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Rio de indefinicoes

CB, Brasil, p.16
15 de Jan de 2005

Infra-estrutura
Apenas três dos dez estados consultados pelo Ibama sobre a transposição do São Francisco se manifestaram sobre as obras, que devem começar ainda no primeiro semestre deste ano. Bahia e Minas são contra o projeto
Rio de indefinições
Érika Klingl
Da equipe do Correio
Passados oitenta dias do fim do prazo, apenas três dos dez estados procurados pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama) para opinar sobre o projeto sobre a transposição do rio São Francisco se pronunciaram. Dois deles, Bahia e Minas Gerais, são contra. Paraíba é a favor. Em 100 páginas,a Secretaria de Meio Ambiente da Bahia desmonta ponto a ponto o Relatório de Impacto ao Meio Ambiente (Rima) feito pelo Ministério da Integração Nacional.
É questionada, por exemplo, a falta de informações sobre o número de famílias a serem reassentadas devido a implantação do canal, do canteiro de obras e de outras atividades do projeto. O trabalho do governo federal limita-se à apresentação do número de pessoas remanejadas em função dos futuros reservatórios: 725 famílias.
Outra crítica diz respeito ao levantamento feito pelo Ministério da Integração Nacional sobre a flora e fauna na região. O relatório de impacto ambiental do São Francisco listou 218 espécies de plantas, pouco para os mais de 60 mil km² da região mapeada. O estudo não apresenta um mapa da região atualizado, nem a lista das espécies em extinção, cita o documento.
Cada uma das observações, de acordo com Nilvo Alves da Silva, diretor de Licenciamento e Qualidade Ambiental do Ibama, será avaliada. Vamos julgar tecnicamente o projeto de integração das bacias. Caso existam erros na proposta, ela será refeita, afirma. Não seria a primeira vez.
Quando apresentado o projeto de transposição do São Francisco, em 2001, o relatório mostrava erros reconhecidos pelo próprio governo. A proposta inicial falava na transposição com uma vazão de 30 m³ de água por segundo, hoje falamos em 36m³ por segundo, argumenta o ministro-adjunto da Integração, Pedro Brito.
Pressa
O silêncio dos estados não preocupa o ministro. Não somos obrigados legalmente a ter concordância de todos os estados. O que importa é ter a licença ambiental, afirma. Na prática, isso quer dizer que o governo federal não vai esperar por relatórios de secretarias estaduais para começar as obras.
De acordo com Pedro Brito, no início do próximo mês será lançado o edital licitatório, permitindo que sejam feitos o processo de concorrência e a consulta pública.
Os ganhadores da licitação, no entanto, somente poderão assinar os contratos quando o Ibama terminar a análise de impacto ambiental. Nós estimamos que no início da abril a gente pode começar as obras, disse Brito. Ao todo, serão necessários R$ 4,5 bilhões para construir dois canais, que, somados, alcançam 620 quilômetros, com estações de bombeamento e pequenas hidrelétricas no caminho. Antes de expedir a autorização, o Ibama fará oito audiências públicas em Minas e em sete estados do Nordeste. Estamos no meio do processo, não podemos simplesmente dizer se a transposição é boa ou ruim, afirma o diretor do Ibama.
Embora o projeto seja de prioridade do governo, o Orçamento deste ano destinou R$ 365 milhões a menos do que havia sido divulgado em 2004. Ao todo, a primeira etapa receberá R$ 635 milhões. O restante dos R$ 4,5 bilhões previstos para a obra total será dividido nos Orçamentos de 2006 e 2007.
Reunião
Na batalha para cumprir uma das principais promessas de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o governo deve conseguir mais uma vitória e aprovar o parecer da Agência Nacional de Águas (ANA) na reunião do Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH), marcada para a próxima segunda-feira. O documento garante que há água em quantidade suficiente no rio São Francisco para sua integração com bacias hidrográficas do Nordeste. Apesar de contar com a vitória, o governo não descarta a chance de a reunião ser novamente impedida pela Justiça, como aconteceu em novembro do ano passado.
A aprovação do parecer dará ao conselho o poder de publicar uma resolução viabilizando a outorga do uso da água e o licenciamento ambiental para a obra. Não tem segredo, o governo ganha sem esforço, lamenta o ambientalista Henrique Cortez, colaborador da Articulação do Semi-Árido (ASA). No Conselho, 29 dos 57 integrantes são do Executivo.
De acordo com a ANA, o rio São Francisco tem capacidade para fornecer água a regiões do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco. O problema, de acordo com Cortez, é que a transposição não levará água às comunidades que estão em situação de emergência. Cerca de 70% da água dos reservatórios atendidos pelo projeto é destinada à agricultura irrigada e ao cultivo de peixes e crustáceos em tanques, e assim continuará sendo, argumenta. O argumento de que vamos levar água a quem tem sede não é verdadeiro, é apenas uma perversa abordagem emocional, que se utiliza do imaginário popular em relação à seca.

