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Rituais de sobrevivência da cultura indígena

Jornal do Tocantins-Palmas-TO
Autor: Seleucia Fontes
26 de Jan de 2003

Manter vivos os costumes dos antepassados e ao mesmo tempo manter uma convivência pacífica com os não-índios é o grande desafio dos povos indígenas do Brasil; entre as etnias que lutam para manter a identidade estão os Krahô, que neste domingo encerram a festa Pohkahoc

A despedida do líder Jurandir Krahô, morto recentemente, teve início na última sexta-feira, na aldeia Santa Cruz, a 80 km do município de Itacajá. Mais de 400 pessoas participam do Pohkahoc, a última homenagem ao mekaron (espírito) que põe fim ao luto. Segundo a crença, após a cerimônia o falecido passa a habitar a "aldeia do céu", a morada dos antepassados. O povo Krahô vive numa área de cerrado de 302.533 hectares conhecida como Kraolândia.

Como toda despedida de uma pessoa querida, a cerimônia é carregada de simbolismo. Mas diferente dos kupen (brancos), os indígenas não agem isoladamente ou em pequenos grupos motivados unicamente pelo sentimento. Seus rituais também são utilizados como mecanismo de sobrevivência e manutenção de uma cultura constantemente ameaçada por influências externas.

Dizimação
Estima-se que em 1500, quando os portugueses chegaram ao Brasil, estas terras eram povoadas por 6 milhões de índios. Em torno de 1.300 línguas distintas eram faladas. Após séculos de matança, escravismo, catequização forçada e epidemias de gripe e outras doenças dos kupen, o País chegou à década de 50, no século passado, com uma população indígena estimada entre 68 mil e 100 mil pessoas. Atualmente há pouco mais de 300 mil, contando os que vivem em centros urbanos - cerca de 35% dos povos com culturas diferentes têm menos de 200 indivíduos. Apenas 170 línguas sobreviveram.

Os Krahô estão entre os povos que entraram em conflitos sangrentos com os brancos - detalhes do massacre de 26 índios no início dos anos 40 foram revelados recentemente no Arte & Vida. Cerca de 30 anos depois continuavam em todo o País as denúncias acerca de tribos executadas quase por inteiro por grileiros.

A partir dos anos 90 a população indígena voltou a crescer a uma taxa de 3,5% ao ano, superando a média nacional. Entre os Krahô, estimativa no início do século 19 apontava para mais de 3 mil pessoas, número que caiu drasticamente para 620 em 1852, segundo senso do missionário Rafael de Taggia. Na última contagem foram registradas 1.519 pessoas, distribuídas em 15 aldeias. A língua continua viva - insere-se no tronco lingüístico Macro-jê, o que os caracteriza entre os primeiros povoadores do continente americano.

Sobre o processo de dizimação dos índios brasileiros, o sertanista Orlando Villas-Boas disse certa vez que eles "pagaram um tributo de um milhão de índios por século. Desaparece uma sociedade estável, tranqüila, plena, sem ódios, onde a criatura não tem o fascínio pelo poder nem a preocupação no acúmulo de riqueza. Desaparece uma raça da qual nada sabemos".

Sabedoria
O pouco que se aprendeu a respeito dos primeiros habitantes do Brasil deve-se principalmente à rica tradição oral. Como acontece em todas as etnias, os Krahô guardam especial respeito por seus anciões, responsáveis pela transmissão de antigas lendas e costumes. Com estes senhores de corpos encarquilhados as crianças aprendem a respeitar a natureza e a seguir os preceitos que regem o modo de vida deste povo.

Toda esta sabedoria pode ser resumida em um princípio de equilíbrio. Para este povo o Katamjé e o Wacmejê estão presentes em tudo - regem desde a família, os graus de parentesco, a vida em sociedade, a agricultura, a ética. Cada aldeia é dividida em dois partidos, representando as duas forças. O Katamjé governa as chuvas (inverno), o poente, toda a vegetação verde, animais noturnos, frio, umidade. O Wacmejê governa o verão, o nascente, a vegetação seca, animais diurnos, o calor.

Essas metades devem estar sempre em equilíbrio, o que acontece através de cerimônias, da compreensão do espirito do lugar, para que dessa maneira se plante, cace ou colete de acordo com a abundância e a capacidade daquele território. Cada partido é responsável pela aldeia de acordo com as mudanças de estações.

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