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Revitalização de microbacias traz bons resultados

Valor Econômico, Especial, p. F4
20 de Mar de 2015

Revitalização de microbacias traz bons resultados
Programas dão ênfase a recuperação de nascentes e recomposição de matas ciliares

Paulo Vasconcellos
Para o Valor, do Rio

A escassez hídrica desafia governantes e empresas a buscar soluções mais sustentáveis do que a construção de grandes reservatórios ou os investimentos em novos sistemas de captação. As medidas vão da revitalização de rios a técnicas inovadoras na agricultura, passando por saneamento. Projetos de geração de renda e inclusão social também ajudam no processo. Os resultados em alguns casos surpreendem e apontam um caminho capaz de minimizar a crise que atinge parte do país.

Há mais de uma década, o programa Cultivando Água Boa, da Itaipu Binacional, consegue melhorar o volume e a qualidade da água no Oeste do Paraná. O projeto é um conjunto de diversos programas socioambientais executados nos 29 municípios da Bacia Hidrográfica do Paraná. Envolve mais de 2.200 parceiros - de universidades a cooperativas de agricultores.

A revitalização de microbacias é feita com ênfase na recuperação de nascentes, recomposição e proteção de matas ciliares, conservação do solo, readequação de estradas, instalação de abastecedouros comunitários e implantação de cisternas para reúso da água. A inclusão social e produtiva de segmentos vulneráveis alcança comunidades indígenas, pescadores, quilombolas, catadores de recicláveis, jovens e pequenos produtores. O Cultivando Água atinge um milhão de habitantes e 800 mil hectares de área. Já recuperou 206 das cerca de 600 microbacias hidrográficas do rio.

"A segurança hídrica aumentou com o programa. A região sente muito menos hoje os efeitos das secas e da estiagem, mas se não se mexer com a cultura da água as ações serão apenas pontuais e imediatas", diz Nelton Friedrich, diretor de coordenação e Meio Ambiente da Itaipu Binacional.

Mais de 1.400 quilômetros da mata ciliar foram recompostos. O reflorestamento de espécies nativas promoveu o retorno de 55 espécies da flora e da fauna. As abelhas voltaram e a região virou polo produtor de mel. O incentivo à produção local garante que 95% da merenda escolar nos 29 municípios sejam fornecidos por pequenos e médios agricultores.

Um programa semelhante da Prefeitura de Sorocaba, no interior de São Paulo, já levou a cidade a virar destaque no 6o Fórum Mundial da Água, em Marselha, na França, em 2012. Melhor: de acordo com a Agência Nacional de Águas (ANA), a classificação do rio Sorocaba passou de ruim para regular entre 2005 e 2010.

Desde 2000, a Prefeitura de Sorocaba, por meio do Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE), desenvolve um programa de revitalização com intervenções de coleta, afastamento e tratamento do esgoto produzido na cidade. Comunidade e escolas públicas participam das ações de plantio e revitalização do rio e seus afluentes. Além da melhora da qualidade da água e da vida da população local, o programa promoveu também uma redução significativa de doenças.

Cerca de 7.000 pessoas que ocupavam áreas irregulares, nas margens alagáveis do rio, foram transferidas para conjuntos habitacionais construídos em parceria com o governo paulista e o governo federal. A última etapa das obras deverá começar ainda este ano. Além de garantir a universalização do saneamento permitirá o aproveitamento do rio também para o abastecimento de água da cidade. Serão mais 650 litros por segundo para abastecer 630 mil habitantes. "Sorocaba ficará em uma situação relativamente confortável de segurança hídrica, mas ainda precisa aprofundar a conscientização para a redução do consumo e intensificar as ações de redução de perdas", diz Adhemar José Spinelli Júnior, diretor-geral do SAAE.

Florianópolis (SC) é mais uma cidade rumo a uma gestão mais sustentável da água. O Plano Diretor de Águas Pluviais, ainda em tramitação na Câmara Municipal, prevê instrumentos de retenção da água com investimentos públicos e participação privada. A ideia é fazer o cadastro de toda a rede de drenagem do município e implantar medidas de regulação da drenagem urbana com taxa de aproveitamento e preservação da água. Ao morador caberia a responsabilidade pela impermeabilização do seu imóvel.

A gestão da água poderá minimizar os impactos das enchentes na capital catarinense. "O projeto ainda não é uma realidade na prática, mas pode representar um novo marco na organização urbana da cidade", diz Elsom Bertoldo, engenheiro sanitarista e ambiental da Secretaria de Habitação e Saneamento da Prefeitura de Florianópolis.

