VOLTAR

Saneamento avança a passos lentos

O Globo, O País, p. 14
20 de Out de 2011

Saneamento avança a passos lentos
Mais de 40% dos municípios não têm rede coletora de esgoto; desperdício de água chega até a 50% em algumas cidades

Carolina Benevides, Efrém Ribeiro, Leticia Lins e Thiago Herdy

RIBEIRÃO DAS NEVES (MG), RECIFE, RIO e TERESINA. Há décadas, o Brasil avança lentamente quando se trata de saneamento básico. Em 2008, dos 5.564 municípios existentes, 2.945 (44,8% do total) ainda não contavam com rede coletora de esgoto. Já os domicílios com acesso à rede não chegavam nem à metade: eram 45,7%. Os dados da Pesquisa Nacional de Saneamento Básico (PNSB) de 2008 e do Atlas do Saneamento 2011, divulgados pelo IBGE, mostraram ainda que em oito anos o número de cidades com coleta de esgoto cresceu menos de três pontos percentuais. Em 2000, 52,2% das cidades tinham acesso à rede. Em 2008, eram 55,1% dos municípios. No entanto, mesmo com esses números, que têm ares de calamidade pública, algumas cidades não têm legislação específica para o setor.
- Telefonia e energia elétrica chegam a quase todos, mas o Brasil ficou 20 anos sem priorizar saneamento. Agora, mesmo investindo R$7,5 bilhões por ano, a gente não avança tanto quanto deveria. As grandes obras têm problemas, e muitas cidades não fizeram seus planos de saneamento ou não têm legislação. Isso permite, por exemplo, que condomínios sejam criados independentemente de terem rede de esgoto - conta Edson Carlos, presidente-executivo do Trata Brasil.
Brasil tem estados estagnados desde 1989
Outro problema apontado pelo Atlas foi a estagnação da coleta de esgoto em alguns estados. Ao comparar as pesquisas de 1989, 2000 e 2008, o Atlas mostrou que Pará, Piauí, Maranhão e Rondônia têm, desde 1989, percentual de até dez cidades com esgotamento sanitário.
- Aqui, o esgoto corre a céu aberto. Uso pá e enxada para tentar impedir que entre em casa - conta José Coutinho da Silva, de 52 anos, morador da Vila Afonso Gil Castelo Branco, em Teresina, onde o esgoto e os dejetos de 3,5 mil habitantes passam pela rua principal e formam um córrego de lama, que termina sendo despejado sem nenhum tratamento no Rio Parnaíba.
Presidente Nacional da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (Abes), Cassilda Teixeira chama atenção para o fato de o país investir hoje quase três vezes o que investia em 2000 ou em 2001, e ainda assim avançar lentamente na universalização dos serviços:
- O país investia R$2,5 bilhões no começo da década passada. Agora, são R$7,5 bilhões por ano, mas, se a gente continuar trabalhando do mesmo modo, vamos universalizar o serviço só em 2060. É preciso que haja um pacto nacional, que acabe também com a discrepância entre as regiões e os estados.
Um pouco mais otimista, Edson Carlos diz que o país universalize o saneamento em 2050:
- O Ministério das Cidades diz que é preciso investir R$420 bilhões até 2030. Sendo R$270 bilhões só para água e esgoto. Uma conta rápida mostra que estamos aplicando menos do que isso, mas a verdade é que esbarramos em projetos mal feitos, em licenças ambientais demoradas e até em falta de capacidade técnica.
Trinta e três cidades não
têm abastecimento de água
Além de reunir dados sobre esgoto, o Atlas apresenta informações sobre os outros três pilares do saneamento - lixo, água e drenagem. E mesmo o Brasil tendo quase universalizado o abastecimento de água, 33 municípios ainda não contavam com o serviço, em 2008. Desses, 21 estavam no Nordeste, sendo 11 na Paraíba.
No entanto para especialistas, o que chama a atenção é o desperdício de água por conta de vazamentos entre a captação e o consumidor e de ligações clandestinas. Segundo o Atlas, 60% das cidades com mais de cem mil habitantes perdem de 20% a 50%.
- O índice aceitável é de 15%, mas o Japão, por exemplo, perde entre 10% e 12%. Quando é superior, a perda poderia ser evitada. Essas cidades que têm até 50% poderiam atender mais gente diminuindo o índice.
O Atlas mostrou ainda que 23% dos municípios convivem com racionamento de água. E que quase 90% não possuíam, em 2008, formas de conter a água das chuvas, o que fez com que 2.274 cidades sofressem com inundações.
Moradora da comunidade Escorregou Tá Dentro, em Recife, Noemia Silva conta que já nem sabe quantas viagens faz por dia para buscar água:
- Como só tenho balde muito pequeno, acho que são umas cem vezes.
Em Ribeirão das Neves, Região Metropolitana de Minas Gerais, o esgoto passa ao largo de 41% dos habitantes. E pelo menos 16% deles não têm sequer acesso a água tratada. O índice de esgoto tratado por volume de água consumido é de apenas 3%, de acordo com levantamento feito pelo Instituto Trata Brasil.
- A falta d"água e de coleta de lixo deixam as pessoas expostas. Elas podem ter diarreias, que em alguns casos levam ao óbito. E o problema também propicia que haja casos de dengue, já que o Brasil é uma área endêmica - diz Gabriel Schütz, professor do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, da UFRJ.
Ministro da Saúde, Alexandre Padilha reconhece que é fundamental ampliar o serviço de saneamento:
- Estudos mostram que a cada R$1 investido em saneamento é possível economizar R$4 reais em gastos de saúde. O saneamento é prioridade. Nós estamos voltando as ações para os municípios menores que têm dificuldades para fazer ações e projetos para a população. Para o Ministério da Saúde, avançar no saneamento é fundamental não só para os municípios sem coleta de esgoto como para o controle da dengue.

