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Ruínas em meio ao azul do mar

O Eco - www.oeco.com.br
Autor: Cássio Garcez
29 de Out de 2010

Conforme íamos deixando o Porto do Forno, por volta das 9h, o legendário vento nordeste de Arraial do Cabo (RJ) se fez cada vez mais presente. A embarcação caturrou bastante, mas nem tanto quanto o faria mais tarde, na volta...

Apesar do vento, levamos 20 minutos apenas até o costão da Ilha. Quando chegávamos à Enseada do Maramutá, onde se inicia a trilha que leva ao Farol Velho, percebemos já de longe pescadores tradicionais em sua faina de recolhimento de redes. Imediatamente nosso barqueiro, Mansur, explicou que precisaríamos aguardar suficientemente distanciados o término dessa atividade, para assim então desembarcar. No entanto, logo que aqueles nos viram, começaram a gesticular efusivamente no intuito de nos repelir, parecendo estar enfurecidos com a nossa presença. Compreendemos que tal atitude deveria ser o resultado de anos de conflitos entre o pessoal da pesca e alguns promotores de turismo pouco conscientes, barulhentos e poluidores, o que não era o nosso caso.

Por sorte, a lancha de apoio da Marinha (chamada de LAP, pelos militares) surgiu ao longe, seguindo bem próxima à Ilha para aproveitar a barreira contra o forte vento. A embarcação faz viagens diárias transportando pessoas e materiais entre o continente e a Praia da Ilha, onde existe um posto de vigilância. Como estávamos em sua rota, o Mansur solicitou a intervenção dos militares a nosso favor. Um oficial de alta patente que estava a bordo solicitou nossa autorização, confirmando que estava tudo certo. Logo a seguir, um marinheiro sinalizou para os pescadores sobre a liberação, quando a LAP ia se afastando de nós. Só aí a poeira baixou.

Aproveitando o desfecho positivo e o total recolhimento da rede - que trouxe uma minguada pescaria de bonitos -, começamos a manobra de desembarque. A recepção foi surpreendentemente cordial, já que tivemos até a ajuda de alguns dos mesmos pescadores que há pouco nos hostilizavam. Eram 9h45 quando o último participante saiu do barco. Como havia se passado muito tempo e não podíamos perder mais nenhum minuto, fizemos uma breve preleção (solicitando a todos trazer o seu lixo, não coletar nada, não fumar, etc.) e rápido aquecimento, entrando na trilha às 10h em ponto.

Às 11h e pouco chegávamos às ruínas da Casa do Faroleiro. Nesta imponente construção em estilo colonial, só restavam as paredes de pedra-de-mão unidas pela argamassa de conchas trituradas, areia e borra de óleo de baleia, além de algumas telhas coxa-de-mulata por cair e raro madeirame que resistiu bravamente aos elementos e ao tempo.

A cena era mágica, como que saída de um filme de aventura: belíssimas ruínas engolidas por uma floresta exuberante, com interessantes detalhes para onde quer que se olhasse. A exemplo disso, achamos um tijolo com marcas de delicados dedos humanos, impressos à época de seu cozimento oitocentista. Em outro, pegadas de um animal, possivelmente um pequeno cão. Uma janela ainda exibia sua moldura de madeira preservada, tal qual algumas das que são encontradas no casario do Centro Histórico de Paraty.

Um beiral finamente ornado e quase intacto, a extensão da área construída e a solidez das paredes confirmavam em parte informações bibliográficas de que foram investidos pesados recursos financeiros, materiais, técnicos e humanos no conjunto de obras do Farol. Tudo para ser perdido para sempre daí a apenas três décadas, por conta da arrogância de seus idealizadores, da falta de sensibilidade ambiental dos mesmos e de seu descaso para com o rico conhecimento das comunidades tradicionais sobre as peculiaridades climáticas da área.

Essa história é talvez um dos mais valiosos temas em educação ambiental de vertente emancipatória existentes na Costa do Sol, uma verdadeira lição da necessidade de se conhecer e se respeitar processos ambientais e saberes tradicionais, de forma crítica e sistêmica quando da elaboração e implementação de obras e intervenções humanas no meio ambiente. Do contrário, é prejuízo e mico na certa, como foi o caso que contei ao grupo e reproduzirei a seguir...

