estabelecidas há mais tempo, como Rondonópolis e Barra do Garças, ganharam vida nova no rastro do movimento que levou Mato Grosso a ser conhecido como o celeiro do Brasil - há quem diga que do mundo. Em Lucas, a estátua de um porco gigante dá as boas-vindas aos visitantes. Símbolo da ascendente suinocultura, o porcão carrega na mão direita um punhado de soja e na esquerda uma espiga de milho. O inusitado figurino da estátua também tem sua razão de ser: o chapéu de lavrador homenageia o homem do campo, enquanto a gravata faz tributo aos executivos do agronegócio.
A colonização dessa vasta região teve início no começo dos anos 70. Sob os auspícios do regime militar, milhares de agricultores do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina e São Paulo foram atraídos com a promessa de terras baratas e crédito facilitado e abundante. "A verdade é que veio uma elite lá de baixo", diz o gaúcho Alaor Zancanaro, de 70 anos, referindo-se à experiência e capacitação profissional dos migrantes. Zancanaro se estabeleceu no começo dos anos 70 no que hoje é o município de Nova Mutum. "Na época, tinha só um posto de diesel aqui", afirma Zancanaro, responsável por três núcleos de colonização.
O grande salto ocorreu com a abertura da economia, no início dos anos 90. A liberação das importações permitiu que os produtores se equipassem com máquinas mais modernas. A chegada das multinacionais do setor - ADM, Bunge e Cargill - aumentou o crédito para a produção. O solo do cerrado foi corrigido com montanhas de calcário e adubos. Sementes de alta produtividade foram desenvolvidas pela Embrapa.
Estava pronto o cenário para um dos mais vigorosos ciclos de expansão econômica que o País já testemunhou. O PIB de Mato Grosso foi o que mais cresceu entre 1985 e 2003, segundo o IBGE, com um salto de 275%. Entre 2000 e 2005 o Estado dobrou sua área de plantio de soja para 6 milhões de hectares "É difícil achar outro lugar do planeta em que tenha acontecido algo semelhante", diz o consultor paulista Fernando Pimentel, da Agrosecurity.
O momento, no entanto, é de crise. Após cinco anos ininterruptos de expansão, os sinais se inverteram. O dólar, que chegou em 2002 a R$ 4,00, não pára de cair, para desespero dos exportadores. Os preços das commodities também estão em baixa. Além disso, os custos de plantio cresceram após o advento da praga conhecida como ferrugem asiática, que exige várias aplicações de fungicidas na lavoura de soja. "Quando o câmbio estava nas alturas, houve um frenesi de investimentos, de compra de terra, de conversão de pasto para soja, de compra de equipamento", diz Pimentel. "Hoje, com as margens de lucro negativas e o alto endividamento, a situação é grave."

O homem que gosta de dizer que também é JK
Do quase nada, o paulista Edgard Consentino planejou e ergueu Primavera do Leste, uma das jóias do circuito do agronegócio
PRIMAVERA DO LESTE - Decididamente, a modéstia não é o forte do economista piracicabano Edgard Consentino, de 65 anos. "Conheço duas pessoas que realizaram projetos de colonização urbana no Brasil", diz Consentino. "Juscelino Kubitschek e eu". JK fez Brasília. Consentino fez Primavera do Leste. "A diferença é que ele usou o dinheiro do povão. Eu fiz com recursos próprios." O nome de Primavera do Leste foi escolhido pela esposa, Lilian Maria, companheira da aventura de desbravamento.
A história começa em 1970, quando Consentino e outros sete investidores do ABC paulista, onde o economista residia à época, criaram uma empresa, a Primavera do Oeste S.A., para explorar uma propriedade na região de Poxoréu. A fazenda-modelo era administrada por Consentino, que se animou a fazer um projeto de colonização no entroncamento da BR-070 com a MT-130, onde existia apenas um posto de gasolina e um restaurante-dormitório.
Naquele momento, os primeiros agricultores sulinos estavam se estabelecendo na região. As lavouras começaram com arroz, evoluíram para o milho e a soja e hoje há muito algodão na região. Só na área que pertence ao município são ao todo 260 mil hectares de plantações.
"A cidade foi totalmente projetada. Aquela caixa guarda toda a documentação de Primavera", diz Consentino, apontando uma prateleira no espartano escritório que ocupa na sede da Imobiliária Consentino, no centro da cidade. Ele nunca foi prefeito da cidade, mas manda um bocado. "Nunca quis", afirma. "Eu prefiro ajudar os prefeitos." Espécie de eminência parda, Consentino controla os destinos da cidade a partir do cargo de secretário da Indústria e Comércio. No momento, a idéia é conseguir desenvolver um pólo de ecoturismo na cidade. A primeira edição dos Jogos de Esportes Radicais de Mato Grosso se realizou no fim de outubro e foi um sucesso. "Veio gente do Brasil todo". Como empresário, o projeto da vez de Consentino é introduzir a cana-de-açúcar no município. "Estou atrás de parceiros para produzir álcool", diz. "Tenho pronto o projeto de uma usina."
Consentino é um homem rico, mas não gosta de falar sobre dinheiro ou sobre sua fortuna. Essa atitude faz sentido. O crescimento de Primavera do Leste levou à região os problemas de cidade grande, roubos e seqüestros entre eles. Quando resolveu partir para Mato Grosso, Consentino tinha 30 anos e trabalhava como diretor na empresa de telefonia que operava no ABC paulista, a CTBC. Largou o conforto de Santo André, onde vivia, para se embrenhar numa região inóspita e habitar uma casa de sapé em busca de aventura. "Isso daqui era o Velho Oeste", lembra. "Eu andava com dois revólveres de cano comprido na cintura." Foi preciso sacar a arma alguma vez? Ele desconversa. "Sabe como é, chegava muita de gente de fora aqui..."
Hoje, ele mora numa ampla residência no bairro Cidade Jardim -- uma homenagem ao seu antigo bairro Jardim, em Santo André. Voltar para São Paulo? Ele diz que não troca Primavera por lugar nenhum. "Quem chega aqui nunca mais vai embora", afirma.

Da lavoura ao chão de fábrica
Estado que mais cresceu nos últimos 20 anos, Mato Grosso parte agora para o segundo ciclo do desenvolvimento, a industrialização
João Paulo Nucci
CUIABÁ - Berço esplêndido do agronegócio, com 21% da produção brasileira de soja, milho, arroz e algodão e sede do maior rebanho do País, com 24 milhões de cabeças de gado, Mato Grosso planeja seu futuro para fora da porteira das fazendas. Após garantir sua reputação no campo, o Estado ensaia um passo natural na escala do desenvolvimento: a industrialização.
Um esforço para atrair capital industrial já garantiu R$ 5,5 bilhões em investimentos. A maior parte dos projetos é ligada ao agronegócio, como as unidades de abate de aves e suínos que a Sadia está montando em Lucas do Rio Verde e Campo Verde, ao custo de R$ 1,5 bilhão, e o abatedouro que a Perdigão comprou e reformou por R$ 40 milhões, em Nova Mutum. Fabricantes de insumos e equipamentos também já estão se instalando no Estado, como a empresa gaúcha de equipamentos de irrigação Focking e a produtora paranaense de defensivos agrícolas Nortox.
Outros investidores, como a cearense Santana Têxtil, que está em fase final de construção de uma planta em Rondonópolis, estão indo a Mato Grosso pela abundância de matéria-prima - no caso, o algodão. E ainda existem as empresas que estão experimentando migrar para a região confiando em sua posição estratégica - Cuiabá é o centro geodésico da América do Sul - e na melhoria da infra-estrutura de transportes.
É o caso da Itap Bemis, fabricante de embalagens do grupo Dixie Toga, que também escolheu Rondonópolis para sede de uma planta de R$ 50 milhões. Esses investidores recebem benefícios concedidos tanto pelo Estado quanto pela antiga Sudam (atual Agência de Desenvolvimento da Amazônia): Mato Grosso pertence à chamada Amazônia Legal, embora apenas o norte do Estado seja coberto pela floresta - a vegetação dominante é o cerrado, típica das planícies do centro.
Ao todo, estima-se que cerca de 50 mil empregos serão criados nos próximos dois anos pela onda de industrialização. Que está só no começo, segundo o governador Blairo Maggi, dono do Grupo Amaggi, um dos maiores produtores de soja do mundo. "Pelo menos outros dois investimentos de porte já estão praticamente fechados", afirma Maggi, sem revelar a identidade das empresas.
Hoje, cerca de 70% do PIB do Estado depende da agropecuária, responsável, nos bons tempos, por sua prosperidade. No entanto, em momentos de crise no campo, como o atual, essa dependência acaba penalizando-o severamente. O orçamento do Estado para o ano que vem, por exemplo, já sofreu um corte de 13% para absorver a queda de arrecadação prevista com a diminuição da produção agrícola. Com isso, a pretendida diversificação da economia funcionaria como um amortecedor para futuras crises.
Atrair empresas é uma obsessão do governo estadual. "Fazemos tudo o que o investidor quiser. Existem regras gerais, mas negociamos caso a caso", diz Maggi. "É guerra fiscal pura." Há quem conteste a opção preferencial pela industrialização. "Mato Grosso tem de se dedicar à sua vocação, que é o agronegócio, e não a roubar fábricas de outros Estados", afirma o empresário João Luiz Ribas Pessa, presidente da Associação Brasileira de Produtores de Algodão. "A população local é pequena, não há mercado consumidor." Para ele, o mais importante é que o consumo interno do País cresça. "Tanto faz se a indústria está em Santa Catarina ou no Mato Grosso", diz Pessa. O Estado, que ocupa pouco mais de 10% do território nacional, conta com apenas 2,7 milhões de habitantes.
A opinião de Pessa é refutada por Elio Rasia, secretário de Desenvolvimento Econômico de Rondonópolis. Para ele, o efeito multiplicador da chegada das indústrias compensa qualquer custo que o governo tenha em atrair os investimentos. "A Santana Têxtil, por exemplo, vai permitir que se crie um pólo de confecções no entorno da cidade", afirma. Rondonópolis, a terceira mais importante cidade do Estado - depois da capital Cuiabá e da vizinha Várzea Grande - tem sido especialmente beneficiada pela onda de industrialização. Um distrito industrial de 190 hectares localizado ao sul do Rio Vermelho, que corta o município, já está completamente reservado. Outra área equivalente já está preparada para receber as novas fábricas. Situado 220 km a leste de Cuiabá, Rondonópolis se beneficia especialmente por estar no entroncamento de duas rodovias federais e a apenas 160 km do ponto inicial da Ferronorte - que um dia cruzará a cidade.
Sede do Grupo Amaggi, a cidade conta ainda com grandes unidades do trio ABC, sigla que identifica a ADM, a Bunge e a Cargill, multinacionais que absorvem e processam o grosso da produção agrícola da região.

Avanço agrícola provoca a ira dos ambientalistas

DEVASTAÇÃO: O governador e produtor de soja Blairo Maggi ganhou um prêmio do Greenpeace em junho deste ano: a motosserra de ouro, outorgada anualmente a quem, na opinião da organização ambientalista, tenha contribuído mais para a destruição do meio ambiente. A imprensa internacional também costuma pegar pesado com Maggi: ele já foi chamado de "estuprador da floresta" por jornais ingleses e tido como o principal responsável pela devastação da Amazônia pela revista The Economist. Segundo o Greenpeace, metade das árvores que a floresta amazônica perdeu entre 2003 e 2004 foram arrancadas em solo mato-grossense.
Grande parte do desastre ambiental foi provocado por uma quadrilha infiltrada no Ibama de Cuiabá. Em junho, a Polícia Federal desmontou o esquema que praticamente liberava a extração e o transporte de madeira no Estado. Enquanto teve liberdade para atuar, a quadrilha faturou R$ 890 milhões com o desmatamento de uma área de 43 mil hectares, equivalente a 52 mil campos de futebol. Mais de 600 madeireiras participavam do esquema, segundo a PF. Cerca de 100 pessoas foram presas durante a chamada operação Curupira. Após o escândalo, os governos federal e estadual passaram a discutir um novo modelo de fiscalização, que entrará em funcionamento em janeiro de 2006. O comando da operação ficará, desta vez, com um órgão criado pelo Estado.
O governo estadual considera a situação sob controle. Segundo cálculos da secretaria de Desenvolvimento Rural, apenas 2% da área agricultável da Amazônia está ocupada atualmente. Do total do território mato-grossense, 32% estão ocupados com lavoura e pasto. O cerrado, o pantanal e a floresta amazônica, que cobre apenas o norte do Estado, ocupam juntos 49% do território do Mato Grosso (o restante está dividido em áreas de proteção e terras indígenas). Outro argumento dos produtores: a alta produtividade da agricultura hoje permite que muito mais grãos sejam produzidos em menos áreas. "Se a produtividade de 1985 fosse mantida, precisaríamos do dobro da área ocupada hoje para colher a mesma produção", diz Cloves Vetoratto, secretário do Desenvolvimento Rural do Estado.