No Rio, o descaso despejado na Baixada

Rogério Daflon

A Baixada Fluminense é para onde convergem os mais graves problemas de saneamento do Rio. Só uma estação de tratamento de esgoto, a de Sarapuí, em Belford Roxo, serve a região em grande escala, diz a ONG FASE (Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional). Outras estações pequenas funcionam, mas sem dar a vazão necessária.
- E o pior é que boa parte do esgoto não tratado, cerca de 70% do total, deságua na Baía de Guanabara - disse a urbanista Rossana Tavares, da FASE.
Não à toa, na região, os dados do Atlas de Saneamento se traduzem em cenas chocantes. Casas jogam esgoto por canos instalados acima de um grande valão; acompanhando a trajetória do valão, depara-se com o Rio Guandu. No bairro de Nova Belém, Japeri, Fabiana Carvalho, doméstica desempregada e com quatro filhos, diz que a população só tem água "de madrugada":
- Temos que estocar.
No Morro da Mata Virgem, em Rodilândia, Nova Iguaçu, um cano clandestino que se conecta à rede estadual de água serve a todos os moradores, que estocam água em garrafas pet ou em caixas d"água sujas. Tatiane Menezes e todos os moradores dali tomam banho de caneca e, como não há esgotamento, lançam detritos na terra ou em valões.
- O risco de leptospirose é enorme - observou Tatiana, que ontem levou as duas filhas para beber água diretamente do cano clandestino.
Presidente da Cedae, Wagner Victer diz que os dados do Atlas demonstram uma melhora do estado no setor:
- Temos de avançar, sobretudo na Baixada. Mas, mesmo nessa região, estamos acima da média nacional. Já na capital, quanto ao tratamento de esgoto, 59% já estão resolvidos. Com a ETI de Sarapuí e a de Alegria, o esgoto tratado que chega à Baía de Guanabara triplicou.

O Globo, 20/10/2011, O País, p. 14

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.