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Seca permanece e isola TI Kwatá-Laranjal no sul do Amazonas

Amazônia Real - https://amazoniareal.com.br
Autor: Nicoly Ambrosio
16 de Nov de 2023

Os indígenas Munduruku denunciam a falta de acesso à água potável e alimentos Nicoly Ambrosio Amazônia Real | 16 de novembro de 2023 às 09:37

A seca extrema que afeta há cinco meses a bacia amazônica está longe de acabar e transformou os rios e igarapés em lama da Terra Indígena (TI) Kwatá-Laranjal, no sul do Amazonas. O território ancestral Munduruku fica no município de Borba e abriga também indígenas da etnia Sateré-Mawé.

Indígenas Munduruku das aldeias Kwatá e Jacaré relataram à Amazônia Real a falta de alimentos, de água potável e de navegabilidade nos afluentes do rio Madeira. A população chega a andar pela mata até três quilômetros a pé para obter água.

Na aldeia Kwatá, que fica no rio Canumã, afluente do Madeira, a liderança indígena Estélio Munduruku denuncia que falta água potável para a comunidade onde moram cerca de 400 pessoas. Segundo ele, as crianças e os idosos são os que mais sofrem, porque a água suja da lama causa muitas doenças. Uma das mais frequentes é a diarreia.

"O povo sofre com a falta de água porque o rio secou. A gente pede ajuda principalmente para o abastecimento de água, pois estamos tentando fazer poços pequenos para encontrar água para beber, mas ela não é boa por causa da ferrugem e da lama", relata Estélio Munduruku à Amazônia Real.

A alimentação também se tornou escassa na aldeia, pois os indígenas dependem quase exclusivamente da pesca nos rios Mari-Mari e Canumã e dos roçados. A agricultura de subsistência é uma das mais afetadas pela crise climática na região.

O líder indígena afirma que nunca vivenciou uma seca como essa. "Em toda nossa existência nunca vimos uma seca extrema igual a essa, mas recordamos o que os nossos ancestrais alertavam: em nosso tempo a natureza iria mudar de tal maneira que iríamos sofrer".

Estélio afirma que os Munduruku estão isolados na aldeia Kwatá do rio Canumã e não receberam ajuda ou apoio de órgãos públicos. "O povo Munduruku não consegue sair da TI para ir à cidade resolver problemas pessoais. Até agora nosso povo não recebeu nenhuma ajuda dos poderes públicos e pedimos agora que possam olhar pelos povos da região".

Educação indígena é afetada

A aldeia Jacaré, também na TI Kwatá-Laranjal, está na mesma situação de calamidade. Lá moram 12 famílias que estão isoladas. "Estamos sem poder fazer as nossas viagens porque o igarapé do Jacaré está muito seco. Não conseguimos sair daqui para ir a outras aldeias ou para Nova Olinda do Norte, a cidade mais próxima de onde a gente está", diz o cacique Munduruku Levi Paes.

Todos os dias, desde o fim de agosto, os alunos da aldeia precisam enfrentar uma longa e perigosa descida de barranco até a beira do igarapé do Jacaré para viajar nas catraias em direção à escola mais próxima, que fica na aldeia Mucajá.

Em um vídeo enviado à reportagem, é possível observar os riscos que as crianças enfrentam para ir à escola no período de seca. "Aqui a gente enfrenta problemas com a saúde, com o bem-estar social e com a educação. A gente não tem o apoio do governo", explica o cacique Levi.

Estélio Munduruku afirma que na aldeia Kwatá as crianças estão sem merenda escolar porque faltam alimentos. A péssima estrutura do lugar, sem mesas e cadeiras, além do calor, também incomoda e prejudica a qualidade das aulas.

"A catraia, o meio de um aluno poder ir até a escola, não está passando pelo rio e os alunos de outras aldeias nem conseguem ter mais essas aulas", diz Estélio.

O percurso dos indígenas da aldeia Jacaré para comprar alimentos e receber pagamentos foi prejudicado pela seca do igarapé. Além disso, a falta de mobilidade não permite que os moradores da aldeia consigam chegar ao Polo Base Laranjal, em caso de emergência médica.

Segundo a professora indígena Elivane Moreira de Oliveira, filha do cacique Levi Paes, quando a estiagem é "normal", o igarapé fica seco, mas as canoas ainda saem da aldeia. "Mas a seca deste ano foi muito forte, fechou a passagem totalmente e restaram só alguns pocinhos de água", relata.