Produção de suínos é a que mais cresce no Estado
Praticamente inexistente há dez anos, cultura recebe investimenos de grande porte
DIAMANTINO - Mato Grosso dispõe de ração à vontade (soja e milho), terras a perder de vista e clima favorável. Só faltavam investidores interessados em desenvolver a suinocultura, atividade praticamente inexistente no Estado até dez anos atrás. Eles apareceram aos poucos, incentivados por um programa do governo estadual, e hoje a região conta com granjas modernas, um rebanho de mais de 1 milhão de cabeças e um frigorífico de grande porte, o Excelência, instalado em Nova Mutum.
O resultado aparece na balança comercial: as vendas para o exterior cresceram 335% no primeiro semestre do ano. O volume ainda não é muito representativo (menos de US$ 5 milhões em exportações), mas as perspectivas de mercado são excelentes. Em maio, a carne suína atingiu a cotação mais alta da história - perto de US$ 2 mil a tonelada.
A Rússia, principal país consumidor do planeta, retomou com vigor a compra de carne suína brasileira após o embargo do início do ano, provocado por um foco de aftosa num rebanho bovino do Pará. Por ano, as exportações brasileiras já somam mais de US$ 1 bilhão. E existe a possibilidade real de o Brasil se transformar, assim como já ocorre com as carnes bovina e de frango, no maior produtor mundial.
O município de Diamantino, localizado 200 quilômetros ao norte de Cuiabá, é sede do maior projeto de suinocultura do Estado. Foi lá que a Carroll's Foods, uma empresa controlada pela norte-americana Smithfield e pela carioca MPE, já investiu mais de R$ 200 milhões para criar um granja com 11 mil matrizes, responsáveis pela geração anual de 135 mil cabeças - reproduzidas com inseminação artificial, o que reduz os riscos sanitários. O negócio, que fatura R$ 220 milhões por ano e emprega 340 pessoas, está prestes a dobrar de tamanho. Mais 10 mil matrizes serão incorporadas em breve ao plantel. Até o fim da década, a idéia é chegar a 54 mil matrizes. No ano passado, a empresa inaugurou uma fábrica de rações própria. "A MPE já tinha a fazenda e a intenção de experimentar a suinocultura, mas os investimentos eram acanhados", diz Nelso Pasqual, diretor técnico da Carroll's Foods. "A partir de 1997, quando houve o contato com os americanos, o projeto decolou."
Em breve, a Carroll's vai ter de encarar a concorrência da Sadia em seu próprio quintal. A empresa catarinense anunciou que vai investir R$ 200 milhões num projeto de abate e industrialização de carne de porco no Estado (o local exato não foi definido). A unidade será projetada para abater até 5 mil cabeças por dia.
Outro grande produtor é o gaúcho Otaviano Pivetta, que além dos porcos também possui grandes lavouras de soja, milho e algodão na região de Nova Mutum (a 269 quilômetros ao norte de Cuiabá). Pivetta abate 200 mil cabeças por ano e é o principal responsável pelo Frigorífico Excelência, organizado em formato de cooperativa de produtores.
Exclusivamente projetado para a suinocultura, o frigorífico processa 2,2 mil animais por dia. A presença de um abatedouro de grande porte no Estado permitiu uma redução considerável nos custos de produção. "Antes, abatíamos a 1,7 mil quilômetros daqui", diz Pasqual. "Agora, a distância caiu para 100 quilômetros."

Biodiesel caipira já abastece tratores
Alta do preço do diesel leva os produtores a usar óleo de soja como combustível
RONDONÓPOLIS - O biodiesel - combustível extraído a partir de vegetais - já é uma realidade em Mato Grosso. Com a alta do preço do petróleo nos últimos anos, que levou o litro do diesel a mais de R$ 2,00, os produtores apelaram para uma solução caseira: abastecer parte, ou em alguns casos até a totalidade, de seus equipamentos com óleo de soja.
Abundante na região, o substituto informal do diesel custa menos da metade do preço do derivado de petróleo é obtido diretamente nas refinarias de óleo de soja. "Tem gente que usa há três anos e nunca teve problemas nas máquinas", diz Adilton Sacchetti, produtor de soja e prefeito de Rondonópolis. "O biodiesel veio para ficar."
Em 2008, por lei, o diesel tradicional vendido em todo o País terá de conter uma mistura de 2% de óleo vegetal - porcentual que vai crescer ao longo dos anos até atingir os 100%. Considerado ecologicamente e socialmente correto, pois polui menos e integra pequenos agricultores à cadeia produtiva, o biodiesel é alvo de um esforço do governo federal para sua adoção em grande escala.
A expectativa em Mato Grosso é de que a prática informal vire negócio em breve. As fazendas de Sacchetti consomem 5 milhões de litros de diesel por ano. Ele está planejando produzir o próprio combustível.
Assim como o produtor Otaviano Pivetta, que consome 6 milhões de litros de diesel anualmente e está em negociações com um grupo técnico para começar a fazer biodiesel a partir do girassol já no ano que vem. "A princípio, para consumo próprio", diz Pivetta. Mas nada impede que, se as circunstâncias ajudarem, o biodiesel caipira, como é chamado pelos produtores, alce vôo próprio nos planos de negócios. [ASSINAPE](J.P.N.)

Genéricos dão o tom na economia de Anápolis
Pólo de medicamentos goiano já é o terceiro do País e responde por 10% de toda a produção brasileira
Manuela Rios
GOIÂNIA - Com 23 empresas, a maioria delas especializada na produção de medicamentos similares ou genéricos, o pólo farmacêutico de Anápolis (GO) vive um período de ansiedade e júbilo. Não só a Anvisa abriu a possibilidade de autorizar a produção de genéricos de pílulas anticoncepcionais - um filão de mais de R$ 700 milhões ao ano -, como novos veios de mercado poderão ser explorados nos próximos cinco anos, graças ao vencimento das patentes de medicamentos cujo potencial anual de vendas chega aos US$ 330 milhões. "Só a cibutramina, princípio ativo dos moderadores de apetite Plenty e Reductil, fabricados pela Medley e Abbott, vende R$ 12 milhões por ano no Brasil, e sua patente vence já no final deste ano", afirma Adilmar Luiz de Souza, diretor-comercial do Laboratório Teuto Brasileiro.
O Teuto, que ocupa uma área de 1 milhão de metros quadrados no Distrito Agroindustrial de Anápolis (Daia), vai aproveitar a oportunidade. "Nossa estratégia é sermos rápidos no lançamento de genéricos", diz Souza. "A meta é conquistar 12% do mercado em cinco anos." A Neo Química, pioneira do Daia, onde opera desde 1990, não deve ficar atrás. "Queremos ter uma linha completa de genéricos e similares, com política agressiva de preços", afirma o diretor comercial Álvaro Zanella.
O crescimento faz parte da rotina no pólo farmacêutico de Goiás, desenvolvido à base de uma vigorosa política de incentivos fiscais e que já é o terceiro maior do País - atrás apenas de São Paulo e Rio de Janeiro. Munido com os benefícios do programa Fomentar, mais tarde substituído pelo Produzir, o Estado atraiu mais de 20 empresas farmacêuticas. "Não queremos mais ser um Estado exportador de commodities, e sim agregar valor à produção, estimulando sempre que possível a descentralização econômica", afirma José Carlos Siqueira, secretário de Planejamento e Desenvolvimento de Goiás.No ano passado, os laboratórios goianos aumentaram seu faturamento em 17%, chegando à casa dos R$ 2 bilhões - equivalentes a 10% do movimento total da indústria farmacêutica brasileira. Juntas, produziram 132 milhões de caixas de medicamentos e empregaram 6 mil trabalhadores.
O potencial de mercado brasileiro de medicamentos genéricos explica boa parte da expansão. As vendas desses produtos cresceram 42% em 2004, enquanto o mercado total de medicamentos aumentava em apenas 9%. No primeiro semestre deste ano, o segmento registrou nova alta de 47%, com um movimento de US$ 300 milhões, alcançando uma participação de mercado de 9,1% em valor e 11,5% em unidades.
Essa dinâmica tem estimulado a multiplicação de investimentos. Até 2007, os laboratórios de Goiânia e Anápolis deverão aplicar R$ 318,6 milhões na aquisição de máquinas, registros e renovação de registros de medicamentos e desenvolvimento de novas fórmulas, segundo o sindicato da indústria. Não que tenham faltado investimentos nos últimos anos. Muitas das fábricas de remédios de Anápolis exibem instalações que remetem a cenários de ficção científica. Em linhas totalmente automatizadas, equipamentos de ponta expelem comprimidos, drágeas e cápsulas a velocidades capazes de preencher 350 cartelas por minuto.
Com quase 1.300 funcionários, o Teuto já investiu US$ 100 milhões desde que se instalou no Daia de Anápolis, em 1993, transformando-se num complexo industrial de 105 mil metros quadrados com capacidade de produção de 30 milhões de caixas de medicamentos por mês, grande parte ainda ociosa. Mesmo tendo registrado crescimento de 33% em faturamento e 26% em volume em 2004, o Teuto vem produzindo apenas 9 milhões de caixas de medicamentos por mês, em 292 apresentações, das quais 91 de genéricos.
Mais modesta, a Neo Química aplicou, nos últimos anos, cerca de R$ 10 milhões na modernização de sua planta e está ampliando a área construída de 47 mil para 66 mil metros quadrados, com o objetivo de aumentar a capacidade de produção de medicamento de 25 milhões para 36 milhões de caixas mensais. Atualmente produz 20 milhões de unidades de 240 medicamentos em 400 apresentações por mês, das quais 68 de genéricos e o restante de similares. Com 1.400 funcionários, a Neo Química apostou nas licitações públicas para expandir suas vendas, atingindo um faturamento de US$ 84 milhões em 2004. Para 2005, a previsão é chegar aos US$ 100 milhões.
Taxas de crescimento tão expressivas não devem repetir-se por muitos anos, já que, como demonstra a experiência de outros países, o mercado de genéricos tem um limite. "Deveremos ter uma participação estabilizada em 25% em valor e 15% em volume em 2010", diz Zanella, da Neo Química. Até lá, o pólo farmacêutico de Anápolis provavelmente já terá resolvido seu maior problema: a atração de pessoal qualificado. Hoje, os cargos de chefia são quase todos preenchidos por profissionais de São Paulo, Rio e Minas, e nem sempre a qualidade de vida goiana e o potencial da carreira bastam para conquistá-los.
Restará aos laboratórios goianos o crônico desafio de vencer uma concorrência cada vez mais acirrada. "Genéricos são commodities. Não têm nada que possa diferenciar a empresa. Como há muitos players e o espaço das farmácias é inelástico, o esforço comercial é prioritário", afirma Adilmar de Souza, do Teuto.

Goiânia vira centro médico de renome internacional
A cidade reúne o que há de mais avançado em oftalmologia e tratamento de queimados
GOIÂNIA - Foi-se o tempo em que o melhor hospital da região Centro-Oeste era um avião voando direto para São Paulo. Nos últimos anos, Goiânia se transformou num centro de referência em diferentes especialidades da medicina, como epilepsia e neurologia, reabilitação de portadores de deficiências, queimaduras e oftalmologia.
O escritor Jorge Amado descobriu a excelência oftalmológica da capital goiana já no final da vida, quando estava em Paris. Vítima de cegueira parcial, ele precisou fazer um exame com uma tecnologia que a França ainda não dominava plenamente. O médico lhe receitou então uma visita ao Centro Brasileiro de Cirurgia de Olhos (CBCO), na capital goiana. Ali se tratam notáveis como o senador e ex-presidente José Sarney e o arquiteto Oscar Niemeyer - que por medo de avião percorre de carro o trajeto de 1,4 mil quilômetros entre o Rio de Janeiro e Goiânia -, além de milhares de pacientes anônimos de todo o Brasil e do exterior. Às segundas-feiras, dia de maior movimento na clínica, são atendidas em média 300 pessoas.
"Cerca de 60% dos nossos pacientes são de fora de Goiânia", diz o oftalmologista Marcos Ávila, um mineiro de Uberlândia que há 11 anos escolheu Goiânia para fundar o CBCO, seguindo a tendência de interiorização da medicina de qualidade iniciada nos Estados Unidos na década de 80. "O binômio cuidados de qualidade/carinho pelo paciente, que facilita a recuperação, só é possível em cidades pequenas", acredita o médico. "Até os taxistas de Goiânia sabem que nossos pacientes precisam de tratamento especial."
Se é obstinado com o atendimento personalizado dos pacientes, Ávila não descuida dos princípios do negócio. Por obrigação contratual, cada um dos cinco sócios do CBCO é especialista em uma área da oftalmologia, e deve se manter atualizado, investir nos mais modernos equipamentos e tecnologias e atuar na área acadêmica. A oftalmologia, afinal, é uma das especialidades da medicina de maior dinamismo tecnológico nos últimos 20 anos.
Outra referência da medicina goiana é o Instituto Piccolo. Criado em 1968 pelo médico Nelson Piccolo, falecido em 1988, a instituição de Goiânia é dirigida atualmente pela viúva, Elisa, e seus três filhos, os médicos Maria Thereza, Mônica e Nelson Sarto, todos pós-graduados ou doutorados no exterior. "Atendemos 14 mil pacientes por ano, com uma média de 300 a 350 por dia, e 30% deles vêm de fora de Goiânia", diz o cirurgião plástico Nelson.
Quase 75% dos pacientes dependem do Sistema Único de Saúde. "Quem se queima são pessoas carentes de recursos, de informação e de proteção", diz Nelson. No Pronto-Socorro para Queimaduras, não importa se o paciente é particular ou do SUS. Eles recebem o mesmo atendimento, embora o governo pague somente R$ 1,7 mil pelo tratamento de um queimado em estado grave, enquanto o custo médio real gira em torno de R$ 17 mil.
As receitas do ambulatório e do Instituto Nelson Piccolo - especializado em cirurgia plástica estética e reconstrutora e que funciona no mesmo edifício - são combinadas com um ativo controle de custos e compras para cobrir a diferença no caixa do PS. Inovações desenvolvidas em família também contribuem para baratear tratamentos.
Para enxertos e curativos em grandes queimaduras, por exemplo, os Piccolo introduziram o uso de pele da rã-touro-gigante, que custa muito menos do que a pele artificial produzida por grandes laboratórios e a pele de porco usada no exterior.

