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Roraima, de novo

ISA - NSA
09 de Jan de 2004

Os jornais publicaram com destaque, ao longo da semana, as manifestações que ocorrem em Boa Vista contra a homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. De tempos em tempos, quando o governo federal sinaliza a adoção de alguma providência quanto à homologação desta área, os mesmos grupos locais se mobilizam. No tratamento episódico e superficial que a mídia dá a estes conflitos - na verdade, Raposa-Serra do Sol é um caso crônico - pode-se ter a impressão de que algo de novo está acontecendo.

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De novo, mesmo, é o recente episódio das prisões ocorridas às dezenas em Roraima em conseqüência da operação "Praga do Egito", que levou o estado às primeiras páginas dos jornais em dezembro. O escândalo dos gafanhotos, como ficou conhecido, consistia em usar funcionários fantasmas para desviar recursos da folha de pagamento do estado.

O conflito atual aparece como uma espécie de "resgate" da visibilidade alcançada. E traz, sim, uma novidade. Desta vez, o governo mais do que sinalizou. Em novembro passado, durante a abertura da Conferência Nacional do Meio Ambiente, o Presidente Lula afirmou, que a Raposa-Serra do Sol seria homologada na sua extensão integral, e que seriam adotadas providências concomitantes para indenizar ou reassentar os ocupantes não-índios que permanecem na área. Nesse rumo, o ministro da Justiça, Márcio Thomas Bastos , anunciou em dezembro que o decreto homologatório seria assinado em janeiro.

No mais, a história se repete: alguns fazendeiros que plantam arroz ilegalmente nas várzeas dos rios Cotingo e Tacutu na Terra Indígena, e que sequer vivem nela, mobilizam a mídia local, aliados ao comércio e até a representantes indígenas, para promoverem manifestações em contrário. Estes representantes indígenas, que ora aparecem na mídia como sendo a vanguarda das manifestações, são os que há anos vêm acumulando relações de dependência com grupos políticos e econômicos locais e vivem de salários em Boa Vista.

Também se repetem na mídia números absurdos que parecem indicar que a homologação implicaria em enormes alterações em relação à situação de fato. Fala-se, por exemplo, em "cidades dentro da área". Ora, a identificação das terras concluída em 1993 excluiu a sede do município de Normandia que já existia. O município de Uiramutã, que não representa mais do que um punhado de casas, parte das quais habitada por famílias indígenas, só tem a sua sede na área porque foi criado em 1996, após a identificação da terra indígena, com o deliberado objetivo de obstaculizar a própria demarcação. Os levantamentos atuais indicam que há pouco mais de uma centena de famílias não-indígenas a serem indenizadas ou reassentadas em função da homologação.

Outra balela que vem sendo repetida à exaustão é que a demarcação inviabiliza o estado de Roraima. Não é verdade por vários motivos. Primeiro, porque a quase totalidade do rebanho bovino e da produção agrícola existente na área, deprimida pela situação de conflito, está hoje nas mãos dos próprios índios. Segundo, porque a área dinâmica do agronegócio em Roraima está no sul do estado, no eixo da rodovia Perimentral Norte, e não na parte do lavrado abrangida por Raposa-Serra do Sol. Terceiro, porque resolvido este caso, 46% do estado estará nas mãos da população indígena, que representa cerca de metade da população rural de Roraima. A metade restante, mesmo subtraindo-se dela as áreas de proteção ambiental, equivale à extensão total do estado de Pernambuco, que abriga população muitas vezes maior que a de Roraima. Quarto, porque o que tem retardado o desenvolvimento local é o uso corrupto dos recursos públicos que deveriam fomentá-lo, como bem o comprova o recente episódio dos "gafanhotos", que se soma a muitos outros casos de desvio de finalidade, inclusive envolvendo o repasse de recursos federais. Como se vê, "gafanhoto", além do orçamento público, também come Terra Indígena.

Finalmente, a obrigação constitucional da União em demarcar as Terras Indígenas não deve mais ser protelada. É a indefinição, que se arrasta há dez anos, que acaba dando espaço para a proliferação - e repetição - dos conflitos. O Presidente Lula deve homologar imediatamente a Terra Indígena Raposa- Serra do Sol, fazendo acompanhar esta providência dos atos de governo que contemplem os interesses legítimos de não-índios que estejam nela desde antes da sua identificação, por força de políticas anteriores de estado, e que, portanto, sejam considerados ocupantes de boa fé. Já os que se instalaram depois da identificação, em 1993, são considerados ocupantes de má-fé.

Organizações indígenas como a Coiab e indigenistas como a CCPY lançaram manifestos e notas ressaltando às autoridades sua preocupação com o agravamento da situação na Raposa-Serra do Sol.

Saiba mais sobre o conflito.

Leia o artigo Triste Roraima, dos antropólogos Paulo Santilli e Nádia Farage, sobre a homologação da Raposa-Serra do Sol.

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