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São Paulo tenta fugir do racionamento

GM, Relatório Gazeta Mercantil, p. 3
30 de Abr de 2004

São Paulo tenta fugir do racionamento

Baixo nível dos reservatórios, crescimento desordenado e poluição assustam os paulistanos. S ão Paulo pede água. No último semestre, o nível do reservatório Cantareira - que abastece 47% da população da região metropolitana - foi o centro das atenções ante a possibilidade de um racionamento de água nos próximos meses. A Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) esperava que, até fins de março, o nível do reservatório chegasse a 30%. Não aconteceu. Em meados de abril, o Cantareira estava a 18,8% de sua capacidade.

A crise no abastecimento que ameaça a região metropolitana de São Paulo não é decorrente apenas das poucas chuvas nas cabeceiras dos rios que formam os reservatórios, mas sobretudo do aumento da demanda por parte da crescente população. Nos idos anos 1970, tanto a Sabesp quanto o governo paulista já previam um crescimento populacional da ordem de 2% ao ano até 2010. Hoje o crescimento médio é de 1,6%, o que equivale a 270 mil novos habitantes por ano e torna a produção de água pouco superior à demanda: cerca de 4 m³/s.

O que os analistas da Sabesp e do governo não conceberam na época é que a população cresceria de forma explosiva nas regiões periféricas. Um exemplo é o distrito de Anhangüera, na zona norte da capital, que registrou um crescimento populacional de 487,8% entre 1991 e 2000. De acordo com um estudo realizado pela Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente de São Paulo, os loteamentos irregulares na região foram responsáveis pelo desmatamento de 840 mil m² da área de proteção de mananciais que integram o sistema Cantareira. Na zona sul, o quadro é igualmente desolador. Tome-se como exemplo a represa de Guarapiranga, onde vivem cerca de 700 mil pessoas aglomeradas nas margens, despejando seu esgoto diretamente nas águas da represa e produzindo toda sorte de poluição difusa.

Por motivos óbvios, São Paulo não pode contar com seus rios e córregos para abastecimento da própria população e importa mais de 50% de sua água para abastecimento de bacias vizinhas, como a dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí.

Ataque à demanda

De posse do conhecimento de que os mananciais que fornecem água para a região metropolitana não têm capacidade de produção para sustentar o aumento populacional, especialistas se desdobram para apontar saídas eficazes para evitar que o atual estresse hídrico se converta em uma tragédia para os 17 milhões de habitantes da Grande São Paulo. Enquanto uns cogitam a transposição de águas de bacias mais longínquas - como a do Médio Tietê, no município de Barra Bonita, a 280 quilômetros da capital - projetos dispendiosos e sujeitos a dificuldades de licenciamento ambiental, a ordem do dia é atacar a demanda.

A partir de fevereiro, a Sabesp intensificou as mensagens publicitárias com ênfase na necessidade da economia e conseguiu uma redução do consumo pouco superior a 10%. O que levou a companhia a adotar, a partir de março, um sistema de bônus de 20% na conta dos consumidores que conseguirem atingir a meta de consumo estipulada.

Hoje, o sistema Cantareira produz 29 m³/s na média mensal, mas já chegou a 33 m³/s em tempos menos áridos.

A transferência de 2 m³/s dos sistemas Alto Tietê e Guarapiranga para áreas de abastecimento comuns (que podem ser abastecidas tanto pelo Cantareira quanto por outros sistemas) é outra estratégia para aliviar a pressão sobre o sistema Cantareira. Parte da região leste da capital paulista - da Penha a Ermelino Matarazzo - está sendo abastecida pelo Alto Tietê e a região da Avenida Paulista e Vila Mariana estão sendo abastecidas pelo Guarapiranga.

A curto e médio prazo, está prevista a ampliação da produção do sistema Alto Tietê dos atuais 10 m³/s para 15 m³/s. As obras, que incluem adutores e estações de tratamento de água, estão previstas dentro do Plano Diretor do Abastecimento de Água (PDAA), documen-to que está em fase de finalização e que será "um norte para os próximos investimentos em abastecimento de água", nas palavras de Amauri Pollachi, gerente do controle do abastecimento da Sabesp.

Falta de planejamento

Para Júlio Cerqueira César Neto, diretor presidente da Agência da Bacia do Alto Tietê, a ausência de planejamento e de integração das políticas públicas são as causas principais dos problemas de abastecimento de água nas grandes regiões metropolitanas, e em especial da Grande São Paulo. "Nosso processo de desenvolvimento é caótico e conduzido pelas forças de mercado. Seria preciso intervenção do poder público para ordenar esse desenvolvimento. E não há providências que indiquem que o quadro está mudando", afirma.

Sua opinião é partilhada por Francisco Lahóz, secretário executivo do consórcio intermunicipal das bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí, ao afirmar que a atual crise no abastecimento de água paulistano é decorrente de sucessivos erros de planejamento. O primeiro deles foi o local escolhido para abrigar São Paulo, uma região de nascentes e de cursos de água sem volume para abastecimento público.

O segundo erro histórico de planejamento, na avaliação de Lahóz, veio na transição das décadas de 1960 e 1970, quando já se considerava a necessidade de se buscar novos aportes de água para a crescente demanda da região metropolitana.

Uma das opções seria importar águas do rio Juquiá, no Vale do Ribeira, sob um custo de US$ 6 bilhões na época e que garantiria a produção de 70 m³/s para a Grande São Paulo. Essa alternativa foi descartada devido ao alto custo do empreendimento e às dificuldades logísticas de trazer a água até a capital. Optou-se então pelo atual sistema Cantareira, que a um custo de cerca de US$ 1 bilhão forneceria 30 m³/s, abastecendo metade da população. "Foi um erro estratégico. Hoje, cogita-se em usar as águas do rio Juquiá, mas as dificuldades são bem maiores, em função da ocupação urbana no Vale do Ribeira e dos impactos ambientais de um empreendimento desse porte", avalia.

No entanto, as águas do Ribeira continuam como uma possibilidade. Projeto desenvolvido pela consultoria Isoterma prevê transpor 40 m³/s para a capital a um custo previsto de US$ 2 bilhões.

GM, 30/04/2004, Relatório Gazeta Mercantil, p. 3

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