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Roraima se prepara para a batalha da reserva

O Globo, O País, p. 14
04 de Mai de 2008

Roraima se prepara para a batalha da reserva
Estado vive clima de guerra por causa da demarcação da Raposa Serra do Sol; índios e empresário ameaçam resistir

Ronaldo Brasiliense Enviado especial

Roraima é um estado em pé de guerra. O pomo da discórdia entre brancos e índios é a homologação, em 15 de abril de 2005, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, da terra indígena Raposa Serra do Sol, um latifúndio com mais de 1,743 milhão de hectares reivindicado há décadas pelas etnias indígenas macuxi, uapixana, ingaricó e taurepangues, também ocupado efetivamente por não-índios há muitos anos.
O conflito entre brancos e índios só não atingiu maiores proporções porque o STF suspendeu, no início de abril, a operação Upatakon 3, da Polícia Federal, para a retirada dos não-índios da reserva, ao aceitar liminarmente o pedido do governador José Anchieta Júnior (PSDBRR), contrário à demarcação contínua. Os ministros se mostraram sensibilizados com a questão e iniciaram um debate sobre a demarcação da reserva em terras contínuas.
Os exércitos oponentes aguardam tensos e ansiosos por uma decisão do STF. O ministro-relator da questão, Carlos Ayres Britto, deve anunciar seu voto até o fim desta semana. Diante do clima de tensão em Roraima, o presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, estuda colocar o tema em julgamento em plenário até o final do mês.
Na comunidade Surumu, dentro da Raposa Serra do Sol - um distrito do município de Pacaraima, a 230 quilômetros de Boa Vista , delegados, agentes federais e funcionários da Funai, apoiados por soldados da Força Nacional de Segurança, armados com metralhadoras, há mais de um mês patrulham a área para evitar confrontos.
Se o Supremo decidir contra os índios, vamos reunir cinco mil guerreiros e fazer a desocupação de nossa terra na marra, para fazer cumprir a Constituição e o decreto do presidente Lula - ameaça o tuxaua Edson Aves Macuxi.
- A batalha de Roraima será decisiva para o futuro da Amazônia. Se o Supremo mantiver a reserva indígena em terras contínuas, será o fim - prevê o empresário arrozeiro Paulo César Quartiero, prefeito do município de Pacaraima, onde fica boa parte da reserva.
O tom ameaçador está em todos os pronunciamentos feitos pelos tuxauas macuxis reunidos quarta-feira na comunidade Barro, na igreja de São José.
Vamos lutar até o último índio pela terra contínua. Se o Supremo rasgar a Constituição, faremos nossa própria lei - ameaça o professor bilíngüe Edinaldo Pereira André, macuxi.
Os tuxauas, apoiados pelo Centro Indigenista de Roraima (CIR), fazem questão de mostrar a ponte, na BR-431, queimada há pouco mais de um mês próximo à localidade Barro. Todos responsabilizam Quartiero pelos "atos terroristas" na área indígena. O fazendeiro nega.
- Por que eu tocaria fogo na ponte por onde escôo a produção de arroz da minha fazenda? - indaga.
Roraima, no extremo norte do Brasil, tem pouco mais de 400 mil habitantes, a maioria dos quais descendentes das etnias indígenas que vivem na região desde tempos imemoriais.
Ao longo das últimas décadas, com pressão da Igreja Católica e de ONGs como a Survival International e The Nature Conservancy, a Funai conseguiu demarcar 46% do território do estado como terra indígena.
Roraima, desde 1992, no governo Fernando Collor, tem o maior território indígena do Brasil - a reserva ianomâmi, com 9,4 milhões de hectares, uma área maior do que a Bélgica - na fronteira do Brasil com a Venezuela. A demarcação da área ianomâmi foi feita às vésperas da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92).

O Globo, 04/05/2008, O País, p. 14

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