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Se está em falta,...

Veja, Especial, p. 98-101
19 de Nov de 2014

Se está em falta,...
...a água pode ser criada, com máquinas que transformam o ar úmido em gotículas do precioso líquido. É uma alternativa inteligente, embora ainda muito cara, para um futuro de escassez

Jennifer Ann Thomas

Para quem vê a Terra de cima, como fez o cosmonauta russo Yuri Gagarin (o primeiro homem a chegar ao espaço, em 1961), o planeta azul parece ter boa água em abundância. Não é bem assim: 97% de todos os recursos hídricos ficam em oceanos e mares salgados - ou seja, é volume impróprio para consumo - e outros 2% estão congelados. Do 1% potável que sobra, a maior parte é de difícil acesso.

A situação se agrava quando se nota que uma parcela inaceitável do que podemos usar é desperdiçada ou poluída aos montes. O brasil, país líder em recursos hídricos, sente como poucos a escassez de água que se alastra pelo planeta. A seca no Sudeste não dá trégua, com o principal reservatório de São Paulo, o Sistema Cantareira, em meros 9% de sua capacidade, segundo registros de novembro (e isso só porque a segunda cota do volume morto, nunca antes usada e de qualidade duvidosa, começou a ser captada).

Diante de um futuro de contornos drásticos - e secos - para o Brasil e para o mundo, resta recorrer a novas fontes para garantir o abastecimento da humanidade em um futuro mais próximo do que se imagina. Duas alternativas começam a se tornar viáveis, e necessárias. A primeira: saber aproveitar, com cuidado, reservas subterrâneas, chamadas de aquíferos, ainda não tão acessíveis quanto lagos, rios e reservatórios. A segunda, mais sustentável, e que soa a ficção científca: transformar ar em água, com tecnologias que lembram o que ambicionavam antigos alquimistas.

Usar uma máquina para fazer H2O líquida a partir do ar parece uma invenção saída dos textos do inglês Arthur C. Clarke, mas a lógica por trás da operação é ancestral e coerente. São dois os conceitos básicos que servem de alicerce para a técnica, conhecidos pela humanidade há muito: evaporação e condensação. Existe H2O em abundância no ar, mas é preciso transformá-la em água líquida por meio de condensação, o processo inverso da evaporação, pela qual moléculas gasosas perdem calor e se condensam. Há mais de 500 anos, o império Inca já coletava orvalho acumulado e o canalizava como gotículas para abastecer cisternas. Era um recurso desenvolvido com base no entendimento de que o ar se transformaria em água. Máquinas que tornam esse processo industrial, porém, só começaram a aparecer na década passada.

Um dos pioneiros é o cientista australiano Max Whisson. Em 2007 ele criou um moinho que capta ventos e os refrigera rapidamente, a ponto de eles se transformarem em gotículas. O problema é que sua máquina custava 40 mildólares e não deixou de ser um protótipo caríssimo e pouco eficiente. Foi um ano depois que esses aparelhos se mostraram comercialmente viáveis. A canadense Element Four lançou a WaterMill, que, abastecida por energia elétrica, transforma umidade do ar em água. Já havia máquinas capazes disso, como as de ar condicionado. Mas o modelo atual da WaterMill fabrica água potável e mineral em abundância (18 litros por dia, o suficiente para abastecer uma família).

O engenheiro brasileiro Pedro Ricardo Paulino utiliza técnica parecida em sua Wateair, no mercado desde 2009 (leia mais abaixo). Em suma, esses equipamentos reproduzem o processo natural ao sugar o ar e provocar um choque de temperatura para condensar vapor de água em H2O líquida. Ele vende o aparelho a preços que variam de 7 mil (de uso doméstico) a 350 mil reais (industrial). "Oitenta por cento de meus clientes são de lugares onde a seca é intensa", diz Paulino. "Mas ganho cada vez mais no Brasil, com esse crescente problema no Sudeste. Passei a receber pedidos de indivíduos que querem contornar por conta própria a falta de abastecimento", acrescenta.

