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Saneamento pela metade

O Globo, Economia, p. 17
25 de Set de 2017

Saneamento pela metade
Universalizar tratamento de esgoto vai requerer R$ 150 bi: 45% da população não são atendidos

Manoel Ventura

O Brasil precisa investir R$ 150 bilhões para garantir a todos os moradores das cidades acesso ao serviço de saneamento básico adequado até 2035. Atualmente, o esgoto gerado por 45% de toda a população brasileira não recebe qualquer tipo de tratamento, aumentando os riscos de poluição e contaminação de rios, lagos e outros mananciais onde os rejeitos são lançados. Diariamente, 5,5 mil toneladas de esgoto não tratado chegam principalmente aos rios, mas também vão parar em reservatórios de água, mananciais e lagos do país.
Os dados estão em estudo inédito sobre o saneamento básico no país produzido pela Agência Nacional de Águas (ANA), autarquia federal responsável pela gestão dos recursos hídricos brasileiros, divulgado ontem. A agência reguladora pesquisou a situação dos serviços de esgotamento sanitário em todos os 5.570 municípios brasileiros.
O levantamento aponta que 43% da população brasileira urbana são atendidos por sistema coletivo (rede coletora e estação de tratamento de esgotos); 12%, por solução individual (fossa séptica); 18% se enquadram na situação em que os esgotos são coletados, mas não são tratados; e 27% são desprovidos de atendimento, ou seja, não há coleta nem tratamento de esgoto. Somando a parcela dos cidadãos que não têm esgoto tratado e os que não têm coleta, são 45% da população, ou 93,6 milhões.
Pela primeira vez um estudo levantou, em todas as cidades do país, as condições do tratamento dos resíduos coletados. Os resultados mostram que, apesar de a maioria da população ter algum tipo de coleta de esgoto, mesmo que de forma individual, esses resíduos são tratados de maneira inadequada e ineficiente na maior parte do país.
A resolução nacional que estabeleceu condições e padrões de lançamento do esgoto na natureza determina que o tratamento dos resíduos deve remover 60% da carga orgânica antes do lançamento direto na água limpa. Entretanto, a maioria das cidades brasileiras (4.801 cidades, totalizando 129,5 milhões de habitantes) apresenta níveis de remoção de esgoto inferiores ao percentual definido pelo governo.

SITUAÇÃO COMPROMETE ABASTECIMENTO DE ÁGUA
No outro extremo, apenas 769 cidades (14% do total) têm índices de remoção de esgoto superiores a 60%, sendo que a Região Sudeste concentra a grande maioria dessas cidades. Tudo que não é tratado adequadamente vai para as águas do Brasil, principalmente para os rios.
O coordenador do estudo, Sérgio Ayrimoraes, afirma que o esgoto despejado nos rios brasileiros tem relação direta com a crise de abastecimento de água em grandes cidades como São Paulo. Brasília hoje passa por um racionamento que deixa a população pelo menos um dia sem água a cada seis dias.
- Não basta o esgoto ser tratado, ele precisa ser tratado com um nível de eficiência. O resultado da ineficiência é rio poluído. Do ponto de vista da segurança hídrica, do abastecimento das cidades, a relação do esgoto sem tratamento com o agravamento da crise hídrica é direta. Uma das consequências da poluição é não poder usar essa água para o abastecimento humano - disse.
O levantamento da Agência Nacional de Águas aponta que 70% dos 5.570 municípios têm tratamento de esgoto com, no máximo, 30% de eficiência. O restante dos dejetos que não é tratado vai para os rios. E apenas 31 dos cem municípios mais populosos têm remoção de esgoto acima de 60%. Os estados de São Paulo e Paraná, além do Distrito Federal, tratam adequadamente mais da metade de todo o esgoto gerado por sua população.
Em todo o país, são geradas cerca de 9,1 mil toneladas de esgoto por dia. Os 106 municípios com população acima de 250 mil habitantes são responsáveis por 48% do total. É sobre esse montante que deve haver uma remoção de ao menos 60% do esgoto antes de o material ser lançado na natureza.

