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REZAS E RITUAIS ENTRE OS SATERÉ-MAWÉ

Amazônia Real - http://www.amazoniareal.com.br
Autor: Renan Albuquerque
09 de Mar de 2015

O complexo ritualístico dos índios Sateré-Mawé, ao assinalar movimento constante de territorialização e desterritorialização, serve para marcar a integração de migrantes não-indígenas à etnia e vice-versa - como no caso de retirantes nordestinos que, após saírem de suas terras incentivados pelo Estado dentro da proeminência de ocupação da Amazônia a partir da década de 1940, foram acolhidos por indígenas em meio a provações orientadas no waymat.

Ademais, durante a migração mais efetiva de nordestinos à Amazônia, em idos das décadas de 1930/40/50, famílias foram territorializadas em meio a ambientes aldeados de Sateré-Mawé, em proximidades da Terra Indígena Andirá-Marau, ou mesmo na área urbana do município de Parintins. A atividade de acolhimento a migrantes gerou proeminências familiares em meio a indígenas. Grupos de migrantes se destacaram no convívio com nativos.

O clã dos cearenses - ou grupo dos cearenses, na opinião de famílias Sateré atualmente estabelecidas na cidade de Parintins (c.f. Sr. Lúcio Sateré, morador da periferia Baixa do São José, sede parintinense) - teve notoriedade na medida em que foram incorporados migrantes do Estado do Ceará em geral a ideários nativos, sendo que o agrupamento foi avolumado nas comunidades de Ponta Alegre e Molongotuba, a sul de Parintins, já adentrando na TI Andirá-Marau.

Esse exemplo de processo de troca fomentado pela migração gerou ganhos na agricultura familiar e coletiva entre indígenas, pois além do guaraná, passaram a ter eficácia roças de mandioca nas aldeias. A farinha e o peixe, historicamente formadores da base da alimentação indígena, foram acrescidas com o microcultivos.

Quanto ao artesanato - um dos elementos constitutivos da identidade Sateré-Mawé - a influência estendeu-se a teçumes, confecções feitas por homens, os quais são, por exemplo, peneiras, cestos etc.; já o teor nordestino percebido em padrões de trabalho das mulheres Sateré-Mawé é o uso de sementes em colares, brincos e pulseiras, com miçangas diversas em cores esfuziantes.

O conhecimento sobre a confecção de peças artesanais é prática que atravessa gerações. Os Sateré-Mawé tiveram o saber apropriado por artesãos não indígenas e apropriaram-se em diversas medidas de construções culturais dos migrantes, o que acarreta, hoje, em disputa por espaços no atual mercado local, mesmo que incipiente.

No que se refere ao aspecto mítico, os Sateré-Mawé possuem marcadores étnicos fundamentais de identidade. O guaraná é um deles. Entre outros, cita-se o porantim, bastão sagrado em forma de remo, de madeira escura e lisa, com incisões de cor branca. Enquanto símbolo icônico sagrado, que insinua tradições orais imemoriais, o porantim é objeto consultivo do legislador social e os Sateré-Mawé se referem a ele como sendo pedra filosofal da etnia.

O porantim carrega poderes de entidades mágicas, funcionando como totem mediúnico para a previsão de acontecimentos. Sua materialidade funcional indica caminhos para apartar desavenças e conflitos. O ícone é suporte onde estão gravados, de um lado, o mito da origem e a história do guaraná; de outro, histórias de guerras.

O registrador identitário, como objeto de materialidade, tem ingerência sobre práticas xamânicas por ser elemento que permeia e constitui a coletividade dos Sateré-Mawé, sobretudo em atividades voltadas à etnomedicina. É abordado o papel dessas ingerências em processo de cura ou tratamento em função do porantim.

Procura-se definir parte da mitologia dos Sateré-Mawé, via objetividade do porantim, enquanto atividade cognitiva com métodos e instrumentos próprios, significada a partir de aportes cosmogônicos e espiritualísticos contextualizados mediante realidade observada e reminiscências. O remo sagrado invoca êxtases xamânicos que propiciam contato com universos sensíveis e meta-sensíveis mediante instrumentações mentais que captam conhecimentos tradicionais.

Dentro desse conjunto de invocações, não só a materialidade do porantim, mas também a luva usada no ritual da Tucandeira, é marca étnica identitária que expressa crença de base espiritual. São objetos que simbolizam ritos de passagem dos Sateré-Mawé e tendem a ser descritos por narrativas que os exaltam liricamente como materialidade que fomentam o trabalho, o amor e a chamam vitórias em batalhas.

* Renan Albuquerque é professor e pesquisador do colegiado de jornalismo da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e desenvolve estudos relacionados a conflitos e impactos socioambientais entre índios waimiri-atroari, sateré-mawé, hixkaryana, junto a atingidos pela barragem de Balbina e com assentados da reforma agrária.

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