Tecnologia de ponta na fábrica de palmito
Com o Biocure, a Pele Nova quer mudar o tratamento de ferimentos no Brasil
Clayton Netz
No começo de 2000, a cirurgiã goiana Fátima Mrué e o bioquímico paulista Joaquim Coutinho Neto tinham ouro puro nas mãos, mas não estavam conseguindo ganhar com ele. Pesquisadores da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, eles haviam desenvolvido um revolucionário produto destinado ao tratamento e cicatrização de ferimentos, à base do látex da seringueira. Em testes desde 1998, o curativo não conseguia atrair investidores interessados em sua viabilização.
Naquele ano, porém, Fátima e Coutinho bateram às portas da Academia Brasileira de Estudos Avançados, uma ONG de São Paulo, destinada ao apoio e financiamento de inovações na área de tecnologia de ponta. Para sorte deles, encontraram do outro lado da mesa Ozires Silva, o criador da Embraer.
Entusiasmado com o que ouviu, Ozires reuniu um grupo de investidores (são 11) e decidiu formar uma empresa para colocar o produto no mercado. Nascia a Pele Nova Biotecnologia, que iniciou em 2004 a produção do Biocure, nome do curativo, no prédio de uma antiga fábrica de palmito em Terenos(MS).
Segundo Ozires, já foram aplicados R$ 6 milhões na Pele Nova, que patenteou o Biocure em cerca de 60 países e deve faturar R$ 1,5 milhão em 2005.
Embora custe menos do que 10% do preço de similares produzidos no exterior, o Biocure ainda encontra dificuldades para emplacar. A falta de recursos para deslanchar um plano mercadológico é uma delas. Outra é a resistência do Sistema Único de Saúde em adotá-lo, o que baratearia o custo dos tratamentos - cerca de 4,5 milhões de brasileiros sofrem com ferimentos crônicos. Aos 76 anos de idade, Ozires não desanima. "Como aconteceu com a Embraer, vamos superar os problemas", diz. "Já me tornei Ph.D. na arte de remar contra a maré."

Capital do software, Brasília almeja o mercado global
Uma das principais empresas do DF, a Politec vende sistema para o FBI
Ricardo Galuppo
BRASÍLIA - Perto do valor que a Politec - a maior empresa de Tecnologia da Informação de capital brasileiro - fatura no País, suas vendas no exterior podem parecer modestas. A companhia, que deve fechar o ano com vendas superiores a R$ 500 milhões, terá uma receita de US$ 2,4 milhões nos Estados Unidos. O mais significativo não é o valor, mas o produto e os clientes da Politec no mercado americano. Hoje em dia, o grosso das vendas da empresa nos Estados Unidos é de um programa de biometria já em uso pelo FBI, pela Marinha e pelo Departamento de Estado.
Trata-se de um sistema de segurança que controla o acesso a áreas restritas pelas informações contidas na íris do indivíduo. Se as negociações da empresa derem certo, as vendas ao exterior devem aumentar muito nos próximos anos. A Politec negocia com o governo da China uma solução que ajudará no recenseamento do país mais populoso do mundo. "A tendência, de agora em diante, é apenas crescer", diz Humberto Luiz Ribeiro, diretor de Negócios Internacionais da Politec.
A Politec é, até aqui, o exemplo mais bem-sucedido de uma indústria que vem se transformando em referência nacional - embora pouca gente de fora da capital do País tenha se dado conta de seu crescimento. Essa indústria reúne empresas que trabalham com a criação de softwares, com o desenvolvimento de soluções digitais e com tudo aquilo que se convencionou chamar de TI, ou Tecnologia da Informação. "É uma indústria não poluente, que combina com uma cidade moderna como Brasília", diz Izalci Lucas, secretário de Ciência e Tecnologia do Distrito Federal.
Há 3 mil companhias do gênero registradas na Junta Comercial de Brasília. Uma pesquisa recente do Sindicato das Indústrias da Informação do Distrito Federal (Sinfor) revelou que 1.024 delas estão em plena atividade. Juntas, elas oferecem mais de 30 mil empregos diretos. É com base nesse contingente expressivo que o governo do Distrito Federal e a Federação das Indústrias de Brasília (Fibra) pretendem criar o Parque Tecnológico Capital Digital.
Trata-se de um mega-empreendimento destinado a concentrar as empresas de TI num mesmo espaço - um terreno de 123 hectares ao lado da Granja do Torto. O projeto deverá atrair investimentos de, no mínimo, R$ 2 bilhões, conforme a estimativa dos empresários do setor, e abrigar pelo menos 2 mil companhias.
Também são de Brasília nomes de expressão nacional, como TBA, que se tornou conhecida em 1994 ao se tornar a única representante da Microsoft autorizada a vender para o governo federal - monopólio que perdeu nos últimos anos. Outros nomes conhecidos são os da CTIS (2,3 mil empregos), da Poliedro (1,9 mil) e da Superobra, um portal que realiza cerca de 1,5 mil operações de compra e venda de materiais de construção por mês.
A maioria das organizações, no entanto, é composta por micro e pequenas empresas, com faturamento anual de até R$ 1,2 milhão. O governo federal é o maior consumidor de serviços de computação não apenas das empresas sediadas em Brasília, mas de todo o Brasil. O mercado brasileiro de tecnologia da informação movimenta, por ano, algo entre US$ 10 bilhões e US$ 12 bilhões. Estima-se que 40% desse dinheiro saia do orçamento da administração pública.
Para reduzir a dependência dos órgãos oficiais, algumas empresas estão preocupadas em encontrar novas fontes de receita. O desafogo pode vir do exterior. Com apoio da Agência de Promoção das Exportações do Brasil ( Apex), vários consórcios de empresas de software já participam de feiras internacionais. A Tecnisys e a Light Infocon, duas empresas brasilienses que já exportam, foram selecionadas como possíveis fornecedoras do governo chinês.

De tostão em tostão se chega aos milhões
Pouco conhecido mesmo em Goiás, pólo tecnológico reúne mais de mil empresas
Manuela Rios
GOIÂNIA - Capaz de identificar uma pessoa num banco de dados com 64 mil impressões digitais em apenas 0,6 segundo, um pequeno aparelho dotado de sensores inteligentes e conectado a um computador é o segredo da Neokoros Brasil, de Goiânia, para dobrar o faturamento a cada ano. Usado para controle de acesso e freqüência, seu sistema de identificação biométrica promete aposentar crachás e senhas e já está instalado em portas e catracas de acesso de 250 empresas, escolas, condomínios residenciais, academias de ginástica e órgãos públicos de todo o Brasil. "Em 2006, haverá uma explosão na demanda por nossa tecnologia", diz Marco César Chaul, um dos quatro sócios da Neokoros. "E em 2007, segundo estimativas de uma consultoria, a Neokoros valerá R$ 30 milhões."
Nada mau para uma empresa com apenas 12 funcionários, que jamais gastou um centavo com publicidade e deve faturar cerca de R$ 2 milhões este ano. Desde que foi criada, em janeiro de 2002, a Neokoros investiu R$ 1,5 milhão em pesquisa e desenvolvimento. No momento, prepara-se para concorrer no mercado internacional. Clientes não faltam. A coreana Geomok, por exemplo, tem planos de produzir seu sistema e exportá-lo para Europa e Ásia.
A Politec Inc., subsidiária da Politec, de Brasília, apresentou a tecnologia da Neokoros aos órgãos do governo norte-americano, que a testaram e aprovaram. "Estamos trabalhando na integração do nosso sistema de identificação biométrica com o da Politec", diz Chaul.
Maior empresa privada de serviços de tecnologia de informação do Brasil, a goiana Politec é o paradigma que fermentou a criação de um pólo digital no Estado. "Há quase mil empresas de tecnologia de informação em Goiás", calcula Miguel Ivan Lacerda de Oliveira, gerente da unidade de inovação e acesso à tecnologia do Sebrae-GO. A existência desse cluster foi descoberta quase por acaso em 2003, numa pesquisa do Sebrae, que desde então vem trabalhando no desenvolvimento de um arranjo produtivo local, batizado de Comunidade Tecnológica (Comtec).
A maioria das empresas de tecnologia de Goiás se dedica ao desenvolvimento ou à revenda de software e 90% delas estão instaladas na região metropolitana de Goiânia.
"Faturamos em conjunto mais de R$ 1 bilhão em 2004 e geramos 8 mil empregos diretos", diz Regner da Silva Santos, presidente da Comtec, que inclui as receitas de R$ 500 milhões da Politec, que ainda mantém boa parte de suas operações de desenvolvimento na capital goiana.

Kepler Weber inaugura distrito de Campo Grande

O pólo metalomecânico de Campo Grande começou a se formar com a chegada, em 2004, da Kepler Weber, a maior fabricante do mundo de sistemas de armazenamento de grãos. A empresa transforma em produtos acabados cerca de 5 mil toneladas por mês de aço na planta instalada no distrito industrial da capital de Mato Grosso do Sul. A fábrica emprega 580 pessoas. No entorno da companhia, fundada há 80 anos no Rio Grande do Sul, já se instalaram outras empresas da mesma cadeia produtiva, como a LPC Fundição. "São novas empresas que surgem em conseqüência do efeito multiplicador da Kepler", diz Othon Eça Cals de Abreu, diretor-presidente da Kepler, que investiu US$ 34 milhões na construção da planta.

Brasília entra de vez no turismo de eventos

Antes mesmo da conclusão das obras de ampliação, programada para março, o Centro de Convenções Ulysses Guimarães, de Brasília, já tem uma agenda com 56 eventos para 2006. "Agora, podemos competir com Rio e São Paulo", afirma a secretária de Turismo do Distrito Federal, Lúcia Flecha de Lima. A reforma absorveu R$ 140 milhões e vai favorecer a economia local. "Os negócios, a renda e os empregos do turismo serão multiplicados."

Contra tudo e contra todos, fábrica de carros da Hyundai começa a sair do papel em Anápolis

Depois da John Deere e da Mitsubishi, Goiás está acrescentando a Hyundai a seu parque automotivo. Sob licença da marca coreana, a fábrica começou a ser construída em setembro do ano passado em Anápolis pelo grupo brasileiro Caoa, que está investindo US$ 200 milhões. "Joguei minha alma nesse negócio. Estou matando um leão por dia", afirma Carlos Alberto de Oliveira Andrade, presidente do Caoa. Ele vem tentando erguer a montadora desde 2002. Primeiro, questões burocráticas levantadas pelo Ministério do Desenvolvimento obrigaram a uma renegociação das cláusulas. Depois, o plano de construir a montadora na Bahia fracassou, porque os incentivos ficaram aquém das expectativas. Isso levou o Caoa a transferir o projeto para Goiás. O mais recente obstáculo foram as chuvas de verão, que atrasaram as obras de terraplenagem. Apesar de tudo isso, a expectativa é de inaugurar a planta em março de 2006.

Três Lagoas segue em expansão enquanto espera fábrica de celulose
Maior pólo produtivo de MS, a cidade de 95 mil habitantes está prestes a receber planta de R$ 2,8 bilhões da International Paper
João Naves de Oliveira
TRÊS LAGOAS - Com energia abundante, localização privilegiada e incentivos fiscais, Três Lagoas, situada na divisa com o extremo noroeste de São Paulo e a 330 quilômetros de Campo Grande, está conquistando a posição de cidade mais industrializada de Mato Grosso do Sul. "Somente este ano, 15 novas indústrias foram instaladas no município", diz a prefeita Simone Tebet. Ela espera com ansiedade para o início de 2006 a confirmação da chegada da norte-americana International Paper, dona de uma floresta de eucaliptos na área rural de Três Lagoas.
Segundo a prefeita, o protocolo de intenções já foi assinado com a multinacional, bem como está definido o local onde será instalada a fábrica de celulose. "Os executivos da empresa estão escolhendo um entre três países. A Rússia, a China e o Brasil", diz Simone. "Caso optem pelo nosso País, com certeza o lugar da fábrica será Três Lagoas."
Três Lagoas é o único município em todo Mato Grosso do Sul servido por duas produtoras de energia elétrica: a hidrelétrica de Jupiá, com capacidade de geração para 1,56 milhão de quilowatts, e uma termoelétrica, que utiliza gás natural, com capacidade de 240 megawatts. A infra-estrutura de transportes também conta pontos a favor. As empresas instaladas no município dispõem da Hidrovia Tietê-Paraná, ferrovias e de rodovias que levam suas mercadorias ao restante de Mato Grosso do Sul, como a BR-262, e aos mercados do Sudeste, caso da Rodovia Marechal Rondon, que liga a cidade ao Estado de São Paulo. Há também um aeroporto para aviões de pequeno porte.
Com uma população de 95 mil habitantes, a cidade conta com 13 escolas municipais, uma escola rural com presença em 18 localidades, além de 11 estabelecimentos de ensino estaduais e 9 particulares. Dois mil alunos estudam nas escolas do campus local da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Outros 1,2 mil freqüentam duas faculdades particulares.
Desde 1997, quando começou o processo de industrialização, Três Lagoas captou mais de R$ 1 bilhão em investimentos. São 37 indústrias instaladas, que criaram 5,2 mil novos postos de trabalho, e outras 12 que estão em fase de instalação, com recursos da ordem de R$ 600 milhões. Mas o grande momento deverá ocorrer caso se concretize o projeto da International Paper, orçado em cerca de R$ 2, 8 bilhões.
O Distrito Industrial, onde se alojará a International Paper, está instalado numa área de 140 hectares, à beira da saturação. A maior parte das empresas, que receberam gratuitamente os terrenos, pertence a ramos que vão da produção de biscoitos, tecelagem, confecção, embalagens e fiação, ao de calçados, gráfico e metalurgia - todos operando à margem do agronegócio.
É o que acontece também com muitas das empresas que estão chegando, como a cervejaria Schincariol, que vai investir R$ 110 milhões, a Gurgel Automóveis, a fábrica de refrigeradores Metalfrio e a Fundição Três Lagoas.
Um dos precursores da industrialização de Três Lagoas é a Mabel, fábrica de biscoitos do deputado federal Sandro Mabel - aquele mesmo que escapou da perda de mandato por falta de provas, no escândalo do mensalão. A Mabel está entre as primeiras empresas a ocupar um endereço no Distrito Industrial, arrastando atrás de si fornecedores, como a Avant, a Nelitex e a Córtex.
"Nosso grupo conseguiu enxergar o potencial da região", diz Mabel. Hoje, a Mabel é a líder na venda de biscoitos no Centro-Oeste. A fábrica ocupa 18 mil m² de área construída, gerando 400 empregos diretos e 200 indiretos.

