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Riquezas escondidas

CB, Brasil, p. 17
30 de Abr de 2004

Riquezas escondidas
Governo definirá regras específicas para a exploração turística e científica das cavernas e grutas brasileiras. Especialistas elogiam decisão, mas temem que pesquisa seja prejudicada com as normas

Renata Giraldi
Da Equipe do Correio

Cenários de mistérios, múltiplas belezas naturais e arqueológicas, as cavernas ocupam o imaginário das pessoas. Das 3,6 mil existentes no país, cerca de 100 são visitadas por turistas. A questão é que o governo desconhece quantas estão destruídas pela má utilização. Na tentativa de conter a exploração desenfreada, o Ministério do Meio Ambiente publica, até o fim de maio, regras para pesquisa, manejo e licenciamento ambiental destinadas exclusivamente para as cavernas.

Desde já, as medidas provocam discussão entre governo e especialistas (espeleólogos). ''A situação hoje é preocupante, pois, apesar de a Constituição proteger as cavernas e haver uma ampla legislação a respeito, faltam regras específicas'', diz Ricardo Marra, gerente do Centro Nacional de Estudo, Proteção e Manejo de Cavernas (Cecav) do Ibama. ''Quando não se tem regra, cada um estipula a sua. Na omissão, vale a ponderação pessoal'', observa ele, ao analisar o vandalismo, a ação das mineradoras e obras irregulares que degradam cavernas espalhadas por todo país.

Burocracia
Os espeleólogos aplaudem a iniciativa do governo, embora a considerem tardia. Mas o temor deles é que, com a fixação de regras para as atividades de pesquisa, a espeleologia seja prejudicada por entraves burocráticos e a própria demora dos órgãos públicos. ''O apoio financeiro que recebemos para uma determinada atividade não pode aguardar meses'', comenta Augusto Auler, que há 21 anos estuda as cavernas.

Inicialmente, conforme decisão do Conselho Nacional de Meio Ambiente, o governo vai elaborar um cadastro nacional de informações espeleológicas, no qual incluirá dados colhidos por pesquisadores e avalizados pelo Ibama. Atualmente, essas informações não são centralizadas, daí a dificuldade em identificar o estado real de determinadas cavernas. Entre as normas que serão fixadas, está o aumento no rigor para concessão de licença para uso e exploração. Serão considerados os riscos para a estrutura das grutas, além de ameaças de extinção de animais e plantas existentes.

A normatização não deixará de fora nem os pesquisadores. A retirada de material com ou sem vida será disciplinada pelo Ibama, que expedirá autorização para a atividade considerando seu caráter científico. Porém, os efeitos das medidas serão percebidos de forma mais intensa no turismo - atualmente sem regras específicas. Para explorar o potencial turístico de cavernas e grutas, os responsáveis terão de apresentar um Plano de Manejo Espeleológico. Só depois, o governo autorizará a atividade.

Medidas controvertidas
Para espeleólogos, a normatização chega em tempo de proteger cavernas inexploradas. ''Está passando da hora, deviam ter feito isso há bastante tempo'', diz o engenheiro Ezio Rubioli, da organização não-governamental Rede Bambuí, de Minas Gerais, que há 20 anos se dedica a trabalhos de pesquisa e análise.

O que eles temem é que, com o esforço em correr contra o tempo perdido, o Conselho Nacional de Meio Ambiente estabeleça regras para pesquisa que venham impedir atividades de espeleologia. ''Eu considero arriscado, porque algumas regras podem provocar entraves burocráticos, sendo que o governo deve nos considerar sobretudo como parceiros'', observa Álvaro Barros, do Espeleo Grupo de Brasília, que há 18 anos é instrutor de cavernas. ''Não há esse risco, porque as normas serão negociadas com a participação das ONGs'', diz o gerente do Ibama.

