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Rio Verde limita área de cultivo da cana

OESP, Economia, p. B8-B9
26 de Ago de 2007

Rio Verde limita área de cultivo da cana
Cidade teme desestruturação de sua indústria, baseada nos grãos

Agnaldo Brito

O presidente venezuelano, Hugo Chávez, e o líder cubano, Fidel Castro, talvez nunca tenham ouvido falar de Rio Verde. Mas foi nessa cidade do sudoeste goiano que a polêmica sobre a produção de etanol em áreas de alimentos, aberta pelos dois líderes, ganhou relevância e se tornou concreta. Para barrar o avanço do etanol, a prefeitura da cidade apostou numa lei que impõe limites locais para o plantio de cana, algo jamais imposto a outra cultura.

O canavial rio-verdense não poderá superar 50 mil hectares, cerca de 10% do território agricultável do município. Com a medida, a prefeitura espera garantir o espaço de culturas tradicionais, como soja, milho e sorgo, que formaram a base da economia do município e o transformou num dos maiores pólos de processamento de grãos da América Latina.

A imposição já chegou ao Poder Judiciário. O Sindicato das Indústrias de Fabricação de Álcool do Estado de Goiás (Sifaeg) alega que a medida é inconstitucional, pois fere a autonomia dos produtores em escolher o que plantam. A prefeitura rebate que é prerrogativa do município arbitrar sobre o uso do solo, tanto na área urbana quanto rural.

O Sifaeg tentou suspender os efeitos da lei com uma liminar. O juiz de 1ª instância de Rio Verde, Fernando César Salgado, negou o pedido e vai julgar o mérito da ação. "Este não é um tema que será resolvido no curto prazo", admite Igor Montenegro, presidente do sindicato.

Rio Verde, depois de provocada pela economia local, achou que o avanço da cana colocaria em xeque toda a estrutura agroindustrial erguida na última década, que gera renda e assegura mais da metade dos empregos da cidade. A taxa local de desemprego é inferior a 7%, numa cidade de 120 mil habitantes. "O que queremos é uma economia diversificada. A cana é concentradora, uma economia individual", diz o prefeito Paulo Roberto Cunha. O êxito da medida foi tamanho que até sexta-feira a prefeitura havia enviado cópias da lei para 46 cidades brasileiras. Em 11, membros da prefeitura foram pessoalmente explicar a medida.

Hoje, só Rio Verde tem estrutura para processar 7 mil toneladas de soja por dia, fora o que a região manda para outros centros de processamento. O milho fomenta uma cadeia de produção de frangos e suínos. São 1.641 galpões de engorda de animais só em Rio Verde, estrutura que está nas mãos de 359 produtores integrados.

São esses os responsáveis por abastecer as linhas de abate da unidade agroindustrial da Perdigão, a maior da América Latina. O complexo é gigantesco, opera em três turnos e emprega 7,2 mil trabalhadores. Os empregos indiretos somam quase 30 mil. Por dia, esse exército abate 420 mil frangos e 4,3 mil suínos, número que deverá subir até 2009.

O complexo só existe por causa das imensas glebas produtoras de grãos, mas quem corta as estradas da região já nota enormes armazéns cercados por cana. É sinal de que um novo negócio desponta onde antes os grãos imperavam soberanos.

"Há, sim, preocupação com o avanço da cana na área de grãos, mas não é uma preocupação exclusiva da Perdigão, mas de todas as companhias que criaram aqui este parque agroindustrial", diz Marco Antonio Trichez, gerente de suprimentos da unidade de Rio Verde.

TENTAÇÃO

Só a Perdigão investiu na região R$ 1 bilhão e acha que a entrada de um novo modelo agroindustrial poderá comprometer a atividade. A empresa tem planos de expansão em Jataí - onde acaba de adquirir uma unidade capaz de abater 70 mil frangos - e em Mineiros, onde está construindo uma unidade para abate também de aves.

"O investimento nesses dois projetos devem elevar em mais R$ 500 milhões o aporte na região", diz Trichez. Não há, por ora, ameaças de interrupção de investimentos, mas esta não é uma hipótese descartada.