Nova Gurgel vai produzir triciclos em área da prefeitura

ÍCONE: O empresário paulista Paulo Emílio Lemos, que gastou apenas R$ 850 para arrematar a marca da falida Gurgel, um dos ícones da indústria automobilística nacional, está construindo uma fábrica num terreno do Distrito Industrial de Três Lagoas. A área foi doada pela prefeitura local, que ainda lhe concedeu incentivos fiscais. Ali, serão produzidos alguns modelos que a Gurgel deixou de fabricar e triciclos motorizados. Também está em seus planos criar ali um museu da Gurgel. "O Brasil não pode esquecer essa jóia totalmente brasileira", diz Lemos.
A disposição de investir nos setor começou no final de 2002, durante visita que Lemos fez à China, onde conheceu uma estranha picape de três rodas. O veículo é simples, barato e largamente usado nas regiões agrícolas chinesas. Lemos obteve licença do fabricante e atualmente está montando o triciclo em Presidente Prudente (SP), onde vive. "Na ocasião do fechamento do negócio com os chineses, ficou decidido que eu iniciaria as importações por minha conta e risco", diz. O próximo passo será nacionalizar o triciclo com a marca Gurgel e fabricá-lo em Três Lagoas, a partir do final de 2006.
Além dos triciclos, serão fabricadas novas versões dos modelos Carajás e Tocantins, lançados pela Gurgel no passado. Lemos também adquiriu da massa falida da empresa os moldes desses carros. A Tritec Motors, de Campo Largo (PR), fornecerá o motor 1.6, desenvolvido pela BMW alemã. Atualmente, Lemos está negociando o fornecimento de itens como os eixos dianteiro e traseiro, além do câmbio, com uma das maiores fábricas chinesas deste segmento , fornecedora da coreana Hyundai.
Segundo o empresário, serão investidos R$ 3 milhões na produção inicial do Carajás. Uma outra unidade, prevista também para 2006, deverá ser implantada na cidade de Presidente Venceslau, no interior paulista. Produzirá os triciclos utilitários, além de peças.
Lemos diz não acreditar, ainda, como conseguiu obter a marca Gurgel. Ele entrou no website do Instituto Nacional de Propriedade Industrial(INPI) e percebeu que o registro constava como extinto. "A funcionária de um escritório de marcas e patentes me disse que quem registrasse primeiro levava", lembra. Lemos entrou, pagou R$ 850 de taxas e levou. Com a oposição, diga-se, dos herdeiros de João Augusto do Amaral Gurgel, o fundador da montadora, que tentam impedir na Justiça o relançamento da marca que leva o nome familiar.

O tsunami no agronegócio brasileiro

Cloves Vettorato
As imagens divulgadas no final de 2004 do tsunami na Ásia podem muito bem ilustrar o que está acontecendo no agronegócio brasileiro. Onde antes era tudo alegria, de uma hora para outra se estabeleceu o caos, provocado pelo terremoto dos juros altos e câmbio achatado por dólares especulativos, que se apropriam de juros líquidos de 14% ao ano, renda financeira mais alta do mundo. Vide o lucro dos bancos.
A exemplo do tsunami, as primeiras vítimas foram feitas no litoral e seus efeitos econômicos e sociais passam a ser sentidos ao longo do tempo também no interior. No tsunami do agronegócio, o sentido é o inverso. As primeiras vítimas são feitas no interior, com os produtores plantando menos, perdendo suas propriedades por não poderem pagar suas dívidas no banco e deixando milhares de desempregados que engrossarão os cinturões de miséria das cidades. Mas não tenham dúvidas que seus efeitos chegarão também ao litoral. Uma atividade que responde por 40% do PIB brasileiro não pode ser desmontada sem cobrar vítimas em todos os segmentos da economia.
E o que está sendo feito para evitar ou minimizar o problema? Nada ou quase nada. Ao contrário, o que vemos é redução dos limites de créditos aos produtores, juros de 25% na prorrogação de prazos de pagamento de dívidas, aumento no preço de insumos básicos, como no caso de combustíveis e energia, ausência de investimentos na infra-estrutura. que poderiam reduzir os custos de transporte, desinvestimentos na defesa animal e vegetal e uma lista grande de ações perversas em relação à nossa economia.
É lamentável. Os ajustes serão mais dolorosos do que se pode imaginar. Mas temos esperança de que as vítimas não sejam tantas para deixar o campo arrasado e que um raio de luz caia na cabeça das nossas autoridades econômicas e as acordem, antes que sejamos todos tragados pelo mar da insensatez.
É nesse cenário adverso que o Centro-Oeste e Mato Grosso, especialmente, buscam saídas para equilibrar a situação e ajustar a economia aos novos tempos. A economia de Mato Grosso tem 70% do seu PIB vinculado direta ou indiretamente ao agronegócio. A soja e o algodão, como carros-chefes dessa economia, apresentam tendência de queda em área, produção e faturamento. Para as culturas do arroz e milho, o quadro não é muito diferente. A pecuária, fragilizada pelo aparecimento de focos de aftosa em Mato Grosso do Sul e no Paraná, sofrerá abalos significativos na performance promissora que vinha apresentando. A extração da madeira, outro importante segmento, ainda não se refez do duro golpe sofrido com a Operação Curupira que desbaratou a máfia do Ibama no Estado, mas deixou um rastro de desemprego nunca antes visto.
E as perspectivas? Os produtores agrícolas que conseguirem sobreviver deverão fazer drásticos ajustes na sua estrutura de custos. Reduções do quadro de pessoal já estão ocorrendo. O segundo passo é substituir quem ganha um salário de R$ 900,00 por alguém que ganhe R$ 600,00, mantendo sua equivalência em dólar, e também porque a oferta de mão-de-obra é abundante. Mesmo sem saber quais as conseqüências no funcionamento dos motores dos tratores e caminhões, os produtores estão misturando óleo de soja refinado na proporção de 50% nos tanques de combustível.
Um biodiesel caipira, que permite uma diminuição em 25% no custo desse importante componente. Baixar o nível tecnológico é outra alternativa para a próxima safra, reduzindo a quantidade de fertilizante, buscando a poupança de nutrientes deixada nos anos de fartura. E, depois, é rezar para que o clima seja favorável, que o ataque da ferrugem asiática e outras doenças seja mais brando e, ainda, que os preços melhorem em razão da drástica redução da oferta brasileira de soja e algodão.
Outra aposta é na diversificação e na agroindustrialização. Tendo os custos de produção de suínos e aves mais baixos do mundo, Mato Grosso e o Centr-Oeste estão atraindo investimentos de grandes integradoras. As demandas crescentes de açúcar e álcool, especialmente, são alternativas para ocupar áreas de soja e algodão. O plantio de florestas comerciais começa a ser visto como um bom investimento.
Os empresários das indústrias de maquinas, equipamentos e insumos agrícolas analisam a perspectiva de retomada da expansão agrícola, num horizonte de 2 a 3 anos, e começam a ocupar espaços numa região que vai responder por 60% da produção de grãos e fibras dentro de 10 ou 12 anos. As indústrias de transformação, na área da soja e algodão, também buscam ganhos de logística ao se instalarem próximo às fontes de suprimento de matérias primas.
De resto, é torcer para que o governo veja os investimentos em infra-estrutura de estradas, ferrovias, hidrovias e portos como estratégicos para aumentar a competitividade e viabilizar um crescimento econômico sustentável.
Cloves Vettorato é secretário de Desenvolvimento Rural de Mato Grosso

Pequenina, mas competitiva
Carros, fertilizantes, lingerie, colheitadeiras: eis a receita de Catalão para criar um dos pólos mais vibrantes do Centro-Oeste
Nely Caixeta
CATALÃO - Quem viaja de Uberlândia para Brasília pela BR-050, uma rodovia esburacada que corta pastagens e plantações de soja e café na região dos cerrados, depara, na altura do quilômetro 282, com enormes galpões industriais instalados em ambas as margens da estrada. Ali, no Distrito Minero-Industrial de Catalão, cidade de 70 mil habitantes no sudeste de Goiás, consolida-se um dos pólos econômicos mais diversificados do Centro-Oeste.
Do parque automotivo que se instalou na cidade goiana no final dos anos 90, saem veículos cobiçados como o jipe Pajero TR-4 da Mitsubishi Motors do Brasil. Sai também dali a colheitadeira de cana-de-açúcar Cameco CH2500B, produzida na vizinha fábrica da John Deere. O modelo pesa 19 toneladas e é vendido aos usineiros pela bagatela de R$ 600 mil.
Um pouco mais à frente, na margem oposta da BR-050, estão as minas e as instalações industriais da Ultrafértil, empresa do Grupo Fosfértil, da Copebrás e da Mineração Catalão, essas duas últimas subsidiárias da sul-africana Anglo American. Maior pólo de produção mineral de Goiás, Catalão explora depósitos de nióbio, metal usado como liga pela siderurgia, e de fosfato. A cada ano, são extraídos 11 milhões de toneladas do minério que, convertidas em fertilizantes, adubam as lavouras do Centro-Oeste.
Até meados da década de 70, Catalão era uma cidade de economia estagnada que vivia da pecuária extensiva, da agricultura de subsistência e de um comércio incipiente. O cenário hoje é outro. Nos últimos 15 anos, cerca de US$ 1 bilhão foi injetado na economia da cidade, que detém hoje o quinto maior PIB de Goiás. Carros, colheitadeiras, minérios, grãos, gado de corte, confecções de moda íntima e um comércio aquecido fazem de Catalão o terceiro município mais competitivo de Goiás, segundo estudo da Secretária de Planejamento e Desenvolvimento do Estado, atrás de Anápolis e de Rio Verde. "Acontece na cidade o mesmo fenômeno que ocorreu no norte do Espírito Santo com a chegada da Aracruz Celulose", diz Francisco Gros, presidente da Fosfértil, que acaba de investir US$ 40 milhões na ampliação de suas instalações. "A vinda dessas empresas foi fundamental para impulsionar a economia e a qualidade de vida na região."
Abandonada até o começo da segunda metade do século XX, Catalão foi recolocada no mapa com a construção de Brasília, distante 300 quilômetros. Mas o empurrão decisivo veio em meados da década de 70. Em pleno choque do petróleo, o governo brasileiro restringira as importações de fosfato e passara a incentivar a exploração do minério no País. Justamente nesse momento, a fronteira agrícola começava a se expandir rumo aos cerrados. A partir daí, as grandes empresas do setor investiram pesado em Catalão.
No Brasil, que ainda importa metade de suas necessidades, o consumo de fosfato - cerca de 3,5 milhões de toneladas por ano - aumenta a um ritmo anual de 8,6% ante um crescimento no restante do mundo inferior a 1%. Em 2003, a Copebrás, com sede em Cubatão (SP), investiu US$ 150 milhões em Catalão para produzir 1,1 milhão de toneladas de fertilizantes por ano. "Assim, evita-se o passeio do minério de Goiás até São Paulo e sua volta ao Centro-Oeste na forma de fertilizante", diz Jarbas de Melo, gerente-geral da Copebrás.
Em torno das mineradoras, começa a surgir um pólo de misturadoras de fertilizantes. Quatro delas, entre as quais a americana ADM, já operam no Distrito Industrial, outras três estão se instalando e mais três estão a caminho. O comércio também mudou de feições. Com uma renda per capita de R$ 16,3 mil por ano ante uma média de R$ 6 mil da média de Goiás, a cidade mudou seu padrão de consumo e o varejo foi atrás. Há quatro anos, a Associação Comercial local contava com apenas 230 lojistas associados. Hoje, são 650. "As fachadas das lojas estão mais atrativas, a oferta de produtos e serviços se ampliou, os postos de gasolina foram reformados e até a cidade está mais cuidada", diz César Alberto Safatle, presidente da associação. Por outro lado, faltam bons hotéis, restaurantes e até mesmo táxis convencionais - a frota é de apenas meia dúzia de carros ante perto de 200 mototáxis.
Outra dificuldade é adequar a mão-de-obra local, inexperiente, às necessidades das empresas. "Tivemos muita dificuldade para recrutar pessoal", diz Eduardo de Souza Ramos, controlador da fábrica da Mitsubushi em Catalão. "Hoje, 90% de nossos funcionários provêm da região." Todos concluíram o ensino médio. "Essa é uma população que está buscando a educação", diz Antônio Ilídio da Silva, diretor do Senai na cidade . Os demais funcionários contratados fora são engenheiros, analistas e executivos, especialidades não supridas pelas três faculdades locais.
A distância do militantismo sindical dos grandes centros sempre foi um fator de atração para indústrias que tomam o rumo do interior. Nas últimas semanas, porém, os sindicatos aumentaram o tom de suas demandas. Na Mitsubishi, houve uma paralisação de duas horas para exigir maior participação nos resultados. "Falam que a cidade ganhou com a chegada das empresas, mas a riqueza não está sendo distribuída", diz Carlos Albino, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Catalão.

