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Ricos e emergentes colidem sobre o clima e a inflação

FSP, Dinheiro, p. B1
09 de Jul de 2008

Ricos e emergentes colidem sobre o clima e a inflação
G8 promete cortar em 50% emissões de gases que causam aquecimento até 2050
Meta é criticada por não ser "vinculante" e pela falta de objetivo no médio prazo; blocos divergem sobre ação contra alta global de preços

Clóvis Rossi
Enviado especial a Hokkaido

O G8, o clube dos sete países mais ricos do mundo e a Rússia, e o G5 (Brasil, China, Índia, África do Sul e México) chegam para a cúpula conjunta de hoje com posições bastante divergentes, quando não diretamente em confronto, como fica explícito nos comunicados finais que cada grupo emitiu separadamente ontem.
No capítulo "mudança climática", que deveria ser o principal tema dos encontros de Hokkaido (Japão), o G8 terminou sua própria cúpula com a decisão de "compartilhar" com todos os países a meta de reduzir pelo menos em 50%, até 2050, as emissões dos gases que causam o aquecimento global. Mas a meta "não é vinculante para o G8", conforme a Folha ouviu no Ministério de Relações Exteriores japonês.
Já o G5 (Brasil, China, Índia, México e África do Sul) preferiu dizer que "não se deve responsabilizar os países em desenvolvimento pelo que é clara responsabilidade dos países desenvolvidos".
Decodificando a embolada linguagem diplomática: ambas as partes reiteram as posições que trouxeram para Hokkaido.
O Japão e a União Européia, favoráveis à meta de reduzir as emissões em 50% até 2050, tentaram convencer os Estados Unidos a endossá-la. Mas o presidente George Walker Bush insistiu em que a China e a Índia também deveriam assumir compromissos fortes.
Resultado: o G8 terminou por jogar para o restante do planeta a responsabilidade de, "juntos", alcançar a meta, sem o que os Estados Unidos não se comprometem com ela. Como China e Índia, membros do G5, devolvem a bola para o campo dos países ricos, fica tudo como estava.
Ainda mais que não houve, conforme já se previa, a fixação de metas para o médio prazo (2020), por mais que o comunicado do G8 diga que fazer progressos rumo à meta de 2050 "exigirá objetivos de médio prazo e planos nacionais para alcançá-los".
Com isso, o debate se transfere para as negociações no âmbito das Nações Unidas, que já tem reunião marcada para 2009 em Copenhague, em tese o novo marco zero da negociação sobre mudança climática.

Preços
No segundo tema relevante das cúpulas de Hokkaido (a situação econômica global, com destaque para a disparada de preços de alimentos e petróleo), as ênfases são igualmente diferentes.
Os países ricos não anunciaram nenhuma medida realmente de impacto para enfrentar o duplo desafio. No caso do petróleo, cobraram dos países produtores que aumentem a curto prazo a produção e a capacidade de refino, para aumentar a oferta. Para reduzir a demanda, "é importante fazer esforços adicionais para aperfeiçoar a eficiência energética assim como promover diversificação da energia".
Platitudes, portanto.
Já o G5 prefere, de novo, devolver a bola ao mundo rico, ao afirmar que "não é justo culpar as economias em desenvolvimento por esses problemas" [altos preços do petróleo e da comida].
Mais: a cúpula do G5 pôs ênfase na especulação, como um dos principais fatores a provocar a disparada dos preços tanto de alimentos como do petróleo. A do G8 minimiza esse aspecto.
O chanceler Celso Amorim chegou a lembrar que "o que se vende de petróleo nos mercados futuros equivale à demanda de toda a China". Ou, posto de outra forma, "há clara contaminação entre os preços futuros e os atuais", diz o chanceler.
O único ponto de concordância entre os dois grupos é na necessidade de que se estude o problema dos preços, em especial o de alimentos e commodities. O G8 encomendou a um grupo de peritos o monitoramento e o apoio à Força Tarefa sobre a Crise Alimentar Global, já criada no âmbito das Nações Unidas. Caberá a ela estabelecer um "quadro abrangente de ação".
Já o G5 limitou-se a dizer que é "urgente diagnosticar o problema e apontar soluções".
As duas teses respondem, direta ou indiretamente, à constatação de que ninguém tem certeza sobre as causas da chamada "agflação", a disparada de preços de alimentos. Há vários fatores, que vão desde o aumento da demanda em grandes países emergentes, como China e Índia, até quebras de safras por desastres naturais, passando pela especulação que tanto preocupa o G5.
Qual o peso de cada fator, no entanto, ainda é matéria em aberto.
Os dois grupos ficarão frente a frente hoje, em dois momentos. Primeiro, na reunião entre G5 e G8. Depois, no MME (Meeting of Major Economies ou Encontro das Maiores Economias, do qual participam os países do G8 e do G5 mais Austrália, Indonésia e Coréia do Sul). Em tese, deveriam discutir mudança climática, até porque esses 16 países respondem por 80% das emissões de gases que causam o aquecimento global. Mas, se depender do G5, será dada "ênfase particular aos incrementos de preços de alimentos e energia", afirma o presidente do México, Felipe Calderón.