3,6 mil cavernas já foram catalogadas no país
100 mil é a estimativa de quantas devem existir no Brasil
100 são exploradas para fins turísticos
96 anos atrás começou o turismo na Gruta de Maquiné, em Minas Gerais

As mais famosas

Caverna de Santana
Sul de São Paulo
Apesar de ter apenas 5 quilômetros de extensão, reúne uma riqueza rara devido à formação de ornamentos incomuns, como as elictites - paredes que não obedecem à lei da gravidade e surgem a partir da consolidação do calcário acumulado ao longo de anos.

Conjunto de cavernas de São Domingos
Parque Estadual de Terra Ronca, Goiás
É o maior sítio de cavernas da América Latina. Encantador pela grandiosidade, pelos inúmeros rios subterrâneos, onde vivem os peixes cegos.

Toca da Boa Vista
Campo Formoso, sul da Bahia
São 87 quilômetros de galerias e tem potencial estimado em mais de 150 quilômetros. Considerada a maior do hemisfério sul e entre as maiores do mundo.

Gruta do Jamelão
Norte de Minas Gerais

A caverna tem cerca de 95 metros de altura e reúne beleza incomum.

Gruta de Maquiné próxima a Belo Horizonte, Minas Gerais
Exploradas turisticamente desde 1908, sofreu desgastes devido ao turismo desenfreado. O aquecimento interno, por exemplo, agravou-se com a instalação de iluminação artificial.

Gruta de São Mateus
Goiás
Localizada no Parque de São Domingos, é explorada desde a década de 70. Pertence a um conjunto de cinco grutas. No local, é possível encontrar rios e uma área coberta por estalactites (formações de resíduo calcário que se alongam a partir do teto) - esculturas naturais.

Natureza destruída

Na trilha dos visitantes, ficam para trás restos de comida, plásticos, latas, pilhas e pichações nas rochas. O patrimônio é destruído sem piedade. Mas são as mineradoras, que utilizam dinamite em busca de matéria-prima, as responsáveis por danos irreversíveis nas cavernas. A indústria do cimento destrói o que a natureza levou séculos para criar, sem contar ainda a existência de carvoarias construídas em áreas próximas às grutas.

Pela lei, há uma série de orientações que devem ser seguidas, porém a ausência de regulamentação específica deixa em aberto a aplicação das normas. Na prática, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (formado por vários segmentos da sociedade e do governo) quer, com as mudanças, ter controle sobre a ação de quem explora as cavernas. Enquanto a normatização não vem, os instrutores de grupos de espeleologia buscam alternativas.

''A caverna pode ser um lugar arriscado se a pessoa não tomar alguns cuidados essenciais'', ensina Álvaro Barros, responsável por cursos de espeleologia no Distrito Federal. ''É preciso ter consciência que todo cuidado ali (na caverna) é pouco, pois uma agressão ao lugar é como um sacrilégio'', completa.
No período da pré-história, as grutas foram abrigos para os homens. Hoje, guardam parte do passado em pinturas rupestres (como os encontrados no Parque de São Raimundo Nonato, no Piauí) e restos de ossadas. Estima-se que, no Brasil, existam cerca de 100 mil cavernas e grutas - a primeira a ser explorada foi a de Maquiné, há 96 anos, localizada a 123 quilômetros de Belo Horizonte.

Origem do planeta
Pesquisas científicas revelam que, com as cavernas, é possível entender a formação geológica do planeta e manter os ecossistemas, como explica o livro Espeleo Turismo - Planejamento e Manejo de Cavernas, de Ricardo Marra. Para ele, o país guarda uma imensa diversidade de cavernas, especialmente na Bahia, em Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso do Sul e Paraná, além de São Paulo e Rio.

De acordo com dados oficiais, a fauna identificada nas cavernas e grutas brasileiras é a mais rica da América do Sul - há mais de 600 espécies classificadas. A ausência de luz, baixa temperatura e umidade elevada estimulam a presença de vegetação não clorofilada, encontrada apenas nesses locais. Especialistas dizem que, se não houver controle da presença humana, o ecossistema pode sofrer alterações irreversíveis. (RG)

CB, 30/04/2004, Brasil, p. 17

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