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Riqueza avaliada em US$ 4 trilhões

Brasil Norte
Autor: Roberto Hillas
29 de Abr de 2001

Os cientistas que participaram da 7ªReunião Especial da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), durante a última semana, em Manaus, Amazonas, para debater o desenvolvimento sustentado da Amazônia, estão preocupados com a repetição, na região, dos erros cometidos pelos civilizados durante a ocupação de todas as áreas do País.Os exemplos são muitos. Por isso, tanto a represa da hidrelétrica de Balbina, no Amazonas, como a de Tucuruí, no Pará, viraram espaços hídricos de proliferação de mosquitos vetores de doenças de região equatorial úmida. As águas dos rios amazônicos estão também cada vez mais contaminadas com metais pesados.E a poluição não é só originada da presença do civilizado em território brasileiro, mas também em território peruano. Naquele país limítrofe, diversos projetos de mineração despejam resíduos químicos agressivos em formadores do rio Solimões, que por sua vez forma o rio Amazonas.A SBPC estudou nos dias 25 a 27 o potencial da Amazônia, onde só a riqueza farmacológica da selva está estimada, por especialistas das 39 maiores indústrias farmacêuticas mundiais em US$ 4 trilhões. O desafio a que se propuseram os cientistas é o de buscar metodologia para o aproveitamento equilibrado dessa riqueza.Indústrias de móveisUm dos desafios, por exemplo, é como incentivar que na região Amazônica surjam polos de indústrias de móveis, uma vez que a madeira aproveitável pela exploração sustentada da selva está próxima de todos os municípios da região. Entretanto, o que acontece no País é difícil de entender.Os polos de móveis do País estão todos localizados muito distantes da Amazônia. O setor planejou investir US$ 1,9 milhão até 2004, mas nenhum projeto empresarial está sequer próximo da área intermediária entre a selva equatorial úmida e das zonas intermediárias, Cerrados e dos Cocais.Os Estados que respondem por 90% da produção brasileira de móveis são Rio Grande do Sul (município de Bento Gonçalves), Santa Catarina (São Bento do Sul e Rio Negrinho), Paraná (Arapongas), São Paulo (Votuporanga e Mirassol), Minas Gerais (Ubá), Espírito Santo (Linhares e Colatina).Nestes polos moveleiros a madeira usada é originária de reflorestamentos, ou então comprada de Rondônia, Mato Grosso, Acre, Amazonas, Pará, Roraima, Amapá, Estados milhares de quilômetros distante. Obviamente, o transporte, por caminhão, encarece a matéria-prima. E os móveis com madeira de reflorestamento não são duráveisQualidade finalO potencial moveleiro da Amazônia é grande, pois o setor industrial faturou R$ 8,7 bilhões no ano 2000, podendo faturar mais se a qualidade final for melhor e o preços dos produtos mais em conta. Como nunca existiu um programa de apoio ao setor moveleiro na Amazônia, as exportações do setor são praticamente todas de móveis feitos com pinus de variedades exóticas de reflorestamento.As exportações brasileiras de móveis totalizaram apenas US$ 500 milhões no ano passado. Como as variedades de madeiras boas da Amazônia são muitas, os cientistas acreditam que um programa de apoio pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) pode fazer o Brasil exportar o triplo disso.O Brasil teria que criar uma marca de móvel ecologicamente correto, para uso internacional. E fazer propaganda disso nas revistas especializadas. Os consumidores europeus, por exemplo, gostariam de comprar móveis provenientes da Amazônia e produzidos por indústria que explora a selva conforme a recomendação de respeito ao ecossitema florestal.Proposta sustentávelOs cientistas reunidos pela SBPC participaram de nove simpósios, sobre estratégia do desenvolvimento sustentável, culturas indígenas, biodiversidade, doenças endêmicas, clima, água e pesquisas científicas na região. Numa sessão especial - Vivências Amazônicas - os expositores foram pessoas que vivem na região.Nas duas sessões de pôsteres foram apresentados 235 trabalhos de pesquisadores de todo o País. A professora Glaci Zancan, presidente da SBPC, destacou que uma proposta de desenvolvimento sustentável para a Amazônia é prova da maioridade científica dos brasileiros.Os cientistas acreditam que instituições bancárias e de fomento econômico como Banco do Brasil e BNDES poderiam apoiar projetos de indústrias de móveis na Amazônia. É que a maioria das indústrias do setor no País são de pequeno porte, e