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Salvas, no fundo do mar

CB, Brasil, p.8
19 de Jul de 2004

Salvas, no fundo do mar

Será votada amanhã na Itália proposta brasileira para criação de um santuário aquático de proteção a dez espécies de baleias que nadam na costa do país. Japão lidera grupo de países contrários à medida

Ullisses Campbell
Da equipe do Correio
Amanhã é um dia decisivo para o destino de dez espécies de baleias que freqüentam a costa brasileira. Será votada na 55ªreunião anual da Comissão Internacional da Baleia (CIB), em Sorrento, Itália, a proposta do governo brasileiro de criação de um imenso santuário para preservar esses mamíferos no Atlântico Sul. Se aprovado o projeto, a caça comercial às baleias estará definitivamente proibida em cerca de 25 milhões de quilômetros quadrados de águas oceânicas.
Atualmente, um bloco de cinco países liderado pelo Japão caça seis espécies de baleias sob pretexto de experiência científica. Os japoneses retiram do mar antártico e do Pacífico Norte baleias minkes, cachalote, bryde e até baleia-sei, a mais difícil de ser vista. Todas habitam a costa brasileira e estão cada vez mais raras. A Islândia segue a mesma farsa e mata cerca de 30 baleias minkes por ano, diz José Truda Palazzo Junior, chefe do Centro de Mamíferos Aquáticos do Ibama e vice-comissário do Brasil na Cib.
Na mesma reunião, os 53 membros da Comissão decidirão se autorizam ou não a volta do abate de baleias no segundo semestre deste ano em todo mundo. No Brasil, a caça está proibida desde 1987. Na década de 70, o governo militar autorizava a captura em escala industrial das baleias, o que fez com que esses cetáceos quase desaparecessem.
O Brasil já propôs a criação do santuário de baleias em conjunto com a Argentina três vezes na CIB. Mas em todas elas o projeto foi negado. A Comissão que julga a proposta costuma ceder aos lobbies pesados da indústria baleeira. Dessa vez, poderá ser diferente. Os funcionários do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e de organizações não-governamentais que estão na Itália para acompanhar a votação recorreram também ao lobby, mas em favor das baleias.
Todas as vezes em que o Brasil apresentou na CIB a proposta do santuário, o projeto teve a maioria dos votos. Na reunião do ano passado, ocorrida na Inglaterra, foram 24 votos a favor, 19 contra e três abstenções. Mas para a aprovação são necessários três quartos dos votos. A comissão brasileira já fez as contas e dessa vez está confiante. Dos 53 membros que compõem a CIB, 18 já declaram que votarão a favor e 15 se mostraram simpáticos a idéia, o que somaria 33 votos.
A maior confiança, no entanto, vem de uma carta que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que anda com seu prestígio internacional em alta, mandou a todos os países que compõem a comissão, apelando que o santuário seja criado para que as baleias não voltem a ser caçadas no Atlântico Sul. Quem leu a carta diz que os argumentos do presidente são comoventes. Todos os anos, o governo brasileiro faz contatos diplomáticos junto aos países membros para tentar convencê-los. Dessa vez, acho que a proposta será aprovada, ressalta o chefe do Centro de Mamíferos Aquáticos do Ibama, Régis Pinto de Lima.
Em grande escala
Na oposição à proposta de criação do santuário estão o Japão e uma penca de países tão pequenos quanto desconhecidos, como Belize, Tuvalu, Gabão, Palau e Saint Kitts. A população de alguns desses países cabe dentro do Maracanã. Apesar disso, eles têm votos com o mesmo peso de países como os Estados Unidos e Brasil. Entre as maiores nações, além do Japão, Islândia e Noruega fazem forte pressão pela aprovação da caça em grande escalada desses mamíferos, que são os maiores animais que já habitaram o planeta.
Entre os argumentos dos países que defendem a volta da captura das baleias, existe de tudo. Há pesquisas ditas científicas que asseguram que esses animais não têm função alguma na cadeia alimentar e que não fariam falta se desaparecessem do mundo. Os japoneses arregimentam o máximo que podem de países pequenos para votar contra a criação do santuário. Eles argumentam que há vários estudos assegurando que a caça de algumas espécies não ameaçará a fauna.
O Japão caça, com autorização da CIB, mais de 500 baleias minkes por ano a título de pesquisa. Esse animal é uma das menores baleias do mundo e percorre toda costa do nordeste brasileiro. (Confira ao lado as baleias que freqüentam a costa brasileira). As minkes são capturadas por navios-baleeiros que industrializam e enlatam o óleo dos animais ainda em alto-mar. Do outro lado do mundo, a carne de baleia é vendida em restaurantes finos. Dos ossos, é feita uma farinha rica em nutrientes. A maior parte do animal é usada na indústria de cosméticos.
No século passado, mais de 2 milhões de baleias foram mortas em caça comercial, reduzindo a população desses animais em 90%. A baleia azul, o maior animal vivo do planeta, quase desapareceu. No Brasil, a Paraíba foi sede de várias empresas japonesas que caçaram exaustivamente todas as espécies, principalmente a minke. A última empresa de caça que operava no país, a Cooperativa de Pesca do Brasil (Copesbra), fechou em 1985. Nesse período, as baleias sumiram da costa brasileira. Como dão à luz apenas um filhote a cada um ano e meio, a população demorou a crescer.
2 milhões desses que são os maiores animais sobre a face da Terra foram mortas pela caça comercial no século passado
500 baleias minkes são caçadas por ano no Japão. Na época da reprodução, esses mamíferos freqüentam as águas brasileiras
Em nossos mares

