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Rumo à fornalha

O Globo, Sociedade, p. 21
10 de Nov de 2015

Rumo à fornalha
Temperatura deste ano bate patamar histórico e acena com um 2016 de calor inédito

RENATO GRANDELLE
renato.grandelle@oglobo.com.br

Temperatura deste ano bate patamar histórico; 2016 deve ser pior. A Humanidade acaba de chegar ao meio de um caminho considerado sem volta rumo a mudanças climáticas de grande impacto. Um estudo divulgado ontem pelo Met Office, o serviço britânico de meteorologia, mostrou que só de janeiro a setembro deste ano, a temperatura média da Terra teve um aumento de 1,02 grau Celsius em relação ao início da Revolução Industrial. É a primeira vez que se registra um aumento dessa magnitude e se rompe o patamar de 1 grau Celsius.
O número é significativo porque considera a temperatura medida em todo o planeta, inclusive nos gélidos polos. Até agora, estimava-se que o aumento não chegaria a 0,85 grau Celsius. No levantamento, divulgado a apenas três semanas da Conferência do Clima de Paris (COP-21), os cientistas preveem que, se o aumento da temperatura global chegar à marca de 2 graus Celsius, o homem perderá o controle sobre o meio ambiente.
Como a economia mundial passa por uma aceleração e o principal motor da indústria são fontes emissoras de gases do efeito estufa, o planeta pode encerrar o século com termômetros até 4 graus Celsius mais elevados. Hoje, a temperatura média do planeta é de cerca de 14 graus Celsius.
A pesquisa comparou a média das temperaturas registradas entre os anos de 1850 e 1900 com a observada entre janeiro e setembro de 2015. A grande diferença, que surpreendeu os cientistas, foi atribuída à ação humana e ao início de grandes fenômenos climáticos, como o El Niño.
- Esta é a primeira vez que atingimos o marco de 1 grau Celsius e está claro que a ação humana está levando o clima a um território desconhecido - destaca Stephen Belcher, diretor do Centro Hadley do Met Office. - Temos um El Niño em desenvolvimento no Oceano Pacífico e isso terá um efeito ainda maior sobre a temperatura global este ano.
Com a constante quebra de recordes de calor, acredita-se que 2015 será o ano mais quente desde o início dos registros históricos, em meados do século XIX. E o calor deve continuar a se intensificar em 2016. Para os climatologistas, é quase certo que a nova edição do El Niño estará entre as três mais intensas desde meados do século XX.
- Isso não quer dizer necessariamente que, em todos os anos, o contraste em relação à média histórica será tão alto - pondera Belcher. - No entanto, à medida que o mundo continuar aquecendo, veremos esta marca inédita tornarse mais comum. Em algum momento, ela vai virar uma norma. BRASIL AQUECE AINDA MAIS De acordo com o Met Office, cerca de 2,9 mil gigatoneladas de CO2 devem ser lançadas na atmosfera até que a temperatura global aumente 2 graus Celsius. No entanto, os países industrializados já emitiram 2 mil gigatoneladas de gases do efeito estufa.
Em nota, o serviço britânico assegura que, embora crítica, a situação do planeta não é irreversível: "As pesquisas sugerem que é possível limitar o aquecimento a 2 graus Celsius". Mas a pesquisadora Suzana Kahn, da Coppe-UFRJ, acredita que o aquecimento global é "inequívoco" e só tende a aumentar.
- No horizonte que conhecemos, não há retorno - explica. - Seguindo a atual tendência, é possível que, em 2020, observemos temperaturas que só eram esperadas para o fim do século. As únicas incertezas são ligadas ao tamanho dos impactos. Onde haverá mais chuvas, ou as regiões que ficarão mais áridas, por exemplo.
Para André Nahur, coordenador do Programa de Mudanças Climáticas e Energia do WWF-Brasil, a progressão da temperatura segue um ritmo muito maior do que mostram os cenários científicos.
- Isso foi bastante visível nos últimos dois meses no Brasil, em plena primavera, onde diversas regiões tiveram temperaturas acima de 40 graus Celsius - lembra. - O El Niño contribuiu para estes recordes, mas, mesmo sem ele, já nos encontramos em um cenário de aumento exponencial que ressalta como devemos agir agora. Ainda estamos em uma curva ascendente de emissões.
Nahur destaca que os índices históricos analisados pelo Met Office consideram medições realizadas em todo o planeta. O aquecimento, porém, ocorre de forma assimétrica. O Brasil, por exemplo, experimenta um aumento da temperatura muito superior ao de outras regiões.
- As medições são realizadas da Groenlândia ao Deserto do Saara - ressalta. - Se avaliarmos apenas o que ocorre no Brasil, a elevação da temperatura é ainda maior. O país é muito vulnerável às mudanças climáticas. Alguns locais já aqueceram 3 graus Celsius desde 2000, e este índice pode chegar a 7 graus Celsius no fim do século.
No mês passado, a ONU informou que cerca de 150 países anunciaram metas voluntárias para corte da emissão de gases-estufa. A soma de esforços, porém, não é suficiente para evitar mudanças climáticas. As propostas dos chefes de Estado fariam a temperatura do planeta subir 2,7 graus Celsius.
O principal objetivo da COP-21 será convencer os governantes a estabelecer ainda mais compromissos. Outra preocupação é assegurar que suas metas comecem a ser cumpridas já a partir deste ano, em vez de serem válidas apenas a partir de 2020, quando o acordo global de Paris deveria entrar em vigor.

