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A Rodovia, os índios e o Ministro dos Transportes

ISA
Autor: José Porfírio Fontenele de Carvalho
03 de Abr de 2000

Testemunha ocular da história, Porfírio Carvalho aponta as incoerências do Ministro Eliseu Padilha na questão do impacto socioambiental causado pela abertura de rodovias em terras indígenas.

Leia a carta enviada, em 31 de março de 2000, ao Painel do Leitor do jornal Folha de S. Paulo.

Acabo de ler um artigo assinado pelo Sr. Ministro dos Transportes Eliseu Padilha, publicado por esse jornal na seção Tendências/Debates em 26 de março de 2000. O artigo me causou extrema indignação, ao se referir aos resultados de ações patrocinadas pelo Ministério dos Transportes como medidas compensatórias por "cortar 120km da reserva dos waimiri-atroari" para abertura da BR-174. O ministro se apropriou de ações e resultados patrocinados por terceiros para propagar a preocupação do Ministério dos Transportes no trato das questões ambientais de seus empreendimentos.

Parodiando o ministro, a fonte agora sou eu!

Trabalho junto aos Waimiri Atroari desde o início da década de 70, e assisti, protestando, o avanço das frentes pioneiras rumo a seu território. Assisti, e repito, protestando, enquanto funcionário da FUNAI, a abertura da BR-174, que seccionou o território tradicional dos Waimiri Atroari.

Portanto, posso afirmar que em 1974, antes da abertura da referida rodovia, a população dos Waimiri Atroari era de 1500 índios. Em 1987, eles estavam reduzidos a 374 indivíduos. Como testemunha ocular e participante da história, posso afirmar que esta brutal redução (cerca de 75%) na população dos Waimiri Atroari ocorreu durante a construção da BR-174, realizada pelo Exército, com forte resistência do povo Waimiri Atroari. Soma-se ao confronto, a introdução e proliferação de doenças estranhas aos índios pelos construtores e pelos usuários da rodovia. Como exemplo da situação dramática vivida pelos Waimiri Atroari, em setembro de 1981, apenas na aldeia Yawara, situada na margem da BR-174, morreram 21 (vinte e um) índios de sarampo.

Os dados citados pelo ministro Eliseu Padilha, nada tem a ver com as medidas compensatórias que ele afirma ter aplicado pela passagem da BR-174 na Terra Indígena Waimiri Atroari. Desde 1987, a Centrais Elétricas do Norte do Brasil S/A - Eletronorte, vem financiando o Programa Waimiri Atroari, programa de ações indigenistas que visa compensar, se é que se pode compensar, os impactos e prejuízos causados pelo reservatório da usina hidrelétrica Balbina no território Waimiri Atroari. As ações que constituem o Programa Waimiri Atroari é que vem conseguindo melhorar o nível de vida da comunidade indígena. Esta melhoria deu condições inclusive para que, posteriormente, o povo Waimiri Atroari exigisse dos empreendedores do asfaltamento da BR-174, o financiamento e implantação de um Plano de Proteção Ambiental, com prazo de 10 (dez) anos de duração. Convém salientar que este Plano de Proteção Ambiental foi negociado inicialmente com os governos dos estados do Amazonas e de Roraima, então responsáveis pelo asfaltamento da BR-174. Esta negociação sempre foi alvo de restrições do Ministério dos Transportes, que achava um absurdo as exigências dos índios. Atualmente, a implementação das ações do plano vem sendo dificultada pelo DNER. Portanto ...

A preocupação do Ministério dos Transportes nas questões ambientais, e particularmente nas relacionadas às terras e comunidades indígenas, apregoada pelo ministro, pode ser avaliada em outros casos. A própria BR-174, já no estado de Roraima, atravessa a Terra Indígena São Marcos. No entanto, o Ministério não implantou nenhuma medida para compensar os violentos impactos causados na comunidade indígena pela abertura e posterior asfaltamento da rodovia. No estado do Maranhão, o mesmo aconteceu em relação aos impactos causados pela BR-226 na Terra Indígena Guajajara. Além das mortes de índios guajajara por atropelamento, a abertura e o asfaltamento da rodovia são uma das principais causas do desajustamento social e cultural do povo Guajajara.

Sem dúvida nenhuma essas rodovias foram e serão impactos violentos sobre as terras e comunidades indígenas.

Eu sou testemunha disto.

José Porfírio Fontenele de Carvalho

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