A Cooperativa Agroindustrial dos Produtores do Sudoeste Goiano (Comigo), uma das mais influentes organizações dos produtores do Centro-Oeste, afirma que a cana poderá ser complementar, mas jamais hegemônica na região de grãos.

Segundo Álvaro Martim Henkes, vice-presidente de operações da Comigo, boa parte dos investimentos na região ainda não foi amortizada. A cooperativa é dona de metade da capacidade de esmagamento de soja. "Nós mesmos temos investimentos feitos a partir de uma previsão de produção de grãos. A redução desses volumes, numa eventual invasão da cana, vai comprometer o negócio", afirma.

Sadi Secco é um dos maiores produtores de grãos da região de Rio Verde e também um dos que têm sido sondados por grupos de açúcar e álcool a produzir cana. Secco anda tentado. Acha que a chegada da cana é a chance de diversificação, mas teme ver na região o que ocorreu em outras partes do País, onde a cana tomou as rédeas.

A possibilidade de opção nas culturas não é má, mas, por ora, reluta. Até o fim do ano, Secco diz que poderá assinar um contrato para cobrir 30% da área de 4 mil hectares com cana. O Grupo Cosan, maior produtor de açúcar e álcool do País, quer que o produtor seja um multiplicador. "Vou fornecer mudas. Por enquanto, é o que vou fazer no setor sucroalcooleiro", afirma.

Agrônomo e produtor, Silvano Ferreira Rodrigues pretende apostar, neste ano, novamente na soja, no milho e no sorgo. "Lembro de muito produtor que apostou tudo nesse negócio e agora anda arrependido", afirma.

Já há sinais de que a febre da cana começa a passar. Os preços do açúcar e do etanol estão em baixa.

Restrição pode se espalhar pelo País
Prefeito de Rio Verde tenta influenciar colegas a aderir à limitação da área da cana e envia lei para 46 cidades
O setor sucroalcooleiro pode começar a ficar preocupado com a promoção da lei patrocinada pela prefeitura de Rio Verde. O município começou a dar consultoria para outras cidades para mostrar como funciona a lei que impõe limites para as áreas de cana-de-açúcar. No total, 46 municípios já receberam uma cópia da lei ou recepcionaram membros da prefeitura para participar de palestras e debates sobre como frear a cultura canavieira.

Somente em São Paulo, a prefeitura de Rio Verde encaminhou cópia da medida para 27 cidades. Entre os municípios está Ribeirão Preto, capital da cana de açúcar e base de grandes grupos sucroalcooleiros do País. Muitas cidades da nova fronteira canavieira do Estado de São Paulo também tiveram acesso ao documento, como Barretos, Bebedouro, Catanduva e Presidente Prudente.Segundo o prefeito de Rio Verde, Paulo Roberto Cunha (PP), esta será a maneira pela qual o município tentará influenciar a discussão sobre a organização agrícola das cidades.

VÁCUO LEGAL

Segundo o supervisor de conservação da ONG ambientalista WWF Brasil, Carlos Alberto de Mattos Scaramuzza, a iniciativa de Rio Verde chamou a atenção porque ocupa um imenso vácuo de legislação do País. "Rio Verde pegou um tema que está totalmente fora do radar das prefeituras e do poder público como um todo. É muito relevante a decisão da cidade em mostrar a disposição de ordenar a paisagem agrícola", aponta Scaramuzza.

O próprio ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, deu declarações sobre a necessidade premente de se desenvolver um zoneamento agrícola para o País. A falta desse ordenamento deixou, segundo o ambientalista, a organização da produção agrícola nas mãos do mercado, da evolução ou involução de um determinado produto.

"Não é por acaso que a agricultura enfrenta ciclos de alta e de baixa. Isso é conseqüência direta da falta de organização da produção. Sem isso, não há como frear os ciclos de euforia que invariavelmente provocam períodos de forte depressão", pondera Scaramuzza.

