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Roupa de 2ª mão move moda consciente

OESP, Vida, p. A20
04 de Ago de 2010

Roupa de 2ª mão move moda consciente
Impactos da indústria da fast fashion, como exploração de trabalho infantil em países pobres, faz consumidores buscarem vestimentas em brechós

Andrea Vialli

Os impactos ambientais e sociais da cadeia produtiva da moda estão levando consumidores a buscar no consumo de roupas e outros artigos de segunda mão um aliado para exercer um comportamento de compra sustentável.
Fora do Brasil, o movimento ganhou força na Europa e nos Estados Unidos, movido pela crise financeira e reforçado pelo aumento da conscientização em relação à sustentabilidade - já que roupas e utensílios usados não demandam novos recursos naturais e energia para serem produzidos. Além disso, crescem os questionamentos de consumidores em relação às práticas trabalhistas da indústria têxtil: muitas empresas terceirizam sua produção para países onde as normas trabalhistas são mais frágeis, como China, Índia e Paquistão.
Esse questionamento ficou mais acentuado na última década, com o fenômeno da fast fashion - moda rápida, alusão à fast food, comida rápida. Nesse sistema, utilizado por redes do mundo todo, o espaço entre o desenho, a produção e a comercialização das peças é curtíssimo e mercadorias novas chegam às lojas todas as semanas, a preços acessíveis. No Brasil, redes como Zara, C&A, Renner e Marisa são expoentes da tendência. Mas muitos consumidores começam a criticar esse modelo, que estimula o consumo e o descarte de roupas.
"Os impactos da indústria da moda estão chegando ao conhecimento dos consumidores, que não querem compactuar com o uso excessivo de agrotóxicos na produção de algodão ou com o trabalho infantil na Ásia. Para essas pessoas, comprar roupas em brechós ou em lojas de segunda mão é uma solução possível", explica a antropóloga Ligia Krás, analista de tendências da empresa de pesquisas de consumo Mindset/WGSN.
Brechós. A antropóloga estuda o consumo de segunda mão ou de peças vintage há dez anos e publicou uma tese a respeito do tema, O Passado Presente: um Estudo sobre o Consumo de Roupas de Brechó, já apresentada em três congressos. Ligia analisa as diferenças culturais que estão por trás do consumo em brechós no Brasil e em países como Noruega e Inglaterra. "Nesses lugares, a compra de vestuário de segunda mão é mais motivada por caridade, já que muitos brechós são ligados a instituições filantrópicas, e pela sustentabilidade. Os brasileiros pensam em moda e exclusividade, mas isso começa a mudar", diz Ligia.
A designer Nana Soma é uma das entusiastas do consumo de roupas de segunda mão. "Comecei a me interessar pelo tema depois que fiz um curso sobre os impactos ambientais da indústria da moda. Passei a rever meus hábitos de consumo e já participei até de bazares de troca de roupas entre amigas", diz ela, que mantém um blog na internet sobre o tema moda consciente.
Apesar dos esforços, ela observa que é difícil encontrar marcas de moda realmente comprometidas com a sustentabilidade e com preços acessíveis. "O jeito é comprar roupas e acessórios no brechó, pois essa ação contribui para reduzir o impacto socioambiental da cadeia produtiva da moda", analisa.
Formada em moda, Viviane Mello, dona da marca Ecológica, que produz sacolas retornáveis em tecidos como algodão orgânico e malha de garrafas PET recicladas, também passou a comprar em brechós para reduzir sua pegada ecológica. "Evito comprar nas redes de fast fashion porque sei que existem impactos na cadeia produtiva, como a exploração da mão de obra em países subdesenvolvidos. Não quero contribuir com isso", diz Viviane, que costuma comprar roupas em brechós e reformá-las.

Glossário
Segunda mão
Artigos - de vestuário, móveis, eletrodomésticos, livros - que foram usados e que retornam ao mercado, em bazares e lojas de usados.
Vintage
Termo em inglês usado para designar itens, especialmente roupas e acessórios, de uma determinada época. No ramo da moda, são consideradas vintage
roupas que são de pelo menos duas décadas atrás, ou seja, anteriores a 1990.
Fast fashion
Modo de produção que passou a dominar em redes de lojas de roupas a partir de 1990. O espaço entre desenho, produção e comercialização das peças é mais curto e mercadorias novas chegam às lojas todas as semanas, a preços acessíveis.

http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20100804/not_imp590068,0.php

Maior consumo esbarra em questões culturais

O interesse pelas roupas de segunda mão ou vintage (de época) cresce entre as pessoas mais atentas a questões como sustentabilidade e estilo, mas ainda esbarra em resistências. "Há quem se recuse a usar uma roupa que pertenceu a outra pessoa, por nojo ou por achar que aquela roupa está impregnada com a "energia" do outro", afirma a antropóloga Ligia Krás, que estuda o consumo de segunda mão. "São barreiras culturais, que não encontrei nos países europeus", diz ela.
Segundo Franz Ambrósio, proprietário do brechó A Minha Avó Tinha, no bairro paulistano de Perdizes, a compra em brechó no Brasil ainda é bastante influenciada pelo preço. "As pessoas vêm em busca de roupas com estilo a preços acessíveis", diz ele, um engenheiro de materiais que abriu o brechó há 20 anos. "Mas a gente começa a perceber preocupação com a questão ambiental. Muita gente vem comprar e traz sua própria sacola retornável", diz.
Segundo Ligia, deve levar algum tempo para que o hábito de comprar em lojas de segunda mão por motivos ambientais se torne um comportamento de massa. "Mas, como em outros movimentos ligados à moda, os hábitos começam primeiro em nichos e depois vão se disseminando", diz a antropóloga.
No Brasil, não existem dados consolidados sobre o tamanho do mercado de produtos de segunda mão. Nos EUA, as vendas vêm crescendo 35% a cada trimestre, em média, de acordo com a National Association of Resale and Thrift Stores (Narts), associação que reúne os lojistas de produtos usados. / A.V.

http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20100804/not_imp590069,0.php

OESP, 04/08/2010, Vida, p. A20

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