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Sargento de milícia desmata outra vez

O Globo, O País, p. 12
27 de Jun de 2009

Sargento de milícia desmata outra vez
PM invade mais uma área de Mata Atlântica e põe à venda 240 lotes

Sérgio Ramalho

A milícia chefiada pelo sargento da PM Luiz Monteiro da Silva, o Doem, de 50 anos, desmatou, loteou e está vendendo um trecho de Mata Atlântica na Serra do Valqueire, que integra a Área de Preservação Ambiental (APA) do Maciço da Pedra Branca, para a construção de um condomínio com 240 casas em Vila Valqueire. O envolvimento de integrantes do grupo paramilitar na especulação imobiliária na região foi constatado em trabalho conjunto da Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente (DPMA) e da 19ª Promotoria de Investigação Penal (PIP), que vai denunciar o sargento e outras quatro pessoas por formação de quadrilha, parcelamento irregular do solo e crime ambiental.
Em abril passado, o sargento Doem já havia sido indiciado pela DPMA por vender a preços que variavam de R$ 3 mil a R$ 7 mil lotes clandestinos em outro trecho da Serra do Valqueire. Desta vez, no entanto, a investigação constatou que empreendimento é mais sofisticado e os terrenos estão sendo oferecidos por R$ 60 mil. Na última quinta-feira, promotores e técnicos do Ministério Público, policiais da DPMA, policiais militares e peritos do Instituto de Criminalística Carlos Éboli (ICCE), com o auxílio de um helicóptero da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core), estiveram no Condomínio Bosque do Valqueire.
Para implantar o empreendimento imobiliário, a milícia empregou retroescavadeiras para abrir duas ruas, derrubar um trecho de mata e dividir a área em lotes com 180 metros quadrados. O estrago provocado pela atuação do grupo na Serra do Valqueire é enorme. As imagens aéreas mostram uma grande clareira em meio à mata, manilhas e árvores derrubadas. Um dos técnicos em crime ambiental do Ministério Público acrescentou que a devastação causou ainda o assoreamento de um córrego.
Promissórias para financiar terrenos
Indiferentes aos crimes ambientais, integrantes da quadrilha atuavam livremente na venda dos terrenos, anunciados inclusive em placas espalhadas pela Rua Tejo. A negociação é tratada numa imobiliária que pertence a integrantes do grupo paramilitar ou numa espécie de showroom, na entrada do condomínio. Nesses locais, as promotoras Márcia Velasco e Christiane Monnerat, além da delegada Juliana Emerique de Amorim, da DPMA, apreenderam documentos referentes às vendas de lotes na região e a CPU de um computador da imobiliária, que, segundo a polícia, funciona clandestinamente. Três pessoas que estavam no local foram levadas à DPMA, onde prestaram depoimentos e foram liberadas.
Segundo as promotoras, os responsáveis pelo empreendimento imobiliário não têm qualquer documento para respaldar o corte das árvores, o loteamento e a venda dos terrenos.
- Eles não apresentaram sequer um documento para legitimar o funcionamento da imobiliária, que também financia parte do valor dos lotes - disse uma das promotoras.
Segundo Márcia Velasco e Christiane Monnerat, os lotes de R$ 60 mil são negociados da seguinte maneira: o interessado paga R$ 25 mil no ato de compra e assina promissórias no valor de mil reais, que são quitadas mensalmente.
Pouco antes da operação do MP e da DPMA, o repórter entrou em contato por telefone com a imobiliária, onde uma funcionária admitiu que as vendas não poderiam ser financiadas por bancos, por falta de documentos. A mulher, que não se identificou, acrescentou que a responsabilidade pela construção dos imóveis é do comprador e não da imobiliária:
- Nossa parte consiste apenas na venda dos lotes e na implantação da rede coletora de esgoto. Cada comprador constrói a própria casa.
A funcionária admitiu a atuação de uma milícia na região, mas afirmou não conhecer os envolvidos com o grupo paramilitar. Perguntada sobre a participação do sargento Doem na venda dos lotes, ela se esquivou, dizendo ter sido contratada para trabalhar no local há pouco tempo. Fixada na lateral do imóvel onde funciona a imobiliária, um cartaz da campanha eleitoral do sargento - que concorreu a vereador na última eleição e recebeu cerca de quatro mil votos, mas não foi eleito - revela a influência do policial na região. De acordo com a PM, Doem responde a sindicância na corregedoria da corporação e, atualmente, faz serviço interno.
Durante a operação, a delegada Juliana de Amorim apreendeu um modelo de procuração, em que o cliente assume uma dívida junto à "família força". Para a delegada e as promotoras, trata-se de uma referência à milícia que atua na região.
Com base no documento, a delegada disse que vai instaurar um novo inquérito para investigar a participação dos milicianos no financiamento dos imóveis, além de dimensionar as áreas loteadas. Apesar do cerco à especulação imobiliária, ontem à tarde, poucas horas após a operação, uma das promotoras constatou, por telefone, que a imobiliária continuava a oferecer os terrenos. Uma equipe da 32ª DP (Taquara) foi ao local e levou dois suspeitos para averiguação na delegacia.
Servidor Público Cobrava 'Luvas' de Invasores
O envolvimento de funcionários públicos, que deveriam atuar na manutenção da lei, em invasões e loteamentos clandestinos foi revelado ano passado pelo GLOBO na série de reportagens Favela S/A. Um dos casos citados foi o do servidor Dorceli dos Santos Pereira, então lotado na Inspetoria da Coordenadoria de Licenciamento e Fiscalização da Barra da Tijuca, que organizou a invasão na Vila Taboinhas, em Vargem Grande.
Dorceli adotou uma prática comum no asfalto: a cobrança de "luvas" dos invasores - um valor extra pela valorização do ponto, exigido da pessoa que aluga um imóvel, em geral, comercial. O funcionário da prefeitura assumiu a presidência da associação comunitária, em fevereiro do ano passado, após o assassinato do segurança Narciso Evangelista de Oliveira.
A participação de servidores públicos e de policiais, muitos deles ligados a grupos paramilitares, no loteamento e venda clandestina de terrenos também foi constatada por investigações em comunidades como Rio das Pedras, Gardênia Azul e Recreio dos Bandeirantes.

O Globo, 27/06/2009, O País, p. 12

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