análise

Prazo para corte de gás poluente é muito longo

Afra Balazina
Da reportagem local

Sem compromissos de médio prazo, o anúncio do G8 de reduzir 50% das emissões de gases de efeito estufa até 2050 é considerado por especialistas e ONGs insuficiente ou pouco provável de ser concretizado.
O embaixador extraordinário do Brasil para mudança do clima, Sérgio Serra, considera a meta "razoável" e diz que ela vai na direção das recomendações do IPCC (painel do clima da ONU).
No entanto, ele ressalta que, para o objetivo não virar "letra morta", é preciso ter compromissos concretos de médio prazo -até 2020. "É um compromisso meio vazio se não for reforçado por metas de médio prazo. Mas ainda há chance que isso ocorra nas negociações na Convenção do Clima."
De acordo com ele, a União Européia avançou mais e já se comprometeu a reduzir pelo menos 20% até 2020. "Mas é uma área em que há muita hesitação."
O primeiro-ministro japonês, Yasuo Fukuda, chegou a anunciar antes da reunião do G8 a meta do país de reduzir entre 60% e 80% as emissões totais do país. Mas também não estabeleceu compromissos de médio prazo.
Luiz Pinguelli Rosa, diretor da Coppe-UFRJ (Coordenação dos Programas de Pós-Graduação em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro), considera o prazo "muito longo" e diz que é necessário fazer uma "escadinha" de como vai se chegar até lá.
"É uma meta para 42 anos. Vai haver "n" governantes diferentes." Em sua opinião, apesar de ser "percentualmente significativa" a meta de 50% de redução nas emissões, o prazo muitíssimo distante "a torna inoperante".
Para Susana Kahn Ribeiro, secretária nacional de Mudança Climática, "seria desejável metas mais ambiciosas". No entanto, ela pondera que as tecnologias que poderiam fazer uma grande diferença não estarão disponíveis no curto e no médio prazo -como o uso de hidrogênio em veículos, por exemplo, e ações de captura e seqüestro de carbono.

Ações efetivas
O Greenpeace considera que a decisão anunciada pelos países do G8 "não passa de estratégia para postergar as ações efetivas que deveriam ser tomadas imediatamente". Segundo Luís Piva, coordenador de campanha de Clima do Greenpeace Brasil, o anúncio cria uma falsa expectativa de que algo está sendo feito para evitar o aquecimento global.
A ONG defende que os países industrializados se comprometam a cortar 30% das emissões até 2020 e a reduzir de 80% a 90% até 2050.
Piva não considera um avanço o fato de os Estados Unidos terem assumido uma meta, depois de não ratificar o Protocolo de Kyoto. "O país é o maior poluidor histórico. Se a gente colocar na balança a responsabilidade histórica e atual, é uma meta tímida."
De acordo com a organização WWF, os países do G8 são responsáveis "por 62% das emissões de dióxido de carbono acumulado na atmosfera da Terra", o que faz desses países o principal culpado das alterações climáticas. Por isso, a ONG considera "patética" a recusa do G8 em se tornar o maior condutor da solução para o problema do aquecimento global.

FSP, 09/07/2008, Dinheiro, p. B1

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