a maioria do maquinário necessário é produzido no Brasil. Ou seja: não será necessário importar nada. Estratégia de recuperação e desenvolvimento sustentadoA borracha, cuja produção anda incipiente na Amazônia, pode voltar a crescer, se existir apoio para a utilização do látex para a produção do couro vegetal. Os cientistas reunidos em Manaus afirmam que a Embrapa Amazônia Ocidental (fopne 92-622 2012, fax 92-232 8101; e-mail: sac@cpaa.embrapa.br), de Manaus, desenvolveu tecnologia adequada para o plantio em escala comercial da seringueira.A 7ªReunião Especial da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência aconteceu no Hotel Tropical, com o apoio do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), Universidade do Amazonas e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), detentores de know-how sobre a região.Entretanto, houve uma ausência, a da Embrapa, que ao longo das últimas três décadas mais investiu no desenvolvimento de técnicas para a ocupação econômica correta da Amazônia. Mesmo assim, os cientistas chegaram a conclusões consideradas por eles de importantes.A principal conclusão é a de que o desenvolvimento da Amazônia exige investimento em pesquisas, e que a política de desenvolvimento da região através de grandes projetos, que desconsideraram particularidades do ecossistema da região, foi um grande erro.As denúncias quanto aos R$ 2 bilhões desviados da Sudam só nos últimos 10 anos é uma das provas dos equívocos cometidos. Mas os erros não datam da década passada. Já nos anos 1970/1980, foram cometidos outros erros, que resultaram na destruição da selva para plantio de café robusta, cacau e pasto para bovinocultura.Fracasso antigoO Governo investiu em rodovias como a Transamazônica e a Perimetral Norte, que fracassaram redondamente. Em núcleos de assentamento, levaram agricultores gaúchos sem-terra para terras onde durante metade do ano as estradas ficam intransitáveis devido as chuvas torrenciais diárias. Além do mais, eram pessoas despreparadas para as doenças endêmicas e o clima tórrido.Se os governos federal e estaduais não atentarem para as recomendações dos cientistas, são grandes os riscos de em breve a Amazônia estar padecendo de problemas sérios, e da fama brasileira no exterior deteriorar-se ainda mais. Exemplo é o do risco de contaminação das águas subterrâneas da Amazônia.A poluição, destacam os cientistas, sempre esteve afetando as águas dos rios. Só que agora ela chega às aguas subterrâneas. O problema é grave em todas as cidades, pior nas grandes cidades. As águas freáticas da Amazônia urbanizada estão sendo poluídas pelo churume dos lixões e dos cemitérios.Um dos cientistas preocupados com esta riqueza, a água, é Antônio dos Santos, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), morador da região, em Manaus. As indústrias que foram instaladas na Zona Franca de Manaus, por exemplo, não tratam as águas usadas porque isso não estava incluído nos projetos originais.Além do mais, em Manaus nem existe sistema de esgotos do tipo saneamento básico. Todos os moradores da cidade poluem as águas subterrâneas e dos igarapés com os detritos de suas cozinhas e banheiros. A previsão é de lá esteja para repetir-se desastres como observados nos Estados do Sul brasileiro.O Brasil detém 12% da água mundial, e 70% dela localiza-se na Amazônia. Isso é 20% da água doce do planeta. As chuvas despejam sobre a selva equatorial úmida 15 trilhões de metros cúbicos por ano, dos quais 52% são escoados pelos rios. Só no rio Amazonas correm 17% da água amazônica.Reynaldo Luiz Victória, cientista da USP, é uma das vozes desse alerta quanto a qualidade dessa água, que em breve estará sendo demandada por muitos países. No entender dele, água já é commodity, significa dinheiro, muito dinheiro, e assimd eve ser encarada tanto pelos governantes como pela população em geral.O cientista, que pesquisa a bacia do rio Ji-Paraná, importante por cortar o centro de Rondônia, ressaltou a deterioração das águas dos rios, fato que passa desapercebido dos próprios moradores da cidades ribeirinhas. Repete-se alí o observado em rios brasileiros como o Paraiba do Sul, Tietê e tantos outros.O professor Reynaldo Victória está fazendo um mapa digital georeferenciado daquela região rondoniense. Antônio dos Santos, do Inpa, também tem seu diagnóstico quanto as águas amazônicas, e faz sugestões para que o problema não fique pior.Sugere estudos localizados das águas de