O sonho de erguer uma montadora no cerrado
O empresário Souza Ramos atingiu a meta, com a Mitsubishi
CATALÃO - Inaugurada há sete anos numa área de 650 mil metros quadrados em Catalão, a Mitsubishi Motors do Brasil é uma empresa singular. Ao contrário das montadoras de veículos estrangeiras que se instalaram no País, a empresa, que produz na cidade goiana três modelos diferentes de veículos (o jipe Pajero TR-4 e as picapes cabine dupla L-200 e L-200 Export), não é subsidiária de uma multinacional, mas uma companhia de capital 100% brasileiro.
Por trás do negócio está o empresário Eduardo de Souza Ramos, tradicional nome na área de revenda de carros em São Paulo e importador da marca. Em 1995, escaldado por sucessivos aumentos da alíquota de importação de carros em plena abertura econômica, Souza Ramos resolveu proteger-se das constantes mudanças de regras com uma decisão arriscada - fabricar no Brasil modelos que importava do Japão.
A Mitsubishi, um conglomerado formado por 160 empresas, com 1,1 milhão de funcionários e que fatura US$ 560 bilhões por ano (pouco menos que o PIB do Brasil), aceitou licenciar modelos para montagem em Catalão. Mas, sete anos depois do início da operação, evita envolver-se diretamente na operação brasileira.
Souza Ramos, cuja experiência na produção de carros se resumia à conversão de camionetes da Ford, marca da qual era revendedor, em picapes de cabine dupla, foi obrigado a colocar a mão no bolso. Desde então, já investiu mais de US$ 250 milhões na fábrica em Goiás, que emprega hoje 1,4 mil funcionários, deve produzir 24 mil unidades e faturar R$ 1,7 bilhão este ano. "Fui muito mais longe do que poderia imaginar", diz Souza Ramos, de 61 anos, na sede empresa, em São Paulo. "Começamos produzindo apenas dez carros por dia. Hoje, são oito vezes mais."
Até março de 2006, um novo modelo deve sair da linha de montagem de Catalão, um S.U.V. Um segundo produto já foi negociado com os japoneses para o final de 2007. Se as negociações prosperarem, outro lançamento deve ocorrer em 2008.
No início das operações, a fábrica em Catalão trabalhava com um índice de nacionalização entre 35% e 40%. Hoje, anda por volta de 55%. Boa parte das chapas usadas na estamparia vem de fornecedores de Minas Gerais e do Sul do Brasil.
A canadense Weld Matic, fornecedora de serviços de solda, e a MVC, uma subsidiária do grupo gaúcho Marcopolo, instalaram-se na fábrica de Catalão. O índice, segundo Souza Ramos, pode aumentar, mas depende fundamentalmente da ampliação de leque de produtos oferecido ao mercado, o que, por sua vez, depende do interesse da Mitsubishi em licenciar outros produtos ou investir na operação.
"Não temos capital para bancar tantos lançamentos", diz. No começo, a falta de recursos provocou uma decisão que Souza Ramos conta hoje com ar divertido. "Até hoje não inauguramos a fábrica", diz. "Até dinheiro para fazer uma festa era um empecilho." Com uma rede de distribuição de 93 lojas, a MM B figura hoje entre as 200 maiores empresas brasileiras.
Como vê a empresa no futuro? O objetivo de Souza Ramos, que toca a montadora com o empresário Paulo Arantes Ferraz, sócio minoritário e presidente-executivo do grupo, é aproximar cada vez mais os japoneses. Em dezembro, uma nova comitiva desembarcará no Brasil para discutir uma eventual programação de lançamento de produtos de mais longo prazo. Souza Ramos quer, mais à frente, converter a fábrica numa base exportadora para a América Latina. Para isso, teria de convencer os japoneses a repensar a operação brasileira. " Não sei se conseguirei motivá-los", diz. "Mas esse é meu o sonho."

Goiás dá aula de corte e costura
Pólo de confecção do Estado, criado nos anos 70, reúne 5 mil fábricas e garante emprego diretamente a 31 mil pessoas
Manuela Rios
GOIÂNIA - José Antonio Simão abandonou o emprego numa empresa de construção civil para abrir uma pequena fábrica de calças e camisas em Goiânia, em 1970. Sueli Pinto Silva tinha 18 anos e acabava de completar o segundo grau quando decidiu montar uma confecção de maiôs e biquínis na vizinha Trindade, em 1981. Foi, assim, na raça e sem nenhuma experiência de modelagem e costura, que uma dúzia de empreendedores desbravou o caminho que transformou Goiás num dos maiores pólos de confecção do Brasil.
Segundo a Associação Goiana da Indústria de Confecção (Agicon), o Estado ocupa o quarto lugar no ranking dos produtores de roupas - atrás apenas de São Paulo, Santa Catarina e Paraná -, reunindo atualmente 5 mil indústrias formais que geram 31 mil empregos diretos e outros 60 mil indiretos.
Em conjunto com o Distrito Federal, outro pólo de relevância na região, Goiás respondeu em 2004 por boa parte das 395 milhões de peças de vestuário produzidas na região Centro-Oeste, de acordo com as estatísticas do Instituto de Estudos e Marketing Industrial (Iemi) - o que representa 3,8% da produção nacional.
Além de vestir a população goiana, as confecções locais destinam mais de 80% de sua produção para outros Estados do País, através de representantes, vendas por atacado e sacoleiras. "Goiânia recebe 200 ônibus por final de semana lotados de compradores de roupas", diz Marcelo de Oliveira Safadi, presidente da Agência Goiana de Turismo (Agetur).
Na Feira Hippie da capital do Estado, que reúne mais de 6 mil expositores, calcula-se que a venda de roupas movimente mais de R$ 1 milhão a cada domingo. Grandes cadeias de magazines como C&A, Renner e Riachuelo abastecem suas araras de roupas em Goiás. "Cerca de 80% da minha produção é feita sob encomenda da Riachuelo", diz Francisco de Faria, dono da Brilho Santo, de Trindade, e presidente do Sindicato das Indústrias do Vestuário no Estado de Goiás (Sinvest).
Montada há 17 anos, a empresa de Faria tem 55 funcionários e fabrica em torno de 25 mil peças mensais de roupa infanto-juvenil. A possibilidade da terceirização atraiu até a catarinense Hering, uma das maiores confecções do País. Em 1997, a Hering investiu R$ 1 milhão para instalar um centro de distribuição no Distrito Agroindustrial de Anápolis. Cerca de 1 milhão de peças por mês, o equivalente a um quarto da produção da marca, é manufaturada na região por 45 empresas.
"Além dos 200 funcionários fixos que mantemos nessa unidade, geramos mais 1,1 mil empregos nessas confecções", diz Moacyr Matheussi, superintendente da filial da Hering em Anápolis. Para ele, o pólo goiano é altamente desenvolvido na área de tecidos planos. "Mas na confecção de malha ainda sentimos necessidade de maior oferta de pessoal qualificado e de tecnologias modernas", afirma.
Trabalhar com grandes grifes como Zoomp e Forum também foi a alavanca do desenvolvimento da indústria confeccionista de jeans de Jaraguá, 130 quilômetros ao norte de Goiânia. Só que as etiquetas eram falsificadas. O pólo começou a ser construído informalmente no final dos anos 70 e deu muito trabalho à fiscalização, até livrar-se do estigma da pirataria.
Como fabricava produtos de boa qualidade, Jaraguá criou suas próprias marcas. Hoje, segundo o Sebrae de Goiás, 90% de suas 814 confecções produzem jeans. "Não há desemprego na cidade. Nas formaturas da escola do Senai há filas de empresários para contratar os formandos", diz Miguel de Oliveira, gerente da Unidade de Inovação do Sebrae.
Jaraguá é considerado o principal centro de produção de vestuário de Goiás. Mas o setor dinamiza a economia de muitos outros municípios, de Goiânia a Trindade - onde as mais recentes estimativas indicam a existência de 200 empresas do ramo, que geram 5 mil empregos e 20% da arrecadação -, passando por Goianésia, Anápolis, São Francisco, Caldas Novas, Morrinhos, Jataí e Catalão, que virou referência em moda íntima.
Impulsionadas desde 2001 por medidas de substituição e simplificação tributária que resultaram na redução de sua carga de impostos, as confecções formais somam-se a milhares de informais e empresas de outros ramos ligados ao setor, como tinturarias e lavanderias, bordados, transportes, acabamento e modelismo, para formar no Estado uma cadeia de 15 mil firmas e 130 mil empregos, segundo pesquisa do Sinvest. De acordo com as estimativas mais recentes da Abit, o setor confeccionista goiano quase dobrou sua receita entre 2000 e 2002, quando faturou R$ 200 milhões.
Apesar do vigor de sua indústria da moda, Goiás ainda recorre a São Paulo, Minas e Nordeste para comprar tecidos muitas vezes produzidos com algodão goiano. Por isso, confeccionistas e governo batalham para tentar atrair grandes empreendimentos de fiação e tecelagem. "Estamos tentando estruturar a cadeia do algodão. Temos um projeto da Coteminas que pode ser instalado em Acreúna ou Santa Helena", afirma José Carlos Siqueira, secretário de Planejamento do Estado.
"Ainda somos um pólo jovem de moda. Temos muito o que fazer e aprender", afirma a pioneira Sueli Pinto Silva, que começou produzindo biquínis de malha porque os fornecedores de tecido de elastano paulistas não acreditavam em sua iniciativa - hoje ela é dona da maior fábrica de moda praia de Goiás. Em sociedade com cinco irmãos e uma prima, ela comanda agora o Grupo Quinzote, que reúne uma confecção com capacidade para produzir 200 mil peças mensais para magazines e três marcas próprias, mais três lojas de atacado em Goiás e um showroom de pronta entrega em Miami, o qual responde por 10% das vendas.
Enquanto Sueli planeja montar uma rede de franquias no exterior, o desbravador José Simão goza de merecida aposentadoria. "Parti da estaca zero e sempre lutei para espalhar o vírus do progresso e criar empregos e renda",diz. "Acho que consegui."

Roupa íntima põe Catalão no mapa do mundo fashion

Nely Caixeta
CATALÃO - Um pólo de confecção de moda íntima que se consolida em Catalão surgiu como resultado do típico empreendedorismo de fundo de quintal. Nos últimos anos, surgiram na cidade mais de uma centena de micro, pequenas e médias confecções de moda íntima, comandadas, em geral, por mulheres casadas em busca de ocupação e de complemento da renda familiar. Foi esse o caso da Tok.final, empresa de lingerie criada por Lindalva Rabelo Fayad, empresária que ocupa a presidência da União das Indústrias de Confecções de Catalão e Sudeste Goiano (Unicon).
Há oito anos, Lindalva e uma amiga começaram a fazer suas primeiras confecções com duas máquinas de costura caseiras que estavam ociosas. Os tecidos e aviamentos para as criações eram adquiridos em Goiânia, importante centro de confecção de moda feminina na região, ou na vizinha Uberlândia, distante 100 quilômetros de Catalão. A experiência deu certo. No início, produzia 300 peças por mês. Hoje, são 6 mil peças encontradas em lojas de boa parte do Brasil.
No comando da Unicon, entidade que congrega 21 empresas do setor, Lindalva conta com o apoio de uma consultoria para identificar os pontos fortes e as deficiências de um setor que emprega 1,2 mil pessoas, produz um total de 1,2 milhão de peças por ano e fatura cerca de R$ 11 milhões por ano. A idéia é fazer com que as calcinhas, sutiãs, camisolas e espartilhos confeccionados em Catalão ganhem o mercado nacional e, quem sabe, o mundo, de uma maneira mais bem estruturada.
Trata-se de uma tentativa de reagir a uma forte crise que fechou muitas confecções na cidade há cerca de cinco anos e de prevenir contra uma eventual invasão de produtos chineses que começam a chegar às lojas. Com o apoio da Associação Comercial e Industrial, a Unicon está apresentando um projeto ao Sebrae para que o pólo de Catalão seja enquadrado como um Arranjo Produtivo Local (APL).
Enquanto isso não acontece, outras empresas da cidade buscam soluções próprias. É o caso da Duhellen, pioneira e maior empresa do setor em Catalão. A empresa, que fornecia lingerie para a C&A e Lojas Marisa, voltou-se para um público de maior poder aquisitivo. O passo seguinte foi montar uma rede de franquias, hoje com 16 lojas espalhadas por Goiás, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo e Rondônia.
A Duhellen, que emprega 32 funcionários, produz 10 mil peças por mês e fatura R$ 2 milhões por ano, está se preparando para outro movimento estratégico. A empresa é uma das 25 confecções que participam de um consórcio criado pelo governo de Goiás com o intuito de capacitar as empresas a exportar para a Europa. Em setembro, a empresa apresentou, em desfiles em Paris e Lyon, suas primeiras criações feitas sob medida para cair no gosto europeu.
A consultoria foi prestada pelo Promostil, um escritório de Paris especializado em adiantar tendências. "Nosso objetivo não era vender, mas sim conhecer nossos potenciais clientes", diz Roberto Guimarães, um dos sócios da Duhellen, empresa fundada por sua mulher, Helena, há 15 anos. Em tempo: diante do sucesso da confecção, Guimarães trocou a administração de uma fazenda pelo comando do negócio da mulher.