CO2 na atmosfera atinge nível recorde em 30 anos

Os níveis dos gases do efeito estufa na atmosfera tiveram uma alta recorde em 2014, num momento em que o implacável agravamento das mudanças climáticas faz com que o planeta fique mais perigoso para as gerações futuras, disse a Organização Meteorológica Mundial (OMM), uma agência da ONU, nesta segunda-feira.
"Todo ano, dizemos que o prazo está se esgotando. Temos que agir agora para reduzir as emissões de gases do efeito estufa se quisermos ter uma chance de manter o aumento da temperatura em níveis administráveis", disse o secretário-geral da entidade, Michel Jarraud, em comunicado.
Gráficos de emissões elaborados por essa agência da Organização das Nações Unidas mostram a elevação constante dos níveis de dióxido de carbono, o principal gás do efeito de estufa, que alcançou 400 partes por milhão (ppm), estabelecendo um novo recorde a cada ano desde que foram iniciados monitoramentos confiáveis, em 1984.
Os níveis de dióxido de carbono alcançaram a média de 397,7 ppm em 2014, mas rapidamente romperam a barreira de 400 ppm no hemisfério norte no início de 2014, e novamente no início de 2015. Logo, 400 ppm será uma realidade permanente, disse Jarraud.
"Isso significa temperaturas mais quentes no mundo, eventos climáticos mais extremos, como ondas de calor e inundações, derretimento de gelo, elevação do nível do mar e aumento da acidez dos oceanos. Isto está acontecendo agora e estamos nos movendo em território desconhecido em uma velocidade assustadora", afirmou.
O aumento nos níveis de dióxido de carbono vem sendo amplificado por níveis mais elevados de vapor de água, que por sua vez foram subindo por causa das emissões de dióxido de carbono, afirmou a WMO.
Níveis dos outros dois principais gases do efeito de estufa produzidos pelo homem, o metano e o óxido nitroso, também continuaram sua inexorável ascensão anual em 2014, chegando a 1.833 partes por bilhão (ppb) e 327,1 ppb, respectivamente. Ambos tiveram seu mais rápido ritmo de aumento em uma década.
O painel de cientistas do clima da ONU estima que as concentrações de dióxido de carbono, metano e óxido nitroso são as mais elevadas em pelo menos 800.000 anos.
Mais de 150 países, liderados pela China e Estados Unidos, os maiores emissores de gases de efeito estufa, divulgaram planos para limitar as emissões de gases do efeito de estufa a partir de 2020. Mas os planos revelados até agora não irão reduzir as emissões o suficiente para atender a uma meta acordada em 2010 de limitar o aquecimento mundial a menos de 2o Celsius em relação aos níveis pré-industriais.

O Globo, 10/11/2015, Sociedade, p. 21

http://oglobo.globo.com/sociedade/ciencia/meio-ambiente/co-na-atmosfera…

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