superfície e a subterrânea e um zoneamento ecológico-econômico referenciado nas bacias hidrográficas. Por incrível que pareça, apesar do levantamento do Projeto Radam, nos anos 1970, isso nunca foi sequer pensado para a Amazônia.Ação do Banco MundialMesmo o Banco Mundial, que até nos anos 1980 financiava projetos de assentamentos de agricultores sem-terra dentro da Amazônia, nunca exigiu estudos do sócio brasileiro para a liberação do dinheiro a ser investido na região. Rondônia é o melhor exemplo disso. Rios como o Madeira, onde antes os botos eram comuns, hoje carece da abundância de vida aquática.Antônio dos Santos sugere uma melhor aplicação do Código Florestal e da lei do Sistema Nacional de Recursos Hídricos. Como é precária a educação ambiental dos mamazônicos, as matas ciliares estão sendo destruídas pela ocupação econômica, tal como verificado, por exemplo, no Estado de São Paulo.Saneamento básico em todas as cidades, vigilância quanto a poluição hídrica, recomposição das mini-bacias das áreas urbanas, recuperação florestal das grandes áreas degradadas, são medidas que ele julga fundamentais para que o desenvolvimento sustentado passe da teoria à prática.Sucesso de mercado do açaí pode repetir-seCharles Clement, cientista do Inpa, sugere uma alternativa econômica para a Amazônia, a da fruticultura com fruteiras típicas da região. Ele destaca que assim como o açaí é hoje consumido pelos brasileiros dos Estados do Centro-Sul, outras frutas podem alcançar o mesmo sucesso de mercado. O fundamental, entende ele, é que as fruteiras amazônicas voltem a ser plantadas como antes, e que a agroindustrialização seja incentivada, e que a propaganda nos veículos de comunicação seja feita junto aos mercados potenciais, como São Paulo e Rio de Janeiro.No entender dele, os amazônicos precisam atentar para a penetração das espécies vegetais de outras procedências, que estão erodindo a biodiversidade. As culturas sendo introduzidas estão alterando os hábitos alimentares dos habitantes, fazendo com que deixem de aproveitar os vegetais locais.Ele prevê que alguns cultivos já estão ameaçados de desaparecerem. A erosão genética é um dos perigos, entende Clement. A soja, o arroz, a banana e a laranja chegaram a estão determinando profundas mudanças no hábitos alimentares. Agora estão chegando a acerola, o tomate, o alface, a cenoura etc.A pupunha é uma das espécies vegetais mais ameaçadas pela erosão genética. Ao todo, estão ameaçada 138 variedades de vegetais que antes da chegada dos portugueses eram cultivadas na Amazônia pelos habitantes autóctones. Destas, 83 variedades são nativas da Amazônia, inexistentes em qualquer outro lugar do mundo.Ele observa que cada vez menos se come a comida local, como a maniçoba, prato da culinária amazônica, feito com folhas de mandioca trituradas, muitas carnes diferentes, temperos típicos como a pimenta de cheiro. A comida dos amazônicos está cada vez mais parecida com a do carioca e do paulistano.Como decorrência do fenômeno, em Rondônia, por exemplo, não se come mais vinagreira com carne de aves aquáticas e pupunha cozida com sal pela manhã, os diversos mingaus. A primeira refeição, tal como a dos brasileiros de cultura europeizada, consiste em pão, leite e café. E a carne do boi passou a ser comida "típica" no lugar do peixe.Como em áreas de floresta as propriedades rurais devem manter conservadas 80% das reservas legais de florestas, e no casso dos cerrados a área a ser preservada é de 35%, os cientistas estimam que essa conservação pode estimular uma exploração economica adequada.Exemplos são o piqui e a cantanha-do-pará, que podem ser retirados para transformação em agroindustrias até mesmo para comercialização em escala regional. Se existir um planejamento econômico para a produção sustentada, os cientistas acreditam que a área agrícola para a soja, por exemplo, será suficiente.Se não for assim, a floresta amazônica irá enfrentar a ameaça cada vez mais impactante da soja, cultivo que precisa de terra plana, máquinas e insumos químicos para se desenvolver, Quando isso acontecer, estimam os cientistas, repetir-se-á o problema agora verificado no Pantanal matogrossence, onde os peixes estão desaparecendo.Os detritos químicos do cultivo agrícola estarão sendo carreados para as águas durante as fortes chuvas sazonais, e todo o ecossistema aquático ficará ainda mais vulnerabilizado pela nova agressão.

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