No DF, a moda é fazer uniforme para o governo
Grifes convivem com produção que abastece órgãos oficiais
A enorme concentração de órgãos públicos despertou na indústria de confecção de Brasília uma vocação inusitada: a confecção de uniformes. "Fornecemos roupas profissionais para o governo e peças para escolas públicas e particulares e só conseguimos atender 18% da demanda", diz Marcio Franca, presidente do Sindicato das Indústrias do Vestuário do Distrito Federal (Sindiveste).
Só para atender à rede pública de ensino, que soma 600 mil alunos, há 80 malharias que trabalham a todo vapor e que, agora, estão em pé guerra com a secretaria de Educação do Distrito Federal. O órgão decidiu mudar os uniformes escolares para 2006, depois que 70% da produção já estava pronta.
Da confecção de uniformes não escapou nem mesmo o pólo de Guará. Com 256 confecções, o pólo é um dos 11 arranjos produtivos locais beneficiados pelo programa do governo distrital PRODF com a concessão de incentivos fiscais, a fim de transformá-lo num centro exportador de moda.
"Nos últimos dois anos, os empresários de Guará que fizeram projetos de exportação constataram que o mercado local é muito bom e ainda há muito a conquistar em Brasília e no Brasil, antes de partir para o exterior", diz Franca.
Hoje, o pólo busca uma identidade e, provavelmente, ela se consolidará nos uniformes, acredita o presidente do Sindiveste. "Só não se sabe ainda qual será o carro-chefe, se macacões ou jalecos", afirma Franca.
É claro que nem só de uniformes vive a indústria de confecção brasiliense. Segundo maior empregador privado do município, depois da construção civil, o setor de confecções reúne 1 mil empresas, que geram 16 mil empregos diretos, e produz também moda masculina e feminina e roupas para ginástica.
ESTILO
O Capital Fashion Week, realizado em setembro, mostrou que o estilo DF já possui charme e qualidade de sobra. O que lhe falta, por enquanto, é quantidade. Dos 33 desfiles, somente os de sete grifes - Avanzzo, 2 Tempos, Mix to Mix, NágelaMaria, Jukaf, No Limits e SummerShop - e alguns novos talentos, como o estilista Ezio Evy, eram originários de Brasília. Juntas, essas sete marcas possuem 25 lojas de varejo, faturam anualmente mais de R$ 12 milhões, empregam 320 funcionários e investiram R$ 1 milhão em 2004. "Em 2006, vamos dobrar o número de confecções no evento", promete Franca.

Couro de peixe turbina receita da Mar & Terra

A Mar & Terra, fundada em 2003 em Itaporã (MS), cidade localizada a 240 quilômetros de Campo Grande, processa 15 toneladas por dia de tilápia, pintado e pacu, entre outras espécies de peixes dos rios do Pantanal. Tudo é aproveitado, inclusive o couro, que é transformado em mantas para confecções de roupas, calçados e principalmente bolsas femininas. O material é valioso - uma bolsa de pintado pode custar entre R$ 500 e R$ 1,5 mil. "O mercado de mantas de pele ainda está em desenvolvimento, mas é o que mais deve crescer", afirma Jorge Souza, um dos proprietários. A Mar & Terra pertence ao Grupo Axial, de São Paulo, voltado ao investimento na formação de empresas cujo foco estratégico é o desenvolvimento sustentável.

Todimo domina setor de material de construção em Mato Grosso e abre shopping de 45 lojas em Cuiabá

Na terra da soja e do algodão, um grupo de paranaenses conquistou um segmento do mercado em expansão em Mato Grosso: o de material de construção. Antônio Pascoal Bortolotto, Gilmar José Gerônimo e Ademir Beraldi chegaram a Várzea Grande em 1983 e abriram a primeira das nove lojas que o Grupo Todimo possui hoje no Centro-Oeste e no Paraná. A última tacada foi a abertura de um shopping center dedicado ao lar com 45 lojas em Cuiabá, a um custo de R$ 20 milhões. O faturamento previsto do novo empreendimento é de R$ 6 milhões por ano. Para este ano, o grupo prevê um faturamento de R$ 100 milhões apenas nas nove lojas de material de construção. Além do comércio, o grupo possui uma construtora e uma transportadora. Atualmente, as empresas empregam 670 funcionários. Entre os investimentos, está prevista ainda a abertura de mais uma loja no Paraná.

Júnior, ex-dono da Arisco, retoma caça aos líderes

Capitalizado com a venda da Arisco para a Unilever por R$ 500 milhões em 2000, o empresário goiano João Alves de Queiroz Filho poderia ter se dedicado à sombra e água fresca. Em vez disso, resolveu continuar cultivando um hábito antigo: infernizar a vida das empresas líderes. Em 2002, convocou antigos colaboradores, como o executivo Nelson Mello (foto) e pôs em andamento o projeto Assolan, iniciando a fabricação, em Goiânia, de palha de aço, para concorrer com a Bombril. Em julho deste ano, começou a fabricar detergentes e sabão em pó, com a marca Assim, enfrentando a própria Unilever. Com 780 funcionários, a Assolan deve fechar 2005 com uma receita de R$ 360 milhões. "Antes de 2010, chegaremos ao nosso primeiro bilhão de reais", diz Mello.

O homem de 30 milhões de camisas
Maior produtor individual de algodão do Brasil, o polêmico Wander de Souza é um mito do meio empresarial de Goiás
Amauri Segalla
ACREÚNA - O entra-e-sai sem parar no escritório de Wander Carlos de Souza em Acreúna, cidade de 20 mil habitantes a 150 quilômetros de Goiânia, não condiz com o jeitão pacato do município. Pessoas de todos os tipos andam por ali. São produtores rurais, empresários, políticos, funcionários da prefeitura, figurões do município, desempregados, bajuladores, gente desesperada, gente importante... Todos, ou quase todos, querem pedir alguma coisa, um emprego para o filho, dinheiro para um projeto, ajuda na negociação de um contrato. É que Wander de Souza é um homem poderoso. "Dizem por aí que sou o maior produtor individual de algodão do Brasil", comenta.
E é mesmo. Em 2005, ele colheu, em uma área de 15 mil hectares, 40 mil toneladas de algodão em caroço, o equivalente a cerca de 2% da produção brasileira. Traduzindo: Wander de Souza produz, sozinho, algodão suficiente para fabricar algo como 30 milhões de camisas masculinas.
Tais atributos tornaram este agricultor nascido em Rio Verde, no sudoeste de Goiás, uma das figuras mais influentes do universo do agronegócio. Souza, claro, enriqueceu. Comprou aviões - entre eles, um jatinho Citation Mustang avaliado em US$ 2 milhões -, construiu uma mansão com lago particular onde costuma andar de jet ski, investiu na modernização de suas fazendas, que estão entre as mais atualizadas e produtivas do País.
Até pouco tempo atrás, exibia seu sucesso com orgulho. Mas denúncias divulgadas pela imprensa de que teria utilizado mão-de-obra escrava o tornaram mais contido. Embora ainda continue vaidoso, hoje evita falar de bens pessoais, tampouco se deixa fotografar em casa. "Sou um trabalhador e ninguém tem nada a ver com a minha vida pessoal", afirma Souza. Ele garante que hoje a situação trabalhista de seus 350 funcionários está regularizada.
Essa recém-adquirida discrição, no entanto, não o impede de aparecer nas festas e eventos em geral sempre acompanhado de belas mulheres. Solteiro aos 51 anos, tem a fama de ser um bon vivant.
Filho de agricultores, sempre lidou com lavoura. Começou plantando arroz, partiu para o milho e acabou investindo em algodão, numa época em que a região não tinha tradição nessa cultura. Hoje, também é um grande produtor de soja (tem 15 mil hectares plantados) e arroz (10 mil hectares), que continua sendo uma de suas especialidades.
No sudoeste de Goiás, Souza é um mito. Foi eleito prefeito de Acreúna pelo PMDB duas vezes, o que serviu para despertou sua ambição política. Já cogita, inclusive, sair candidato a senador por Goiás. Segundo amigos, seu grande objetivo é ser governador do Estado, a exemplo do que fez o rei da soja Blairo Maggi, em Mato Grosso.
Souza tem importantes ligações políticas. Quase a totalidade de sua produção de algodão é vendida à Coteminas, empresa do vice-presidente da República José Alencar. Também é muito próximo do deputado federal Ronaldo Caiado, um dos líderes da bancada ruralista no Congresso Nacional. Como a maioria dos agricultores locais, se diz indignado com a política agrícola do governo Lula e com a escassez de crédito para os grandes produtores. "Fomos negligenciados pelo governo federal", afirma.
Hoje, seu principal projeto é o biodiesel. Em 2002, adquiriu terras em São Félix, em Mato Grosso, onde pretende investir nessa nova área. "Tenho espírito desbravador e inquieto", diz Souza. "Ninguém me tira da cabeça que o biodiesel provocará uma revolução neste País".
Sim, Souza tem o discurso político bem afinado, apesar da voz baixa e da maneira quase tímida de falar. É mesmo surpreendente esse rei do algodão.

Levou a mudança do tio e virou o rei da soja
Pivetta chegou ao MT por acaso e hoje planta 105 mil hectares
João Paulo Nucci
NOVA MUTUM - Gaúcho da minúscula Caiçara, Otaviano Pivetta se estabeleceu meio que por acaso em Mato Grosso. Conheceu o Estado em 1982, quando pegou seu caminhão e fez a mudança de um tio para a região. Gostou do lugar e, no ano seguinte, vendeu uma chácara de 15 hectares na cidade natal e, com o dinheiro, comprou uma fazenda de 600 hectares na então inóspita Nova Mutum. "O que me chamou a atenção foi o clima, a topografia, a abundância de terras", lembra.
Sua primeira lavoura foi de arroz. A primeira moradia foi um barracão. Da leva de colonizadores sulistas que o acompanhou, muitos desistiram no meio do caminho. "A vida no sul era dura também, mas lá tinha energia, vida social, telefone", diz Pivetta . "Aqui, no começo, era preciso percorrer 210 quilômetros ida e volta até Diamantino para fazer uma ligação."
A perseverança foi fartamente recompensada. Hoje, Pivetta é considerado o "rei da soja" - considerando-se que o governador do Estado, Blairo Maggi, já extrapolou qualquer tentativa de qualificação. Os 15 hectares de Caiçara foram se multiplicando até chegar nos atuais 75 mil hectares - o que representa um total de 105 mil hectares disponíveis por ano para lavoura. Além da soja, o produtor planta milho, algodão, girassol e é um grande criador de suínos - abate 200 mil cabeças por ano. Suas cinco fazendas, espalhadas entre Nova Mutum e Lucas do Rio Verde, cidade que ajudou a fundar e da qual foi prefeito duas vezes, faturam US$ 80 milhões por ano. Seus negócios geram cerca de mil empregos diretos e utilizam uma frota própria de 550 caminhões. O consumo anual de diesel - 6 milhões de litros por ano - o incentivou a entrar no ramo do biodiesel.
Pivetta parou de comprar terras. "Agora eu quero verticalizar a produção." Atualmente seus esforços estão dirigidos, primeiro, para superar a crise que se abateu sobre a lavoura. Em segundo plano, a idéia é viabilizar o processamento das matérias-primas que produz.
O mais próximo que ele já chegou de dominar a cadeia produtiva do começo ao fim é a suinocultura. Pivetta é fundador e o principal cotista do Frigorífico Excelência, de Nova Mutum, o único da região que faz o abate de porcos. O negócio lhe rende US$ 10 milhões por ano.
Desde janeiro, quando fez seu sucessor e deixou a prefeitura de Lucas, ele vive entre Cuiabá, Lucas e Mutum. Dois de seus quatro filhos (o quinto está para nascer) o ajudam a tocar os negócios. Passou seis meses como secretário no governo de Blairo Maggi, mas não guarda boas lembranças da experiência. "Eu sou um realizador. Na prefeitura, era a locomotiva. No governo, apenas um vagão."

Piquet volta às pistas para vender
Dono da Autotrac, ele vai correr de caminhão para divulgar novo serviço

Nelson Torreão
BRASÍLIA - Treze anos depois de abandonar as pistas, o tricampeão mundial de Fórmula 1 Nelson Piquet voltará a disputar provas em 2006, dirigindo um caminhão. Piquet participará do circuito de Fórmula Truck para divulgar os produtos da Autotrac, empresa de sua propriedade que detém 85% do mercado brasileiro de rastreamento de frotas, gerenciamento logístico e comunicação móvel de dados por satélite.
"Uma campanha de publicidade nacional é muito cara", justifica Piquet. Sua volta às pistas vai servir para lançar o Autotrac Celular, serviço criado para atender a motoristas que circulam em áreas urbanas. A diferença do serviço é a tecnologia empregada para rastrear os veículos nas cidades. Ao invés dos satélites, é a freqüência dos celulares que localiza os veículos.
Piquet abriu a empresa em 1994, quando adaptou para as condições brasileiras um sistema de monitoramento de caminhões da norte-americana Qualcomm. O piloto logo percebeu que o principal problema dos transportes no País não era a logística, mas o roubo de cargas, e a empresa encaminhou suas atividades para a áa de riscos. Começou com as frotas de caminhão e depois ampliou os negócios para o transporte ferroviário e hidroviário.
Além de atender a 6 mil transportadoras, a Autotrac tem cadastrados cerca de 10 mil caminhoneiros autônomos, num total de mais de 80 mil veículos rastreados. A empresa vai faturar em torno de R$ 300 milhões este ano, com lucro líquido de 10%. Tem mil empregados.
Piquet diz gostar do desafio de fechar negócios e, como vendedor, exibe a mesma ousadia que o consagrou nas pistas de corrida. "Os primeiros contratos eu assinei com cláusula de recompra. Meu diretor-financeiro achou que eu era louco", diz. A empresa dá lucro há 3 anos. O próximo passo, segundo Piquet, é abrir o capital da Autrotac.