A novidade na lei de Rio Verde é exatamente essa: criar um modelo econômico sem hegemonias. Desde que a lei foi aprovada, em dezembro do ano passado, Rio Verde já aprovou a implantação de 15 mil hectares de cana-de-açúcar para abastecer a única usina local, a Decal, uma ex-produtora de cachaça que produzirá álcool combustível.

Segundo o prefeito, existe um segundo projeto de mais 20 mil hectares em curso. Cunha avalia que, em projetos médios, será possível ter até três usinas em Rio Verde.

Para usineiros, expansão ocorrerá sobre os pastos
Cerca de 30% da expansão da cultura da cana em Goiás ocorrerá em áreas ocupadas por culturas de grãos, afirma o Sindicato das Indústrias de Fabricação de Álcool do Estado de Goiás (Sifaeg). "Cerca de 70% da expansão da cana em Goiás será feita em áreas de pasto. A cana não significa ameaça para o setor de grãos", diz Igor Montenegro, presidente do Sifaeg.

Hoje, Goiás tem um canavial de 290 mil hectares, suficiente para abastecer 18 usinas, que, juntas, processam 23 milhões de toneladas. Em quatro ou cinco anos, a previsão é que a área de cana atinja 600 mil hectares, 2% da área agricultável do Estado. O sindicato alega que esse território é muito inferior a área de grãos, que ocupa pouco mais de 3 milhões de hectares.

"É preciso entender que o avanço da cana em Goiás também está relacionado a problemas de rentabilidade dos grãos", argumenta Montenegro. Nos últimos 3 anos, problemas como a ferrugem asiática, a valorização do real e o custo dos insumos comprometeram a situação financeira dos produtores. Neste ano, a situação parece ter se invertido. O preço pago aos produtores pela tonelada de cana caiu em relação a 2006.

Cassio Bellintani Iplinsky, um dos donos da Usina Decal, de Rio Verde, tem planos de elevar a capacidade de moagem para 1,5 mil toneladas. Para ele, a lei é uma imposição que desconsidera o mercado. "Falam da monocultura da cana, mas o que existe hoje é a monocultura do grão."

Indústria da cidade teme ficar sem soja
Complexo industrial demanda 3,5 mil toneladas do grão por dia
Os limites de área impostos à cultura de cana-de-açúcar pelo município de Rio Verde não deverão ser suficientes para frear a redução da produção de grãos do sudoeste de Goiás. Principal organização dos agricultores da região, a Cooperativa Agroindustrial dos Produtores do Sudoeste Goiano (Comigo) já decidiu que vai ampliar a influência geográfica e tentar atrair novos produtores para assegurar o volume de soja e milho que processa.

Álvaro Martim Henkes, vice-presidente de Operações da Comigo, explica que aguarda a acomodação do plantio de cana na região para conhecer exatamente qual a área que será tomada pela cultura.

Em Rio Verde, há, por enquanto, uma única usina de álcool. É uma unidade antiga, que produzia cachaça e iniciou nesta safra a produção de álcool combustível. A produção de cana para a usina ocupava 6 mil hectares em Rio Verde, mas o plano já em curso prevê a expansão para 20 mil hectares.

O Grupo Cosan, maior indústria de processamento de cana do País, tem planos para montar três unidades na região Sudoeste de Goiás. "Ainda não sabemos qual será a área tomada pela cana. Só com a definição das usinas vai ser possível saber qual a área que vamos precisar", explica Henkes.

A meta da Comigo é conseguir manter o recebimento de pelo menos 3,5 mil toneladas de soja por dia. Essa é a capacidade de esmagamento do complexo industrial. A Comigo tem ainda uma estrutura de armazenagem de 720 mil toneladas de soja por ano. De milho, a Comigo recebe por ano 228 mil toneladas. Boa parte desse volume é usada para abastecer a estrutura de produção de frangos existente na região.

Para o vice-presidente da Comigo, a iniciativa da prefeitura de Rio Verde de impor limites à cultura da cana na região deveria ser seguida por outras cidades do Sudoeste goiano. Para ele, a cana é potencialmente uma ameaça, à medida que concorrerá com uma estrutura montada, que necessita dos produtores para continuar a existir. A.B.

OESP, 26/08/2007, Economia, p. B8-B9

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