SITUAÇÃO PIOR NO NORDESTE E SUDESTE
Aliado ao déficit na coleta e no cuidado do esgoto, somente um terço das estações de tratamento identificadas usam processos com remoção de material orgânico superior a 80%, concentradas na Região Sudeste.
O estudo alerta que essa situação do saneamento no Brasil pode comprometer a qualidade da água, principalmente próximo a áreas urbanas, havendo risco de afetar a saúde da população e até inviabilizar seu uso, especialmente para o abastecimento humano. Com tanto esgoto, tratado ou não, indo diariamente para a água limpa, os rios não dão conta de absorver e diluir todo o material orgânico.
Assim, 57% da população brasileira estão em municípios em que os rios não têm vazão suficiente para a diluição da carga orgânica sem recorrer a processos de tratamento mais eficientes ou comprometer a qualidade de água. Do total da malha hídrica avaliada na situação atual, cerca de 4,5% (83.450 quilômetros) estão com concentração de matéria orgânica equivalente aos limites estabelecidos para a classe 4, o pior grau na classificação feita pela ANA, "o que restringe significativamente as possibilidades de uso dessas águas".
Após avaliar todo o passivo brasileiro na área de saneamento, foi possível aos pesquisadores da ANA chegarem ao investimento necessário para universalizar a coleta e o tratamento do esgoto no Brasil até 2035: R$ 150 bilhões. Esse número foi detalhado para cada cidade do país, levando em consideração uma série de aspectos. Os autores do estudo identificaram as regiões Nordeste e Sudeste como as que mais precisam de investimentos. A avaliação é decorrente do baixo nível de cobertura, da alta ocorrência de rios intermitentes ou efêmeros (caso do Nordeste) e do grande número de aglomerados urbanos densamente habitados (caso do Sudeste).

No Rio, quase 70% dos dejetos não são tratados antes de serem despejados
Todos os dias, 587,5 toneladas de resíduos são lançadas em rios e no oceano

O Estado do Rio de Janeiro produz, todos os dias, 859,8 toneladas de esgoto, o equivalente a 9,4% do que é gerado em todo o Brasil. O estado, no entanto, não é capaz de tratar 68% desse volume antes de descartar na natureza. Com isso, de todo o material orgânico gerado pela população urbana fluminense, 587,5 toneladas são despejadas sem qualquer tratamento ou com tratamento ineficiente, principalmente, em rios e no oceano.
Os dados estão no estudo "Atlas do esgoto no Brasil", produzido pela Agência Nacional de Águas (ANA), divulgado ontem. Em todo o Rio, 73% da população urbana têm seu esgoto coletado, seja por soluções individuais (fossa séptica) ou redes coletivas, segundo o levantamento. Apesar de mais da metade do esgoto ser coletado nas cidades, apenas 42% desse material são tratados.
O esgoto jogado na natureza é tanto que os rios não dão conta de absorver o material. O resultado é o aumento da poluição e a impossibilidade de usar a água para o abastecimento humano, alerta o estudo. O litoral do Rio de Janeiro é a área do Brasil que tem, proporcionalmente, o maior percentual de extensão de trechos de rios com a qualidade da água comprometida pelo esgoto, segundo o levantamento.

30,7% DA ÁGUA COMPROMETIDOS
No estado, 30,7% da extensão dos corpos d'água estão contaminados e não podem ser usados para abastecimento das pessoas. Nessa área, encontram-se 19 das 21 cidades que compõem a Região Metropolitana da capital do estado, abrangendo quase 12 milhões de pessoas. A parcela orgânica que sobra dos esgotos nessa região, que é jogada diretamente na natureza, é de quase 70% da carga gerada pela sua população.
O coordenador do estudo, Sérgio Ayrimoraes, observa que, com uma população concentrada próximo ao litoral e com rios de pequena vazão, a única alternativa do estado é jogar o esgoto no mar. O problema, mostra o estudo, é que o estado faz isso sem tratamento ou com tratamento inadequado na maior parte do esgoto despejado.
Segundo o levantamento, o estado Rio, principalmente as cidades do interior, tem indicadores baixos de tratamento. E, além dos investimentos em obras, é necessário estabelecer marcos institucionais. Falta definir, por exemplo, quem é o prestador do serviço.

RESPONSABILIDADE RELEGADA
Ayrimoraes explica que, historicamente, a Cedae concentra sua atuação na Região Metropolitana e é muito focada no abastecimento de água:
- O sistema de tratamento de esgoto foi relegado a segundo plano. Fica claro na situação do Rio que é preciso uma solução institucional, além dos investimentos.
Segundo o técnico da ANA, as grandes companhias de saneamento fornecem água, mas não se preocupam em assumir o tratamento dos resíduos:
- Hoje, há um passivo de esgoto que precisa urgentemente ser equacionado. Não dá para ficarmos numa situação em que não há responsável pelo sistema de esgotamento sanitário no país.

O Globo, 25/029/2017, Economia, p. 17

https://oglobo.globo.com/economia/no-brasil-esgoto-de-45-da-populacao-n…

https://oglobo.globo.com/economia/no-rio-quase-70-dos-dejetos-nao-sao-t…

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