Caramuru ganha espaço com operações pioneiras

Não é pequeno o desafio da Caramuru, hoje o maior grupo de processamento de grãos de capital nacional. Num mercado em que a concorrência vem de pesos pesados como Bunge e Cargill, é notável o desempenho da Caramuru. Fundada há 41 anos em Maringá, numa rua que lhe emprestou seu nome, a Caramuru processa atualmente 1 milhão de toneladas de soja, exporta para 20 países dos cinco continentes e fatura cerca de R$ 1,5 bilhão por ano. "Uma das explicações para o nosso rápido crescimento é o pioneirismo da companhia", diz César Borges de Sousa, vice-presidente do Grupo e um dos filhos do fundador - seu irmão, Alberto, preside a empresa.
Por pioneirismo, entendam-se iniciativas como a de priorizar o transporte fluvial em vez do rodoviário e investimentos que parecem ir na contramão do mercado, como é o caso da comercialização de farelo de soja não-transgênica. "Há enorme interesse por esse tipo de produto, especialmente dos europeus", afirma Sousa.
A Caramuru emprega 2,4 mil funcionários em oito Estados, com destaque para o trabalho realizado em Goiás. Na cidade de São Simão, às margens do Rio Paranaíba, funciona uma das operações de logística mais complexas do País. A Caramuru transporta, anualmente, 650 mil toneladas de soja a partir de São Simão até o último trecho navegável do Rio Tietê, em Pederneiras, já em São Paulo.

Crescimento, apesar da crise
Exportações do Friboi, o maior frigorífico brasileiro, aumentam 35% e devem gerar US$ 700 milhões em 2005
Amauri Segalla
Donos do Friboi, maior grupo frigorífico do Brasil e quarto do mundo, os irmãos José Batista Júnior e Wesley Mendonça Batista afirmam que não estão nem um pouco preocupados com o surto de febre aftosa que provocou o embargo de 49 países à carne brasileira."Não somos do tipo que fica por aí lamentando", diz Wesley Batista. "Fomos atrás de soluções e resolvemos o problema."
A saída encontrada foi reestruturar parte da operação. A produção de Mato Grosso do Sul, onde o foco da doença foi confirmado, passou a abastecer o mercado interno. Já as unidades de Goiás, Mato Grosso e Minas Gerais, que antes destinavam seus produtos ao consumo local, começaram a exportar. O remanejamento do abate foi repetido pelos principais frigoríficos do País.
Em função disso, o impacto negativo nos negócios acabou sendo muito menor do que se esperava. De acordo com a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, a exportação de carne chegará este ano a US$ 3 bilhões, o que representa um crescimento de 30% em relação aos embarques internacionais realizados no ano passado. "Na verdade, quem sofreu com a doença foram os frigoríficos pequenos, que não têm estrutura capaz de mudar a engenharia das operações", afirma Sérgio Longo, diretor-comercial do Grupo Friboi.
Com 23 unidades instaladas em oito Estados brasileiros, o Grupo Friboi exporta para 85 países dos cinco continentes. Em 2005, a receita gerada pelas vendas ao exterior devem ser de US$ 700 milhões, resultado 35% superior ao registrado no ano passado - portanto, nem de longe a empresa viu a cor da crise provocada pela aftosa.
Criado há 53 anos em Anápolis, na Grande Goiânia, por José Batista Sobrinho, o Zé Mineiro, pai de Batista Júnior e de Wesley, o Frigorífico Friboi cresce em ritmo acelerado.
Nos últimos 10 anos, o grupo atingiu a surpreendente média de um abatedouro comprado por ano. Hoje, abate e processa 16 mil bovinos por dia.
O Friboi estima que o faturamento de 2005 deverá chegar a R$ 4 bilhões, ante R$ 3,2 bilhões alcançados no ano passado. O Centro-Oeste responde por quase 50% da receita do grupo. "Nos últimos anos, investimos US$ 100 milhões na região", afirma Wesley Batista. Segundo ele, o ritmo de investimento deverá ser mantido.
Em setembro, o grupo tornou-se multinacional. Assumiu o controle acionário da Swift Armour, maior frigorífico da Argentina, responsável por 30% do abastecimento interno e por 68% da carne exportada por aquele País. A compra, no valor de U$ 200 milhões, foi em parte financiada pelo BNDES.
Com a aquisição, o Grupo Friboi poderá aproveitar os mercados atendidos pela Swift e assim expandir suas exportações. "Vamos continuar investindo no Mercosul nos próximos anos", afirma José Batista Júnior, que toca a corporação ao lado de dois irmãos e com o apoio de 14 diretores profissionais.

Aftosa não inibe planos do Bertin
Grupo paulista mantém investimento em nova unidade em Campo Grande
João Naves de Oliveira
CAMPO GRANDE - Não são os focos de febre aftosa que impedirão a implantação de um dos maiores frigoríficos do mundo em Mato Grosso do Sul. De acordo com Marcos Bicchieri, gerente de exportação do Grupo Bertin, segundo entre os grandes exportadores brasileiros de carne, está mantido o cronograma para o início das obras de construção de uma nova unidade em Campo Grande, na qual serão aplicados, numa primeira etapa, R$ 92 milhões.
A planta, que ocupará uma área de 150 hectares para o abate diário de 3 mil bovinos, deverá gerar 4 mil empregos diretos, que se somarão aos 2,5 mil existentes na outra unidade do Bertin, no município de Naviraí, no extremo sul do Estado, em funcionamento há sete anos. "Até segunda ordem, os investimentos em Campo Grande estão mantidos", afirma Bicchieri.
A implantação do frigorífico em Campo Grande deverá atrair novas empresas da cadeia setorial, habilitadas a utilizar o couro e outros derivados do gado abatido pelo Bertin. Entre elas estão um curtume, fábricas de produtos acabados derivados de couro, detergente e sabão. De acordo como o secretário estadual de Produção e Turismo de Mato Grosso do Sul, Dagoberto Nogueira Filho, o complexo deve criar a partir do próximo ano, no mínimo 12 mil empregos diretos, já contabilizados os 4 mil do Bertin.
VALOR AGREGADO
Bicchieri esclareceu que em razão do registro de mais de uma dezena de focos de febre aftosa em Mato Grosso do Sul e dos embargos comerciais impostos para exportação de carne bovina dessa região, o grupo determinou a redução de 50% dos abates em Naviraí e Lins, no interior de São Paulo. Ao mesmo tempo, a exemplo do que fizeram concorrentes como o Friboi, redirecionou parte de sua produção para outras unidades em São Paulo, Bahia, Minas Gerais e Pará.
Até que sejam superados os problemas provocados no exterior pelo surto de aftosa, toda a produção de Naviraí será desviada para o abastecimento do mercado interno. Nos demais frigoríficos do grupo, a decisão é aumentar a fabricação de produtos de maior valor agregado destinados ao exterior.
Na opinião de Bicchieri, o cenário para o setor ainda é incerto, o que recomenda cautela de parte das empresas. "Vamos analisar os movimentos do mercado, tomar as precauções possíveis, orientar e ajudar no que for necessário nossos parceiros e clientes, e esperar que tudo se normalize", afirma.
Com matriz em Lins, no interior paulista, o Bertin só perde para o Friboi em termos de faturamento. O grupo deverá fechar 2005 com uma receita de R$ 3,4 bilhões. Com 20 mil funcionários, o grupo dos irmãos João, Natalino, Fernando, Silmar e Reinaldo Bertin exporta para mais de 80 países e responde por cerca de 22% das exportações brasileiras de carne bovina, que deverão totalizar U$ 3 bilhões até o final deste ano.

A dura lição trazida pela febre aftosa

José Roberto Mendonça de Barros e José Carlos Hausknecht
A febre aftosa é uma doença altamente contagiosa. Apesar de não causar problemas aos seres humanos, os efeitos da doença causam grandes prejuízos econômicos, em conseqüência da à queda de produtividade e aos gastos com o tratamento dos animais afetados. Trata-se de uma doença que já foi erradicada em diversas regiões do mundo e, como conseqüência, muitos países impõem severas restrições à importação de produtos originários de regiões ainda sujeitas à ocorrência do vírus.
Nos produtos provenientes de animais infectados, o vírus se aloja normalmente nos ossos; em conseqüência, o risco de contaminação nos produtos desossados é muito pequeno. Além disso, o tratamento térmico da carne inativa o vírus, o que torna a carne industrializada livre de contaminação, razão pela qual o embargo não atingiu os produtos cozidos e/ou enlatados.
A Organização Internacional de Epizootias (OIE), órgão internacional responsável pelo estabelecimento e fiscalização de padrões sanitários mundiais, permite que países como o Brasil, onde existem regiões livres de aftosa, façam uma regionalização de sua produção, isolando as áreas livres e, com isso, podendo exportar seus produtos como se fossem países independentes. Atualmente, cerca de 85% do rebanho brasileiro já se encontra nas regiões livres de aftosa. Entretanto alguns países, dentre eles grandes importadores mundiais, como EUA, México, Canadá, Japão e Coréia do Sul, não aceitam essa regionalização e impedem a entrada de carne proveniente de nações não inteiramente livres da doença. Esses grandes países consumidores representam cerca de 37% do volume de carne importada no mundo; além disso, são nações que compram cortes de carne de alto valor. Com a queda das exportações norte-americanas (por conta da vaca louca), a Austrália passou a atender especialmente esses mercados de alto valor, abrindo espaço para o Brasil vender carne para outras regiões, como Chile, Egito, Rússia e Oriente Médio, que, apesar de serem grandes importadores, são mercados de produtos de baixo valor. A União Européia é o único mercado de carne diferenciada acessível aos produtos brasileiros.
Com esse cenário em mente, podemos ter idéia da perda potencial que representa a febre aftosa para as exportações brasileiras de carne bovina: a simples erradicação da doença em todo o território brasileiro abriria um enorme mercado potencial para os produtores nacionais. O principal custo do atual surto de febre aftosa, portanto, é tornar mais distante este grande avanço para a cadeia produtiva como um todo.
O governo brasileiro já vinha sendo alertado por diversas lideranças, técnicos e consultores do risco sanitário que estávamos correndo por causa da diminuição de verbas destinadas a fiscalização. As regiões de fronteira com países como Bolívia e Paraguai sempre foram consideradas áreas de maior risco em virtude das condições sanitárias. Por esse motivo, deveria ter sido montado um monitoramento mais rígido a fim de impedir o trânsito ilegal de animais. Lamentavelmente, o que se verificou foi um total descaso das autoridades federais e estaduais - mesmo após a ocorrência dos focos, a região da fronteira continuava praticamente sem fiscalização, permitindo o livre trânsito dos animais.
Descaso semelhante se observou quanto à fiscalização interna. O pecuarista profissional em geral vacina o seu gado - a vacinação nos Estados livres da doença cobre praticamente 100% do rebanho. No entanto alguns poucos produtores, normalmente em pequenas propriedades, acabam abrindo mão de uma vacinação correta, seja por economia de dinheiro, seja por falta de locais adequados ao manejo dos animais, seja pelo desconhecimento técnico em relação aos cuidados na armazenagem da vacina. O resultado é uma redução na eficiência da imunização. É o típico caso em que uma minoria coloca em risco o trabalho da maioria. Somente a fiscalização sanitária exercida pelo poder público pode contornar esse impasse. É algo parecido com o trânsito: se todos os motoristas seguissem as leis, não haveria necessidade de polícia. Entretanto, como alguns não o fazem e assim colocam em risco a vida de inocentes, o poder de polícia do Estado tem que ser exercitado e para tanto é preciso ter recursos.
As perdas relativas aos embargos da carne brasileira no exterior dependem crucialmente da existência ou não de casos de aftosa no Paraná: se existirem focos será muito difícil reduzir os embargos de forma relativamente rápida; nesse caso, as perdas acontecerão também no próximo ano e serão consideráveis. Alternativamente, e é o que parece hoje mais provável, se os focos no Paraná não forem confirmados, será possível solicitar o levantamento rápido das barreiras a todos os Estados, menos Mato Grosso do Sul. Em particular, se a União Européia permitir a volta das exportações paulistas (que representam 60% das vendas de carne in natura) no início do próximo ano, as perdas serão manejáveis. Mantidas as atuais restrições aos Estados, a perda será de até US$ 70 milhões por mês de embargo. Caso as exportações para a UE provenientes do Estado de São Paulo forem liberadas, o efeito sobre as exportações ficará bem abaixo desse valor.
A lição para todos é simples e dura: o mercado externo exige o atendimento de padrões seguros de sanidade e rastreabilidade. Apenas assim tiraremos o proveito de ter no Brasil o menor custo de carne do mundo.
José Roberto Mendonça de Barros é economista. José Carlos Hausknecht é engenheiro agrônomo da MB Agro.

