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Saída 'espalhafatosa' da ministra irrita presidente

OESP, Nacional, p. A6
14 de Mai de 2008

Saída 'espalhafatosa' da ministra irrita presidente
Em conversa com assessores, Lula vê componente eleitoral na forma com Marina deixou o governo

Luciana Nunes Leal e Tânia Monteiro

Apesar das trombadas constantes com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pelo menos quatro ministros da Esplanada, o Planalto esperava que Marina Silva tivesse mais disciplina partidária na hora de deixar o governo. O presidente ficou irritado e, em conversas com assessores, classificou de "espetaculosa" e "espalhafatosa" a forma como a ministra do Meio Ambiente deixou o cargo. Para Lula, houve um componente eleitoral na forma como Marina saiu.

As desavenças do Meio Ambiente eram constantes com os ministros da Agricultura (Reinhold Stephanes), da Ciência e Tecnologia (Sérgio Rezende), da Casa Civil (Dilma Rousseff) e das Minas e Energia, pasta que já foi ocupada por Dilma, no primeiro mandato de Lula, Silas Rondeau, e agora está com Edison Lobão.

Lula se disse "surpreso" e "indignado" com a decisão de Marina Silva e reclamou, em especial, do fato de a notícia ter chegado à imprensa antes de ele ser oficialmente informado da demissão.

A carta de demissão foi enviada ao Palácio do Planalto e entregue, protocolarmente, ao chefe de gabinete da Presidência, Gilberto Carvalho, mas Lula não estava no palácio naquele momento.

O presidente, segundo a assessoria do Planalto, só leu a carta às 19h30. Antes, por volta das 18h30, quando a imprensa até já especulava sobre substitutos possíveis para o lugar de Marina Silva, assessores de Lula informavam que o presidente ainda não tinha lido a carta de demissão e "nem tinha intenção de fazê-lo tão cedo".

A essa altura ele estava trancado em seu gabinete e nem sequer atendia aos chamados ministros palacianos, os que têm gabinete no próprio palácio e estão sempre em contato com a Presidência.

Lula reclamava, principalmente, da "posição de vítima" com que Marina travestiu a demissão. Para o Planalto, a ministra desenhou claramente uma estratégia para punir o governo, que, de agora em diante, será alvo de críticas dos movimentos ambientalistas, principalmente das organizações não-governamentais estrangeiras, com as quais Marina tinha bom trânsito.

No início da tarde, durante solenidade do Ministério das Relações Exteriores, o presidente demonstrou impaciência enquanto aguardava, no saguão do Itamaraty, a chegada do primeiro-ministro da Áustria, Alfred Gusenbauer. Lula falou rispidamente com assessores da Presidência e do ministério.

A assessoria do Planalto informou, no entanto, que a irritação do presidente não tinha relação com a saída de Marina Silva, e que o motivo real foi a percepção do presidente de que havia uma desorganização do cerimonial no almoço em homenagem ao primeiro-ministro austríaco.

Escalado para conversar com Marina, o ministro de Relações Institucionais, José Múcio Monteiro, telefonou para ela durante a tarde, mas não foi atendido. A idéia inicial, de tentar fazer a ministra desistir do pedido de demissão, foi então abandonada.

Assessores de Lula admitiam ontem que Marina Silva se considerou desprestigiada com a decisão do presidente de entregar o comando do Plano Amazônia Sustentável (PAS) ao ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos, Mangabeira Unger.

Segundo um assessor da Presidência, a ministra "quase caiu da cadeira" quando foi informada de que Mangabeira seria o gestor do PAS - projeto estratégico que congrega uma série de ações governamentais para promover o desenvolvimento da região, com ênfase na preservação da floresta.

Na avaliação do Planalto, Marina quis mostrar que se considerou injustiçada no governo, mas também tinha uma preocupação com o futuro: é que em 2010 termina o mandato de senadora, e ela terá que enfrentar uma nova campanha para tentar a reeleição. Por isso, os colaboradores do presidente acreditam que Marina entendeu ser a hora de voltar ao Legislativo e se dedicar à conquista de mais um mandato.

Repercussão

Herald Tribune

Em seu site na internet, o jornal diz que a saída da ministra Marina Silva põe fim a um mandato de seis anos que foi freqüentemente marcado por períodos tenebrosos. O texto destaca que Marina protagonizou conflitos com desenvolvimentistas na Amazônia e cita ambientalistas ligados ao Greenpeace para tentar explicar os motivos do pedido de demissão. Diz que a decisão resultou de pressões surgidas por medidas tomadas pela pasta comandada por ela no combate ao desmatamento da floresta, que teria se tornado "insuportável", de acordo com o diretor do Greenpeace no Brasil, Sérgio Leitão. Outra explicação para a saída do cargo apontada na reportagem é a decisão do governo brasileiro de dar prioridade a um "plano de desenvolvimento multibilionário" no qual outro ministro foi designado para cuidar de um projeto de desenvolvimento sustentável para a Amazônia. A ministra é citada pelos ambientalistas como uma grande perda para o País.

BBC

O portal da rádio britânica destacou o fato de Marina ter deixado o cargo sem um motivo claro para o pedido de demissão. Ao apontar que a ministra adotou uma postura crítica em relação a projetos de desenvolvimento do governo, o texto afirma que sua saída tende a aumentar a "percepção de que o presidente Lula está mais preocupado com o desenvolvimento econômico do que com a conservação". De acordo a emissora britânica, a ministra tem culpado o avanço da atividade pecuarista pelo crescente desmatamento da Amazônia. Ao mesmo tempo, ela se opôs "sem sucesso" a diversos projetos de infra-estrutura do governo federal na região da Amazônia, inclusive a construção de duas grandes hidrelétricas no Rio Madeira e uma nova rodovia de grande porte. A emissora acrescenta que a decisão do governo de autorizar o uso de transgênicos e a construção de uma usina nuclear também contrariaram as "preocupações ambientais" de Marina.

OESP, 14/05/2008, Nacional, p. A6

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