Os moradores da aldeia Jacaré também estão sem acesso à água potável. Elivane acredita que as altas temperaturas aliadas à seca "fecharam" a terra em alguns lugares, prejudicando a instalação de um poço artesiano. "Como está seco, a água fica muito lamacenta, faz muito mal para as crianças que tomam e até para nós mesmo como adultos".

Sem assistência dos poderes públicos, a comunidade pede ajuda para consertar o poço artesiano. Elivane chegou a criar uma vaquinha online para ajudar a aldeia Jacaré com a arrecadação em dinheiro, mas diz que ainda "há um bom caminho para percorrer" até atingir o valor que eles estão precisando. "Vamos comprar encanação para ajustar o nosso poço, já tem uma caixa d'água de cinco mil litros, mas não tem a estrutura para colocar e por isso estamos aceitando ajuda em qualquer valor", ressalta.

A falta de comunicação é outro problema, potencializado pelas quedas constantes de energia, que chegam a durar mais de três dias. Outra necessidade é a de alimentos essenciais para os indígenas, como a farinha de mandioca. As plantações ficaram muito quentes e não se desenvolveram.

"No período de seca ficamos aqui nesse deserto. É um lugar rico em alimento como os peixes, mas para uma emergência médica ficamos com essa dificuldade de sair porque o igarapé sumiu", afirma o cacique Levi Paes.

Elivane está espantada com a seca histórica. Ela diz que nunca viu algo parecido. "Lá na nossa aldeia ninguém da minha idade tinha vivenciado uma seca que nem essa".

A seca histórica atinge os 62 municípios do Amazonas, segundo a Defesa Civil. São 598 mil pessoas, a maioria indígenas e ribeirinhos, necessitando de ajuda humanitária, diz o órgão. Em julho, os cientistas alertaram que a estiagem deste ano seria potencializada pelo fenômeno climático El Niño, que provoca alterações na temperatura do Oceano Pacífico e compromete o regime de chuvas na região.

A intensidade do fenômeno ficou mais forte a partir de julho. Meteorologistas ouvidos pela Amazônia Real alertam para a possibilidade de atraso na estação chuvosa, distribuição irregular e abaixo do normal na região. A condição se agravou mais ainda com o aquecimento do Atlântico Norte, que também influencia na estiagem mais intensa na região amazônica.

O período chuvoso começaria em novembro, mas as chuvas continuam abaixo da média. Até o momento, o Governo do Amazonas não decretou calamidade pública para dar uma resposta mais rápida à população.

O que dizem as autoridades

Em nota enviada à reportagem para falar sobre a situação no município de Borba, onde fica a Terra Indígena Kwatá-Laranjal, o Governo do Amazonas afirmou que em 30 dias foram entregues ajudas humanitárias, coordenadas pela Defesa Civil do Amazonas, para 61 municípios do Estado. "Para o município de Borba, foram repassadas 1.500 cestas básicas e 1.728 litros de água mineral", diz a nota.

Entre os envios, o governo cita cestas básicas, kits de higiene, medicamentos, insumos, alimentos oriundos da avicultura familiar e adquiridos de produtores rurais locais e água potável. "Quanto à assistência aos povos indígenas afetados pela seca no Amazonas, o governo diz que já destinou mais de cem toneladas de alimentos, atendendo cerca de 170 comunidades indígenas em todo o estado", afirma a nota.

Procurada pela reportagem, a Defesa Civil do Amazonas respondeu que presta assistência aos indígenas afetados pela seca extrema, em parceria com a Fundação Estadual dos Povos Indígenas do Amazonas (Fepiam).

Sobre a TI Kwatá-Laranjal, o órgão alegou que a região será atendida na próxima semana, mas que a responsabilidade é do governo federal. "Ressaltando que o Governo do Amazonas trabalha diuturnamente para atender todas as áreas indígenas prioritárias, porém é importante lembrar que a Terra Indígena Kwatá-Laranjal é de atribuição federal. A situação jurídica da Terra Indígena é homologada e sua jurisdição legal é a Amazônia Legal, por meio do Ministério dos Povos Indígenas e da Fundação Nacional dos Povos Indígenas", diz trecho da explicação.

Também procurada, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) não respondeu às perguntas sobre a assistência aos Munduruku da TI Kwatá-Laranjal.

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