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Risco à biossegurança

CB, Opinião, p. 20
10 de Out de 2004

Risco à biossegurança

Desde os primeiros estudos sobre genética e potencial terapêutico de células humanas para cura de moléstias hoje terminais, a comunidade científica brasileira clama para. que o país disponha de meios legais para realizar pesquisas do gênero. Questões referentes à aplicação segura das inovações, aspectos éticos, controles a cargo do poder público, limites e cautelas consumiram anos de debates. Só depois de razoável decantação das controvérsias, o projeto pertinente à matéria afinal foi submetido ao Congresso.
0 uso de cultivares geneticamente modificadas, a soja em primeiro lugar, ultrapassou as resistências mais tenazes. Hoje, é tema pacificado entre a maioria dos congressistas. As regras restritivas sancionadas na Lei de Biossegurança, embora alvejadas pela crítica do Ministério do Meio Ambiente, aplacaram a oposição de ambientalistas e políticos conservadores.
Agora, depende da Câmara dos Deputados proporcionar ao país o domínio da biotecnologia no campo celular ou condená-lo ao atraso. 0 substitutivo ao projeto de Lei da Biossegurança aprovado no Senado autoriza a pesquisa com células-tronco congeladas há mais de três anos ou excedentes dos processos de fertilização in vitro das clínicas especializadas. Na apreciação inicial da matéria, os deputados rejeitaram qualquer iniciativa do gênero. Cabe-lhes aprovar ou não o texto do Senado.
A peça nascida do substitutivo Ney Suassuna (PMDB-PB) é bastante tímida. Proibiu a clonagem terapêutica. Sua utilização seria mais eficiente do que o tratamento com células-tronco, mais suscetível de causar problemas de rejeição. Ainda assim, vale como avanço significativo, consideradas a complexidade do tema e a necessidade de fazer alguma concessão à Câmara dos Deputados.
Há receio de que o lobby das igrejas exerça pressões sobre deputados pertencentes às confissões cristãs (católicos e evangélicos, sobretudo) para reverter as conquistas introduzidas no projeto pelo Senado. Condutas ditadas por preceitos religiosos destinam-se a aprimorar o perfil moral e espiritual dos fiéis. São úteis, também, no plano material, na medida em que favorecem o exercício da fraternidade e propagam os valores da paz.
Todavia, escapam ao campo específico da religiosidade quando buscam impedir conquistas científicas indispensáveis à melhoria da existência humana. À Câmara cabe refletir sobre o potencial de benefícios da pesquisa celular antes de discutir pressupostos religiosos. Afinal, o Estado é laico porque deve amparar o interesse público à margem de qualquer restrição confessional.

CB, 10/10/2004, Opinião, p. 20

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