Em Mato Grosso, quem faz estrada é o produtor
Cansados de esperar pela ação governamental, agricultores se reúnem em consórcios e constroem rotas de escoamento

João Paulo Nucci

SÃO JOSÉ DO RIO CLARO - Começo de tarde na Fazenda Libra, propriedade do megaprodutor Erai Maggi Scheffer, localizada em São José do Rio Claro (MT), a 290 quilômetros de Cuiabá. O calor é intenso e não há nuvens no céu. Nem brisa. A caravana de políticos e produtores, divididos em cerca de 20 caminhonetes, estanca quando acaba a terra e começa o asfalto. É o início da MT-249. O piche recém-compactado aumenta a sensação de calor, o que não impede Maggi de abrir um mapa da região e mostrar detalhadamente para seu primo Blairo Maggi, também produtor e governador do Estado, o traçado escolhido para o prosseguimento das obras.
A estrada vai ajudar a consolidar uma rota de escoamento da produção agrícola no sentido de Porto Velho (RO). Cada quilômetro custa R$ 270 mil e é bancado por um consórcio de produtores - o que explica o papel coadjuvante do Maggi governador na cena descrita.
Localizados no centro do continente, os agricultores de Mato Grosso cansaram de esperar pela infra-estrutura necessária para distribuir a produção. As rotas rodoviárias são poucas e estão mal conservadas. As ferrovias apenas resvalam o território do Centro-Oeste, sem no entanto cruzá-lo completamente. (O principal investimento anunciado na região está a cargo da Brasil Ferrovias,que vai modernizar e ampliar sua frota, melhorando a ligação entre Mato Grosso do Sul e o porto de Santos). Além disso, o transporte por hidrovia depende de licenciamento ambiental.
O jeito foi arregaçar as mangas e fazer estradas por conta própria. O governo ajuda com parte dos recursos necessários e com o desembaraço da burocracia, mas todo o processo é comandado pelos produtores. É um exemplo de parceria público-privada que funciona. Já são 33 consórcios formados. Nos dois primeiros anos de funcionamento do chamado Programa Estradeiro, mais de 1,3 mil quilômetros de estrada foram pavimentadas nesse esquema em Mato Grosso .
O gaúcho Egon Hoepers comanda um desses consórcios. Faltam só cinco quilômetros de asfalto para fechar o trecho de 71 quilômetros entre Santa Rita do Trivelato e Nova Mutum - cidade cruzada pela BR-163, a 260 quilômetros da capital . O investimento é alto: cerca de R$ 19 milhões. "Mas compensa", diz Hoepers. "Com o que se economiza no frete, a estrada se paga em três anos." A economia vem também da diminuição das perdas nas estradas de terra - em mercadoria perdida e na manutenção dos caminhões.
Outros dois grandes projetos também podem ajudar Mato Grosso a conquistar rotas sólidas de escoamento: o asfaltamento da BR-163 até Santarém (PA); e a conclusão da ferrovia Ferronorte, programada para chegar até Rondonópolis - hoje ela pára na região do Araguaia. Mas dependem das verbas federais e do desembaraço da questão ambiental. "Sinceramente, já fui mais otimista", diz o governador Maggi.

Anápolis terá centro de logística
Governo de Goiás investe em plataforma multimodal na cidade

João Unes

GOIÂNIA - A localização estratégica da região de Anápolis, no centro do mais central dos Estados brasileiros, levou o governo de Goiás a investir pesado na construção de um posto de logística multimodal - o que significa que abrange diversas formas de transporte - para facilitar exportações e a distribuição de produtos no mercado brasileiro.
Quando estiver pronta, a Plataforma Logística Multimodal de Goiás reunirá em um mesmo local rodovias, ferrovias e aeroporto internacional. O projeto é considerado prioritário pelo governo goiano, que prevê investimentos totais de R$ 1,8 bilhão até o fim de 2006. As obras de terraplenagem foram concluídas no início do mês. O próximo passo são as obras de infra-estrutura básica - energia elétrica, saneamento, calçamento, cabeamento.
Entre as empresas que já manifestaram interesse em se instalar na plataforma está a Companhia Vale do Rio Doce.
Espaço não é problema para a instalação do projeto. A área onde ela será implantada tem 7 milhões de m² e fica entre o Distrito Agroindustrial de Anápolis e a BR-060, que liga Brasília a Goiânia e está com sua duplicação em fase avançada - após passar 15 anos em obras.
As empresas interessadas em operar na plataforma terão de construir seus próprios terminais de armazenamento e carga e estruturas de apoio e serviço. Para estimular os interessados, o governo goiano oferece uma série de incentivos fiscais, no âmbito do programa Produzir.

Um paraíso que não foi feito para as massas
A preservação ambiental privilegia a rentabilidade no lugar da quantidade
Manuela Rios
GOIÂNIA - Rios caudalosos e lagos deslumbrantes, cachoeiras e corredeiras, cavernas, grutas e paredões. Onças, jacarés, tamanduás, capivaras, cervos, pintados e tucunarés, emas e tuiuiús. As maravilhas da geologia, fauna e flora do Brasil Central, reunidas em três ecossistemas únicos no mundo - pantanal, cerrado e floresta amazônica -, poderiam ser uma abundante fonte de receitas turísticas. Mas não são, e os Estados da região agradecem. Para preservar seus delicados santuários ecológicos, o Centro-Oeste mantém rigorosas políticas de controle do turismo, com roteiros demarcados e visitação limitada. "Não vamos disputar mercado com a Bahia, porque não queremos o turismo de massa. Nosso objetivo é o turismo qualificado, com poucos visitantes", afirma Marcelo de Oliveira Safadi, presidente da Agência Goiana de Turismo (Agetur). "Buscamos rentabilidade, e não quantidade."
Impedido pelas fragilidades da natureza de exibir seus paraísos exuberantes às multidões, o Centro-Oeste consegue, no entanto, milhões de visitantes com um enorme leque de outras atrações: negócios e eventos, lazer urbano e rural, romarias religiosas e festas folclóricas, misticismo e aventura, praias fluviais e balneários termais, esportes náuticos ou radicais, história e cultura.
Embora atentos a esse manancial de oportunidades, os empreendedores preferem, por enquanto, encaminhar seus projetos para o turismo de negócios das capitais dos Estados e o Distrito Federal. Segundo pesquisa da consultoria BSH International. Entre novos hotéis e ampliações dos já existentes, um total de R$ 247 milhões será aplicados até 2007, colocando a região no terceiro lugar do ranking dos investimentos turísticos, atrás apenas do Nordeste e Sudeste.
Com quatro hotéis já em operação no Centro-Oeste, o grupo francês Accor tem mais quatro em projeto ou em construção em Goiânia, Cuiabá, Campo Grande e Brasília. "Nosso foco principal é o turismo de negócios. Mas não nos esquecemos de Bonito, Caldas Novas e Chapada dos Guimarães", diz Alberto Ribeiro, diretor de Desenvolvimento do Accor, revelando que o plano do grupo é abrir mais 15 hotéis na região até 2012, num investimento total de R$ 150 milhões.
"O Pantanal é um produto que só o Brasil tem e, a médio prazo, o Centro-Oeste será uma das regiões mais procuradas do mundo", justifica Ribeiro.
A Atlantica Hotels Internacional, administradora de marcas das redes americanas Choice, Starwook e Carlson, tem o Centro-Oeste como um dos principais focos de expansão. "Administramos 52 empreendimentos no País e queremos chegar a 80", diz Roberto Bertino, gerente regional de Operações na região. A empresa já gerencia sete hotéis no Brasil Central e prepara-se para inaugurar outros cinco. Dois dos novos empreendimentos serão em Caldas Novas (GO), onde enfrentarão a dura concorrência do Rio Quente Resorts, o maior complexo hoteleiro e aquático do País. Com previsão de receber este ano 672 mil hóspedes, o Rio Quente, do grupo mineiro Algar, tem sete unidades que somam 1.119 apartamentos e está investindo R$ 69 milhões até 2007 na ampliação da capacidade e dos equipamentos de lazer.
"Eles têm um parque aquático extraordinário, mas nós seremos muito competitivos", diz Bertino, da Atlantica. Há público para todos, de qualquer forma. Segundo a Agetur, Rio Quente e a vizinha Caldas Novas recebem metade dos 5 milhões de visitantes anuais de Goiás e reúnem 40 mil leitos. O lado oposto das populosas termas está no seletivo ecoturismo da Chapada dos Veadeiros, ao norte do Estado, onde há apenas 80 pousadas, a maior delas com 30 apartamentos.
A região dos balneários termais e a Chapada fazem parte das nove regiões turísticas definidas pelo governo goiano, cada qual buscando um tipo de público. No segmento de negócios, por exemplo, imperam Goiânia e o pólo de agronegócios de Rio Verde. Trindade, a apenas 18 km da capital, atrai 1 milhão de romeiros por ano para sua festa do Divino Pai Eterno. O folclore fica por conta de Pirenópolis, na Serra dos Pirineus, com suas tradicionais cavalhadas. Já Alto Paraíso, na Chapada dos Veadeiros, fascina os místicos com suas minas de cristal de quartzo e comunidades esotéricas.
Também Mato Grosso demarcou 15 microrregiões para o turismo, agrupadas por afinidades de localização geográfica, tipos de atrativos e formas de acesso. Entre elas, estão a Chapada dos Guimarães e o Vale do Araguaia. O Estado, que espera este ano um movimento de 1 milhão de passageiros no aeroporto de Cuiabá (ante 700 mil em 2004), capacitou mil profissionais na área, vem fomentando linhas de financiamento para novos empreendimentos e investiu, em conjunto com o governo federal e a iniciativa privada, cerca de R$ 12,5 milhões em infra-estrutura. "Queremos criar um roteiro turístico que possa explorar todos os produtos mato-grossenses", afirma Yêda Marli Assis, secretária de Desenvolvimento do Turismo de Mato Grosso (Sedtur).
Mato Grosso do Sul, com atrações como a Serra da Bodoquena, Bonito e Corumbá, exibe mais dinamismo. Com 3,1 mil empreendimentos em áreas urbanas, rurais e pesqueiras que reúnem mais de 30 mil leitos e quase 20 mil empregos ligados ao turismo, o Estado recebeu 5,2 milhões de visitantes no ano passado, dos quais 14% estrangeiros. Acabou escolhido pelo governo federal para pilotar o sistema de gestão das informações turísticas do Brasil Central, que faz parte do projeto de medição das contas satélites do turismo no País.
Para o consultor José Ernesto Marino Neto, da BSH International, o turismo no Centro-Oeste nunca vai gerar receita semelhante à do Nordeste. "A região tem as capitais de Estado e o Distrito Federal como alavancadoras do turismo de negócios, além de destinos em franco crescimento, como o pólo de agronegócios de Rio Verde."
Já o turismo ecológico é seletivo e o Pantanal, lembra o consultor, ainda tem restrições climáticas à visitação. Passa metade do ano (outubro a fevereiro) alagado e praticamente intransitável. Brasília, por sua vez, não consegue explorar seu gigantesco potencial no turismo cívico. "Você leva dois dias para conhecer o John F. Kennedy Museum and Library, em Boston (EUA), e bastam duas horas para uma enfadonha visitação de Brasília", compara Marino Neto. "A cidade não despertou ainda para a museologia do século 21, que é interativa e funciona como um verdadeiro parque temático."

Bonito ensina como começar do zero e tornar-se o melhor
Região que era dominada pela agropecuária se planejou para aproveitar suas belezas e virou o principal destino do ecoturismo
GOIÂNIA - Com uma conjugação ímpar de rios, cachoeiras e grutas, Bonito tem também uma forma ímpar de explorar seu potencial turístico. Situado na Serra da Bodoquena, em Mato Grosso do Sul, o município vivia da agropecuária até que a exuberância de suas belezas naturais e a proximidade do Pantanal despertaram os fazendeiros para as oportunidades do turismo.
Conscientes de que se não investissem na preservação do ecossistema os negócios não iriam adiante, eles obtiveram licença ambiental e desenvolveram projetos nas áreas intocadas de suas propriedades ou adquiriram concessões de áreas alheias. Investiram na formação de 80 guias e criaram regras rígidas para manter o equilíbrio ecológico e a qualidade dos serviços.
As visitas só podem ser feitas em pequenos grupos e com guia. O poder público também entrou no jogo, implementando um voucher único para os passeios.
Emitido pela prefeitura, o voucher é revendido pelas 30 agências de turismo receptivo locais, que repassam aos cofres municipais 5% de imposto e se encarregam de remunerar guias e donos de atrativos. "Com isso, temos controle diário sobre o número de visitantes. Sabemos exatamente quem está onde e com qual guia", diz Henrique Ruas Pereira Coelho, dono da pousada Olho d'Água - uma antiga chácara que empregava apenas um caseiro. Hoje, depois da transformação em pousada, o negócio emprega 20 pessoas.
O resultado é que Bonito é considerado atualmente o melhor destino ecoturístico do Brasil. Com cerca de 40 propriedades rurais dotadas de atrativos e uma capacidade de 4 mil leitos, que inclui dois cinco-estrelas, a cidade recebe em torno de 100 mil visitantes por ano.

Em Corumbá, a capital do Pantanal, os hotéis bóiam
No porto fluvial da cidade, localizada na divisa com a Bolívia, 52 embarcações disputam a preferência do turista de pesca
GOIÂNIA - A 420 km de Campo Grande e a cinco da fronteira com a Bolívia, Corumbá, no extremo oeste do Brasil, é considerada a capital do Pantanal. Mas a grande maioria de seus 20 mil visitantes mensais prefere pescar a contemplar o ecossistema. Situada às margens do Rio Paraguai, Corumbá explora a pesca desde os anos 70.
Em seu porto fluvial, um dos maiores da América do Sul, ficam atracados 52 barcos-hotéis, alguns dos quais de luxo. É o caso do Kalypso, uma embarcação que acomoda 108 passageiros em 28 camarotes de luxo. Construído há dez anos pela agência Pérola do Pantanal, o Kalypso custou R$ 4 milhões e lidera a frota de três embarcações mantida em Corumbá pela empresa.
Com taxa de ocupação próxima dos 70%, elas transportam 1,2 mil turistas por ano, calcula Luís Antonio Martins, proprietário da Pérola. O número poderia ser maior não fosse a proibição da pesca durante a piracema, de novembro a fevereiro.
"Aqui em Corumbá só sabemos vender a pesca", diz Martins. "Ela representa 80% da economia do turismo." A Pérola, no entanto, vem tentando alargar seu rol de atividades turísticas, até porque também possui dois hotéis na cidade. Além de promover eventos corporativos em suas embarcações, a empresa tem roteiros contemplativos de ecoturismo e científicos.
Diversificar as atrações para fugir da sazonalidade da pesca é, aliás, o atual mote da cidade, que encerrou no início de novembro seus tradicionais festivais de pesca. Com 4 mil leitos, entre hotéis, pousadas e um albergue da juventude, e um aeroporto internacional com vôos diários de Brasília, Corumbá investe em eventos corporativos, em festivais de música, dança e gastronomia, no carnaval, em festas juninas e em feiras agropecuárias.

OESP, 20/11/2005, Especial - Novo Mapa do Brasil , p. H1-H16

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