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São Sebastião "congela" novas construções

FSP, Cotidiano, p. C8
14 de Set de 2006

São Sebastião "congela" novas construções
Prefeito suspendeu a concessão de licença para obras num raio de 6 km a partir de Maresias, um dos trechos mais caros de SP
Resultado de ação iniciada em 1939 que considerou a área propriedade do Estado, medida visa mapear o que é terra pública e particular

José Ernesto Credendio
Afra Balazina

O prefeito de São Sebastião, Juan Pons Garcia (PPS), decidiu suspender a concessão de licença para novas construções e reformas em um raio de 6 km a partir da capela caiçara de Maresias. A faixa de terra "congelada" cobre a área do norte de Boiçucanga até Calhetas, passando por Maresias, Paúba, Santiago, Toque-Toque e Toque-Toque Pequeno, na costa sul da cidade, a mais valorizada do litoral norte de São Paulo.
A medida é resultado de uma ação discriminatória (que separa áreas públicas de particulares) iniciada em 1939. A ação considerou devoluta (de propriedade do Estado) toda a área entre esses bairros, com exceção daquelas que contavam com registro em cartório.
Garcia anunciou a decisão há cerca de duas semanas. Para moradores ouvidos pela Folha, pode ser uma reação à falta de apoio de associações de bairro ao projeto que permitiria edifícios de até cinco andares (leia texto nesta página).
Segundo Alessandro Mauro de Souza, procurador-chefe da prefeitura, será feito o mapa da área e levantamento do número de imóveis afetados. "Precisamos separar o que é terra devoluta de área particular."
Enquanto o mapeamento não termina, intervenções nos imóveis estão suspensas. "Se o prefeito concordar com uma obra, corre o risco de aprovar algo numa área pública, num patrimônio público. Há o mesmo risco em relação a reformas, pode acabar autorizando uma modificação num terreno que é do povo", afirmou ele.
A ação discriminatória foi ajuizada pelo Estado nos anos 30 porque era preciso regularizar a titularidade das terras.
Com o passar do tempo, parte das pessoas que ocuparam os terrenos obteve, na Justiça, o registro definitivo. Porém, uma parcela dos terrenos conta só com o título de posse, mais frágil do ponto de vista jurídico.
Durante esses quase 70 anos, a costa sul de São Sebastião foi ocupada, valorizou-se e hoje é uma das regiões mais caras do Estado -em Maresias, o m2 atinge cerca de R$ 400, no nível de terrenos de São Paulo.
O presidente da Câmara de São Sebastião, Wagner Teixeira (PV), adversário de Garcia, diz que a medida deixou a cidade em pânico. "Ninguém na prefeitura sabe informar direito o que ocorre", diz.

Documentos frágeis
O procurador do Estado Jaques Lamac, que acompanha a titularização de terras no litoral norte, afirma que, para um eventual pedido de reintegração de posse, a prefeitura terá de levantar os limites das áreas e apresentar a documentação.
Caso algum proprietário seja desalojado pela Justiça através das reintegrações, ele terá o direito de receber pelas benfeitorias que já foram realizadas.
De acordo com Lamac, os registros de terras são muito precários no litoral norte paulista. Em Ilhabela, por exemplo, se todos os títulos fossem válidos, a ilha teria de ter vários andares. "São títulos sobrepostos."
A insegurança em torno da legitimidade dos títulos de propriedade já começou a afetar o mercado imobiliário da região (leia texto nesta página). O presidente da Somar (sociedade dos moradores de Maresias), Aldo Amadei, disse que, embora não possa discordar da decisão do prefeito -"ele deve ter razões jurídicas"-, defende uma negociação para evitar um impacto social. "Esperamos que não haja uma medida radical, que paralise investimentos e obras e gere desemprego."

Vetado o projeto sobre prédios na cidade
DA AGÊNCIA FOLHA, EM SÃO JOSÉ DOS CAMPOS
Pela segunda vez, a Câmara Municipal de São Sebastião, no litoral norte de São Paulo, rejeitou o projeto de lei do prefeito Juan Pons Garcia (PPS) que criaria as Zeis (Zonas de Especial Interesse Social) e permitiria a construção de prédios de até cinco andares nessas áreas.
O projeto foi rejeitado anteontem porque a procuradoria jurídica da Câmara indicou uma irregularidade: uma proposta do prefeito anteriormente vetada (decisão tomada em março) só pode ter nova votação se tiver assinatura da maioria dos vereadores -o que não ocorreu.
O prefeito Garcia disse que o veto da Câmara Municipal foi uma "atitude meramente política" e que reapresentará seu projeto, mas sem o artigo sobre os prédios. (FÁBIO AMATO)

Imobiliárias da região apontam pânico de moradores e temem reflexo nas vendas
DA REPORTAGEM LOCAL
Impedir a realização de obras em Maresias e Boiçucanga é um absurdo na opinião de Aparecida Fátima Santos, 40, proprietária da imobiliária Nunes, que atua na região. Ela teme o reflexo no setor imobiliário.
"Muitas pessoas já me ligaram preocupadas, perguntando o que devem fazer. Agora, temos a obrigação de avisar clientes que, se comprarem terrenos, a prefeitura não vai aprovar a construção. As vendas vão cair demais", afirma.
Segundo o procurador-chefe da prefeitura, Alessandro Mauro de Souza, a administração municipal não tem intenção de atrapalhar a negociação imobiliária no bairro, apenas busca resolver uma situação que até agora estava sem solução.
O empresário Eduardo Magalhães, que há 19 anos investe em imóveis no litoral norte, incluindo Maresias, prevê que as pessoas que não tiverem registros definitivos dos terrenos terão problemas. "Conheço empreendimentos erguidos sobre áreas somente com título de posse. É um risco. Há uma grande insegurança jurídica."
O impasse, segundo ele, tem um lado positivo. "É uma oportunidade para o Estado e a prefeituras regularizarem essas propriedades. Seria um estímulo a investimentos."
O empresário Celso Amaral, 40, que possui um heliponto e terrenos à beira-mar em Maresias, opina que a decisão do prefeito trará "dor de cabeça", mas irá afetar apenas as pessoas menos instruídas ou que não possuem advogado.
"Quando a prefeitura nos cobra o IPTU [Imposto Predial e Territorial Urbano], ela reconhece a nossa posse. Conheço os meus direitos. Vamos entrar na Justiça, a prefeitura vai perder e terá de pagar as custas dos processos", afirma.
Para ele, com a posse da área é possível pedir a aprovação de uma obra, desde que esteja de acordo com a legislação. "Só vai demorar mais." (AB e JEC)

FSP, 14/09/2006, Cotidiano, p. C8

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