Resultado da seca, especialmente da paulista, para o bolso de Paulino: aumento de 500% no faturamento em dois meses.
No começo de novembro, o engenheiro apresentou a Geraldo Alckmin, governador de São Paulo, uma proposta de construção de vinte usinas à beira dos rios Tietê e Pinheiros para a geração de 2 milhões de litros de água por dia. Ainda não se sabe se os planos vão para a frente, mas o custo inicial seria de 60 milhões de reais, e levaria ao menos dois anos para que fosse construída a primeira unidade - isso não resolveria, de imediato, a crise atual, mas, a médio prazo, poderia vencer o fantasma da seca.
No começo de novembro, o engenheiro apresentou a Geraldo Alckmin, governador de São Paulo, uma proposta de construção de vinte usinas à beira dos rios Tietê e Pinheiros para a geração de 2 milhões de litros de água por dia. Ainda não se sabe se os planos vão para a frente, mas o custo inicial seria de 60 milhões de reais, e levaria ao menos dois anos para que fosse construída a primeira unidade - isso não resolveria, de imediato, a crise atual, mas, a médio prazo, poderia vencer o fantasma da seca.
Avalia o engenheiro Samuel Barrêto, coordenador do Movimento Água para São Paulo e consultor da ONG The Nature Conservancy: "Temos de considerar essa possibilidade tecnológica, mas antes precisamos pensar no que ocorrerá quando mais uma vez passar o período chuvoso, após abril de 2015". Para ele, o fundamental, por ora, é reduzir o consumo e saber reaproveitar o que é usado. "Uma boa alternativa é o reúso do esgoto, que pode ser tratado adequadamente, o que criaria uma reserva equivalente a mais um Sistema Cantareira, só que cheio", propõe.

Para o advogado Vinicius Vargas, especialista em sustentabilidade do escritório Barros Pimentel, para que o reaproveitamento fosse eficiente seria necessário mexer na legislação brasileira: "Hoje, é permitido tratar o esgoto, mas antes temos de jogá-lo em reservatórios. Seriam evitados gastos se fosse permitido o tratamento direto da água". Outra solução imediata, apesar de paliativa, para as secas do Sudeste (e de todo o planeta) é aproveitar, com cautela, as reservas no subsolo, como em aquíferos. Embaixo do solo está grande porcentagem da água potável e acessível da Terra. Em resumo, as orientações são as que valem para a utilização de qualquer recurso natural: é preciso cuidar do que temos e procurar por fontes alternativas menos vulneráveis.

A ÁGUA, AS CIDADES E NÓS
Em tempos de escassez e da cada vez mais evidente má utilização dos recursos hídricos brasileiros, um projeto desenhado pelo Arq.Futuro, fórum de discussões sobre arquitetura e urbanismo, em parceria com o renomado Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e o escritório italiano de design Carlo Ratti Associati propõe uma forma de convidar a população para um debate sobre a utilização da água, bem em meio aos Jogos Olímpicos de 2016.

O grupo sugere a construção de um pavilhão parcialmente submerso em forma de anéis olímpicos na Lagoa Rodrigo de Freitas, ícone do Rio de Janeiro, onde os visitantes poderiam admirar a paisagem ao redor. Drones ainda sobrevoariam a região levantando informações sobre a qualidade da água, como a quantidade de poluentes e o grau de ameaça às espécies de vegetais e animais que ali vivem.

O projeto é um dos dez apresentados na revista Monolito de número 23, lançada recentemente pelo Arq.Futuro. Todos estão relacionados ao melhor uso de recursos hídricos urbanos. Há, por exemplo, uma proposta da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo que analisa a viabilidade técnica, econômica e ambiental de transformar rios da capital paulista, como o Tietê, o Pinheiros e o Tamanduateí, em canais navegáveis para o transporte de cargas públicas.

Outro trabalho, este construído e concluído em 2004, tem como foco a Ilha da Ressaca, platô formado por sedimentos vindos de córregos, em Belo Horizonte. A ideia foi tornar o local uma área de lazer, instalando ali o Parque Ecológico da Pampulha, com cinco setores: parte alagada, área esplanada, enseada, região de reserva florestal e outro com árvores reflorestadas. São formas criativas de despertar na população o senso de cuidado que se deve ter com os recursos naturais à nossa disposição.

Veja, 19/11/2014, Especial, p. 98-101

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