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Sangue no campo

CB, Brasil, p.12
09 de Abr de 2004

Sangue no Campo
Conflito Agrário
Relatório da Comissão Pastoral da Terra mostra que no primeiro ano do governo Lula o número de trabalhadores rurais assassinados aumentou 69,8 % em relação a 2002. É o maior índice registrado nos últimos 13 anos

O primeiro ano de governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva teve sabor de sangue para os sem-terra. Relatório que acaba de ser editado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), instituição ligada à Igreja Católica, mostra que 73 trabalhadores rurais foram mortos em conflitos no campo em 2003. 0 aumento foi de 69,8% em relação a 2002, quando morreram 43 pessoas. 0 número é o maior dos últimos 13 anos, só perdendo para o ano de 1990. Os dados diferem dos números levantados pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, que contabiliza 42 mortes decorrentes de conflitos agrários em 2003.
Intitulado Conflitos no Campo, Brasil, 2003, o estudo da CPT mostra que o ano passado também foi marcado por um aumento de 82,7% no número de conflitos agrários, em relação a 2002. Foram registradas 1.690 ocorrências, com 1,19 milhão de pessoas envolvidas. Também aumentaram em 140,5% o número de prisões e em 151,4% o de famílias expulsas de suas terras. 0 Poder Judiciário emitiu ordens de despejo de 35.297 famílias, envolvendo 176.485 pessoas. O aumento foi de 263,2% sobre o ano anterior e é recorde em toda a história brasileira, conforme a CPT.
Desilusão
Segundo o professor Anderson Antonio da Silva, do Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos da Reforma Agrária (Nera), da Unesp, o ano foi marcado por uma grande retomada nas ações dos movimentos sociais de luta pela terra em razão da mudança de governo. "Criou-se a expectativa de que a reforma agrária finalmente ia acontecer", afirma Silva.
Em 2003, ocorreram 676 ações entre ocupações e acampamentos, envolvendo 623.170 pessoas. Só as ocupações somaram 391, envolvendo 65.552 famílias. No ano anterior, o último do presidente Fernando Henrique Cardoso, tinham sido registradas 183, com 26.928 famílias. As manifestações pela reforma agrária mobilizaram 481.023 pessoas.
O relatório reconhece que, se o governo adotou uma nova postura diante dos movimentos de campo, não os tratando como criminosos, também não realizou nenhuma ação concreta para fazer a reforma agrária. O número de famílias assentadas, 15.890 em assentamentos novos e 27.102 nos já existentes, é considerado irrisório.
Em 2003, o Centro-Oeste brasileiro assumiu a liderança quanto ao maior número de pessoas envolvidas em conflitos, 310.592, ou 26,09% do total. Também teve o maior número de pessoas despejadas: 62.995, o que representa 35,7% do total. Segundo a CPT os dados indicam uma verdadeira operação de guerra contra os sem-terra nessa região. O Pará continua sendo o Estado mais violento, com 33 dos 73 assassinatos registrados.
Termina impasse na Bahia
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) e representantes do governo baiano chegaram a um acordo para a desocupação dos 25 hectares da fazenda da multinacional Veracel Celulose, em Porto Seguro, no sul do estado. No início da tarde de ontem, após três horas de reunião entre o representante do MST, Valmir Assunção, o secretário da Agricultura da Bahia, Pedro Barbosa, e o superintendente regional do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Marcelino Galo, ficou decidido que os sem-terra vão deixar a área.
O Incra se comprometeu a instalar em Itamaraju, uma das maiores cidades da região, um escritório avançado para acelerar o assentamento de famílias de sem-terra em cinco mil hectares distribuídos em seis propriedades. Assunção saiu satisfeito da reunião. Segundo ele, o MST teve um ganho de divulgação da luta pela reforma agrária.
Novas invasões
Ontem, o MST fez mais quatro ocupações de terra, pela manhã, em Escada, município da Zona da Mata pernambucana. 0 movimento estima que 1,3 mil pessoas foram mobilizadas para essas ações. Nos últimos 13 dias, quatro movimentos de luta pela terra, em Pernambuco, realizaram 51 ocupações no estado.
Em Sergipe, 1.216 famílias de trabalhadores rurais sem-terra ocuparam sete fazendas em cinco municípios do interior. Em São Paulo, 300 integrantes do MST invadiram a fazenda Primavera, em Mirandópolis, no extremo-oeste do estado.

Pará 33
Mato Grosso 9
Rondônia 8
Pernambuco 7Maranhão 4Paraíba 1Paraná 4Tocantins 2Alagoas 1
Mato Grosso do Sul 4
Minas Gerais 1
Roraima 1
São Paulo 1
Total: 73
A tragédia de Eldorado
No dia 17 de abril, o MST e outros movimentos de luta pela terra vão realizar uma série de manifestações para lembrar o massacre de Eldorado dos Carajás, no Pará, em que 19 trabalhadores rurais sem-terra foram mortos por policiais militares durante a desocupação de uma área invadida. 0 massacre, ocorrido em 1996, teve forte repercussão internacional e tornou-se uma referência no calendário do MST. Desde então, a data ficou marcada como um período de agitação.
Este ano, porém, as manifestações começaram mais cedo. Impulsionados pelo principal líder do MST, João Pedro Stédile - que, no final de março, prometeu "infernizar" o país com invasões de terra-, os militantes se mobilizaram. Somente o MST realizou mais de 50 ocupações em vários estados. E, a cada dia, surgem mais invasões.
Líderes do movimento disseram que não haverá trégua, nem mesmo diante dos apelos do governo. Insatisfeitos com o andamento da reforma agrária, eles cobram mais agilidade no assentamento de famílias. Segundo o MST, as invasões vão continuar a todo o vapor pelo menos até o próximo dia 17, quando ocorrerá uma série de passeatas nas principais capitais do país, além da tradicional missa celebrada em Belém.

CB, 09/04/2004, p. 12

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