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Ruralistas e políticos pressionam contra demarcações em SC

Funai de Chapecó
Autor: Natália Suzuki
08 de Mai de 2007

SÃO PAULO -Quatro terras indígenas no Estado de Santa Catarina - Araça´í, Chapecó, Toldo Pinhal e Toldo Imbu - aguardam para que os marcos físicos dos seus limites comecem a ser definidos pela Fundação Nacional do Índio (Funai). Contudo, o processo enfrenta dura oposição por parte dos ruralistas e de setores políticos catarinenses.

A pressão contra a demarcação aumentou desde o dia 19 de abril, quando o ministro da Justiça, Tarso Genro, assinou as Portarias Declaratórias dessas terras indígenas. Os documentos reconhecem os estudos antropológicos, que atestam a ocupação tradicionalmente indígena nessas áreas, e reafirmam o parecer da Funai sobre a aprovação desses estudos. A partir da publicação das Portarias, o procedimento administrativo da demarcação pode prosseguir.

Essas quatro terras, localizadas na região oeste de Santa Catarina, contemplam uma área de pouco mais de 9 mil hectares. A quantidade de índios residentes na região não é certa, porque muitos vivem dispersos, mas cálculos do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) de Chapecó, a população pode chegar até 10 mil índios dos povos Guarani, Kaingang e Xokleng.

Deputados e vereadores da bancada ruralista se articularam contra o andamento das demarcações, segundo Rildo Mendes, coordenador da Articulação dos Povos Indígenas do Sul (Arpi-Sul). O objetivo é fazer com que o Ministério da Justiça revogue ou anule a portaria.

"Com a publicação das portarias, a possibilidade de revogação é praticamente inexistente. Todos os passos do procedimento administrativo foram cumpridos nos seus prazos, inclusive o da contestação. Na visão do MPF, a anulação ou a revogação das portarias é inaceitável e inconveniente", afirma Maria Rezende Capucci, procuradora da República em São Miguel do Oeste (SC).

Após a conclusão dos estudos antropológicos, três contestações foram feitas: uma pelo Estado de Santa Catarina, outra pelos ocupantes das terras e a última pelos municípios de Saudade e Cunha Porã. Na época, a Funai refutou essas contestações por considerar a validade dos estudos antropológicos.

De acordo com a procuradora, um dos instrumentos de pressão dos ruralistas e políticos é a divulgação de que os agricultores não-índios não receberiam as indenizações previstas pela desapropriação das terras. Segundo ela e as lideranças indígenas, a mídia catarinense tem apoiado essa empreitada ao divulgar falsas notícias.

Dados do levantamento fundiário do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) apontam que 525 famílias de não-índios -agricultores, posseiros e fazendeiros - vivem sobre as terras a serem demarcadas. Parte da zona urbana da cidade de Abelardo Luz também faz parte da área.

No caso de Toldo Imbu, a ocupação é feita por grandes propriedades; 85% da área de 1,9 mil hectares pertencem a apenas três grandes agricultores, cujo plantio é a monocultura de soja. Nas outras três terras, vivem pequenos agricultores, que desenvolvem o plantio familiar, segundo o Cimi.

De acordo com o Fórum em Defesa dos Direitos Indígenas, instância que congrega organizações indígenas e entidades indigenistas e de apoio, todos agricultores serão indenizados. Os pequenos agricultores que não possuírem títulos fundiários, mas comprovarem a ocupação no local, serão reassentados pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), por meio de financiamento do Banco da Terra ou por meio de terras desapropriadas para a reforma agrária. "Ninguém vai ficar tolhido dos seus direitos", garante a procuradora Maria Rezende Capucci.

Segundo o Ministério Público Federal, o Estado de Santa Catarina é contra as demarcações por ser responsável pela indenização sobre a terra. Geralmente, em processos de demarcação, a União arca com os custos indenizatórios sobre as benfeitorias feitas pelos antigos donos. Neste caso, há uma peculiaridade. De acordo com as informações do Cimi e da procuradoria da República, no começo do século, o Estado se apropriara das terras de ocupação indígena e concedeu a empresas colonizadoras, que, por sua vez, venderam-nas para agricultores. Por conta disso, grande parte dos ocupantes não-índios tem o título fundiário, que caracteriza uma ocupação de boa-fé.

Como o estado é responsável pela cessão indevida dessas terras, é ele quem deve arcar com a indenização, já que um decreto estadual determina tal obrigação.

O Ministério Público Federal afirmou que se houver revogação das portarias, uma ação civil pública será ajuizada contra o Ministério da Justiça e o Ministro será acusado de improbidade administrativa.

Importância da demarcação
"A demarcação das terras tem uma importância histórica, além de representarem melhorias para a qualidade de vida dos indígenas. As terras já são ocupadas [por índios], e ela está ficando pequena, porque a população está crescendo", afirma Valdecir Oliveira Santos, cacique da aldeia de Toldo Imbu.

O Ministério Público Federal encaminhou uma moção a autoridades e à presidência da República para pedir a conclusão da demarcação de Araça´í. No documento, o MPF aponta a "grave situação em que se encontra a comunidade indígena denominada Guarani do Araça´í que, expulsa de suas terras, já reconhecidas como tal, está residindo em território de outro povo, culturalmente diferente".

O relatório do MPF menciona que a irresolução acirra o conflito iminente entre indígenas e colonos, "com sérios riscos de morte de ambas as partes" e cita o exemplo: "em recente episódio no qual a comunidade indígena retornou à sua terra, mas foi expulsa pelos colonos que fizeram uso, inclusive, de máquinas da Prefeitura Municipal de Saudades para cavar um buraco no qual ameaçavam enterrar os índios (chamados de "macacos"), sob gritos de que "se queriam terra, iriam tê-la".

Localização e dimensão das terras indígenas de Santa Catarina
1 - Terra Indígena Araçaí, povo indígena Guarani, localizada nos municípios de Saudades e Cunha Porã, com 2.721 ha; 121 famílias de não-índios;
2 - Terra Indígena Xapecó - Gleba Canhadão, povo indígena Kaingang, localizada no município de Ipuaçu, com 660 ha (essa gleba faz parte da TI Xapecó, reservada ao povo Kaingang no início do século XIX); 32 famílias de não-índios;
3 - Terra Indígena Toldo Pinhal - Povo Kaingang, localizada nos municípios de Seara, Arvoredo e Paial, com 3.975 ha; 311 famílias de índios;
4 - Terra Indígena Imbu, povo indígena Kaingang, localizada no município de Abelardo Luz, com 1.965 há; 61 famílias de não-índios;

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