Alternativas
A transposição do rio São Francisco não é a única opção para diminuir os efeitos da seca na população do semi-árido. Especialistas explicam que algumas soluções integradas podem criar condições de sobrevivência para o sertão. Veja abaixo as principais opções.
Cisternas
A Articulação do Semi-Árido (ASA), entidade que reúne mais de 800 organizações da sociedade civil, trabalha em um projeto para construir um milhão de cisternas em cinco anos. Em pouco mais de um ano, foram construídas quase 50 mil com, em média, 15 mil litros cada. Uma é capaz de atender uma família com cinco pessoas.
Uso de água da chuva e reciclagem de água
A cada ano chove mais de 50 bilhões de m³ no Nordeste. Se 30% desse potencial hídrico fossem captados, seria possível abastecer a população de toda a região, além de irrigar milhares de hectares de terra. Outra opção é o reuso de água, que pode ser feito em pequena escala, como a reciclagem da água de uma família, até em grandes empresas e no sistema de abastecimento de um município.
Barragens subterrâneas
Grande parte dos rios do semi-árido são intermitentes, ou seja, possuem água em apenas um período do ano. Por isso, especialistas sugerem a abertura de poços ao lado dos rios que seriam abastecidos no período de cheia e se manteriam com água na época da seca, abastecidos pelos lençóis freáticos.
Microbarragens cobertas
O forte calor da região e baixa umidade do ar fazem com que a água dos açudes evapore. Por isso, em vez da construção de poços com grande área de contato com o ambiente, o ideal é investir em locais mais profundos para armazenagem de água. É o conceito de uma cisterna gigante, capaz de abastecer uma pequena cidade.
Criação de nova cultura para uso da água
Existe no Brasil a sensação de abundância de água, como se o potencial hídrico do país fosse inesgotável. Isso cria uma cultura de desperdício que pode ocorrer nas cidades ou no campo. O sistema de irrigação dos agronegócios na região, por exemplo, não é apropriado ao semi-árido. A aspersão de água convencional, em um ambiente cuja umidade relativa do ar gira em torno dos 40%, faz com que a maior parte da irrigação evapore antes de chegar ao solo.
Revegetação de margens do São Francisco e de seus afluentes
A recomposição de matas ciliares tem importante papel na manutenção de uma bacia hidrográfica, pois auxilia na manutenção da qualidade da água, na estabilização do solo nas margens, evitando erosão e assoreamento, e na regularização dos regimes dos rios pelos lençóis freáticos.
Sistema de dessalinização
Em muitas regiões do semi-árido, a água do subsolo é salobra, com teores salinos que a tornam inadequada para o consumo humano ou animal. O processo de dessalinização possui elevado custo operacional, mas produz água de excelente qualidade, porém sem minerais. Por isso, é necessária a correção da água.

CB, 15/01/2005, p. 16

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