Devido à posição estratégica do Cabo Frio à navegação nos séculos passados e às condições adversas que ocasionaram muitos naufrágios no local, o governo imperial resolveu construir um farol no topo da Ilha homônima, em 1833, para salvaguardar os navegantes. Obra muito cara e difícil, acabou se tornando motivo de orgulho para a província do Rio de Janeiro, já que esta era a construção mais alta deste tipo do Império até então: 390m. No entanto, já no ano de sua inauguração - 1836 - um relatório da Marinha noticiava que as luzes produzidas pelo equipamento não podiam ser vistas a grande distância, denunciando assim sua ineficiência. Desta forma, foram trocados os cristais ingleses - considerados mais grossos do que deveriam ser - e totalmente desmatado o topo da Ilha, com o equivocado intuito de se diminuir a neblina que constantemente se formava ali. Esta, segundo os relatórios oficiais, foi a sentença de morte do farol.

Consta que, desde tempos imemoriais, habitantes daquela região sabiam que era comum a formação de neblina no topo da Ilha, sendo este fenômeno usado ainda hoje como indicador de tempo bom ou chuva. Segundo Elísio Gomes Filho, autor de Célebres Naufrágios do Cabo Frio - obra na qual se baseiam quase todas as informações históricas aqui apresentadas -, quando venta o sudoeste forma-se um espesso manto de neblina lá em cima, indicando chuva. Se o vento desfaz esse manto no sentido leste-nordeste, é sinal de bom tempo.

Em sua presunção e ignorância, os engenheiros e idealizadores do projeto não observaram tais condições naturais e, ao que tudo indica, sequer consultaram moradores e pescadores - ou, se o fizeram, não consideraram suas opiniões. Assim, o farol construído pelo Major Belegard, motivo de vaidade para o Império, teve que ser abandonado após outro ter sido erigido no chamado Focinho do Cabo, em 1861 (em funcionamento até os dias de hoje). Ficou aquele assim conhecido como o Farol Velho, um belo e melancólico monumento à falta de humildade e de inteligência socioambiental.

Chegamos ao nosso objetivo às 11h45. A visão daquela peculiar construção centenária localizada no ponto culminante da Ilha contrastando com a vegetação e o céu azul era emocionante. Do Farol original restava apenas sua estrutura de alvenaria, já que a cúpula que caracterizava o farol propriamente dito (com sua cara armação de ferro fundido, cristais, lentes e engrenagens) deve ter sido desmontada assim que ele foi desativado.

Se já da base do Farol as vistas eram soberbas, do alto elas se tornavam indescritíveis! Foi possível ver desde os contornos do Alto Mourão, no Parque Estadual da Serra da Tiririca, localizado em nossa longínqua Niterói, até a Armação dos Búzios e a cidade de Cabo Frio, passando pela totalidade da Laguna de Araruama, morros como o de São João, em Barra de São João, os Três Picos e o Caledônia, em Friburgo, o Pico do Faraó, entre Cachoeiras de Macacu e Silva Jardim, o Farol Novo, o Pontal do Atalaia e muitos outros deleites visuais. O manto de vegetação da ilha combinava com a miríade de cores do mar ao seu redor, indo desde aquele famoso verde caribenho do Boqueirão, até um azul profundo a perder de vista no horizonte. Que espetáculo delicioso!

Começamos a volta em torno das 13h. Levamos pouco mais de uma hora para chegarmos ao cais. Aproveitando que estávamos aquecidos com a atividade física, alguns participantes resolveram cair e outros fazer mergulho de apneia com equipamento cedido pelo Mansur. A água cristalina e a quantidade de peixes fizeram valer a pena o frio da imersão. Já o restante do grupo ficou lagarteando ao sol.

No retorno, após uma rápida visita à Praia da Ilha e à Gruta Azul, pegamos mais vento e até ondas. Apesar disso, à 17h chegávamos sãos, salvos e extasiados ao cais.

O relato completo desta caminhada pode ser acessado no site http://www.ecoando.com, na seção Diário de Trilha.

http://www.oeco.com.br/meu-passeio/24516-ruinas-em-meio-ao-azul-do-mar

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