JUBARTE
(Megaptera novaengliae)

Animal grande, é famoso pelo temperamento dócil. Aproxima-se de barcos para fazer exibições. Isso fez dela presa fácil no passado. Na década de 70, a população de jubartes foi reduzida em 85%. Hoje, existem apenas 12 mil unidades no mundo. Vem com freqüência ao litoral brasileiro para fugir do congelamento dos mares austrais. Migra do pólo sul numa viagem que dura oito meses e é feita toda em jejum. Ocorre grande concentração no banco de Abrolhos, na Bahia.

BALEIA-AZUL
(Balaenoptera musculus)

Maior animal vivo existente na terra, a baleia-azul nada em todos os oceanos do mundo. O corpo é azul escuro, mas a parte inferior é branca-amarelada. Na última lista de animais em extinção divulgada pelo Ibama, essa espécie aparece como um animal criticamente em perigo de desaparecer. As fêmeas chegam a medir 30 metros de comprimento. Emite um ruído aterrorizante e nada até 30 quilômetros por hora. Nas décadas de 30 e 40, a baleia-azul foi caçada exaustivamente. É rara na costa brasileira. Estima-se que existam apenas 1,2 mil exemplares no Hemisfério Sul.

FRANCA
(Eubalaena australis)

Assim como a jubarte, a baleia franca também é pacata. Gosta de se aproximar de barcos em alto mar. Chega tão próximo do litoral que, às vezes, fica encalhada em praias. Essa espécie não tem dente e alimenta-se só de camarão. São famosas pelas verrugas brancas que têm na cabeça e pelo jato dágua em forma de V que soltam quando respiram. No passado, acreditava-se que essa espécie havia sido extinta.

CACHALOTE
(Physeter macrocephalus)

Animal sociável, vive em grupos de até 50 indivíduos. É encontrada em todos os oceanos e freqüenta toda a costa brasileira. O Ibama considera um animal ameaçado de extinção. Atinge 20 metros de comprimento e pesa 35 toneladas. É o mamífero que mergulha mais fundo no oceano, chegando a 2 mil metros de profundidade. Fica sem respirar por quase duas horas. Valente, enfrenta até tubarões em alto mar. É identificada com facilidade por conta da sua cabeça grande e alta. Ganhou notoriedade no mundo por causa da novela americana Moby Dick, de Herman Melville.

BALEIA FIN
(Balaenoptera physalus)

Animal de médio porte, chega a 20 metros de comprimento. Apesar do tamanho, consegue se lançar completamente fora dágua. São as espécies mais rápidas e fogem de barcos como o diabo da cruz. É um animal pouco estudado pelos pesquisadores justamente por conta da população reduzida. Raramente esse animal é avistado.

BALEIA DE BRIDE
(Balaenoptera edeni)

Vive em todas as águas tropicais dos oceanos. Animal pequeno, mede até 15 metros e não realiza grandes migrações. Geralmente vive solitária ou em par. Apesar de não ser muito conhecida, foi bastante caçada na década de 70, período em que quase desapareceu do planeta.

BALEIA SEI
(Balaenoptera borealis)

É a baleia mais rápida do mundo. Nada apenas na superfície. Monogâmica, forma casal para o resto da vida. Na costa do Brasil, já foi avistada no litoral do Pará e Bahia. O Ibama pôs essa espécie recentemente na lista de animais ameaçados de extinção.

MINKE
(Balaenoptera bonaerense)

Baleia pequena, não passa de dez metros de comprimento. Tem coloração cinza-escura. Pode ser vista em toda costa do nordeste brasileiro. Aproxima-se de embarcações e, só na década de 70, mais de 8 mil exemplares foram mortos na costa da Paraíba por empresas japonesas. Não está na lista de animais ameaçados de extinção.

CB, 19/07/2004, p.8

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