Soluções locais para os problemas de abastecimento de água são cada vez mais comuns em todo o mundo. No condado de Orange, uma das regiões mais secas dos Estados Unidos, o abastecimentos de 2,4 milhões de habitantes depende da reciclagem do esgoto. A água da pia, do chuveiro e de máquinas de lavar passa por três etapas de purificação: micro filtragem, osmose reversa e raio ultravioleta de alta intensidade. A primeira membrana que filtra a água é 300 vezes mais fina que um fio de cabelo. A segunda é mil vezes mais fina.

Em Salisbury, cidade australiana de 130 mil habitantes, que enfrentou secas sazonais na primeira década do século 21 que tornaram dispendioso o abastecimento de água para a produção industrial, a solução para a manutenção dos empregos locais na indústria de lã foi o investimento em medidas sustentáveis e de baixo custo. Desde 2004, todas as casas tiveram que instalar um tanque para captação de água de chuva. O resultado foi a criação de 36 sistemas principais de áreas alagadas, com mais 18 sistemas menores, que hoje cobrem 2,5 km² e recolhem durante todo o ano 66,6% da água de chuva.

Investimento necessário nas cidades chega a R$ 9,7bi

Do Rio

Das 29 regiões metropolitanas do Brasil, 16 necessitam de novos mananciais, 13 de novos sistemas de abastecimento e apenas uma tem condições satisfatórias.

Elas reúnem 375 municípios e abrigam 75 milhões de pessoas. Os investimentos necessários para essas cidades chegariam a R$ 9,7 bilhões. Os dados do Atlas do Abastecimento Urbano de Água, da Agência Nacional de Águas (ANA) só não apontam que tudo isso pode ser pior e o tamanho do problema real dos governantes muito maior porque, de acordo com especialistas, o estudo não levou em conta a estiagem.

A solução de novos reservatórios pode esbarrar na falta de chuvas para enchê-los. Medidas que dispensariam grandes investimentos estariam sendo desprezadas. Se há um lado positivo é de que a crise abre a oportunidade de se desenhar uma política hídrica mais completa.

"O quadro está mudando, mas a velocidade precisaria ser maior", diz Ruddi de Souza, diretor-geral da Veolia Water Brasil, subsidiária da maior empresa global de reúso e tratamento de água, que tem a concessão do abastecimento de água em Paris, na França, e em Pequim, na China, e desenvolve soluções de reúso e dessalinização. "A crise está trazendo conscientização sobre a necessidade de se avançar mais na política de gestão de água", afirma a especialista em Recursos Hídricos Marussia Whately.

Na região Sudeste, onde o problema exige soluções urgentes, os quatro Estados têm implantado soluções pontuais. No Espírito Santo algumas prefeituras já adotaram o estado de emergência. Em Minas Gerais há racionamento com sobretaxa.

O Estado do Rio, que enfrenta a mais severa estiagem dos últimos 84 anos, de acordo com a Secretaria de Ambiente, adotou medidas de contingência e conscientização que resultaram na economia de 540 milhões de metros cúbicos. E ainda prepara a adaptação da captação no rio Paraíba do Sul, prevê a mudança dos pontos de captação dos usuários industriais na foz do rio Guandu para dar prioridade ao abastecimento humano e criou um gabinete de segurança hídrica para incentivar as quatro principais fábricas do Distrito Industrial a utilizarem água de reúso.

Em São Paulo, o governo do Estado e a Sabesp começam a dar forma a grandes investimentos de ampliação de reservatórios e transposições de rios. As medidas adotadas até agora já permitiram uma redução das retiradas dos reservatórios, mas a situação, apesar da chuva, ainda pode ser crítica ao longo do ano.

"Em São Paulo, as soluções decepcionam, porque não contemplam as ações combinadas, da captação da água de chuva ao reúso e à preservação de nascentes e não dão atenção à cultura de desperdício e falta de Educação Ambiental. A água é privatizada, então, o interesse não é economizar, mas vender mais água", diz Maurício Broinizi, coordenador da Rede Nossa São Paulo e do programa Cidades Sustentáveis.

"Uma discussão muito importante que está sendo desprezada é a prevenção. Não se discute o que significa usar pelo segundo ano consecutivo o volume morto das represas em São Paulo. O que está sendo feito é obra para buscar água na represa Billings, mas não se discute se a água lá é suficiente. No volume morto do Cantareira cabe muito mais água que nas represas", afirma Marussia Whately.

As frentes são muitas. Só com os vazamentos e ligações clandestinas, São Paulo desperdiça 30% - ou 21 mil litros por segundo - da água que produz. De acordo com especialistas trata-se de um volume quatro vezes maior do que será gerado com a construção do Sistema São Lourenço.

O combate ao desperdício é um dos focos em países com desafios hídricos. Em Austin, capital do Estado americano do Texas com cerca de 800 mil habitantes, a companhia de águas iniciou em 2007 diversas iniciativas para diminuir o consumo, atuando em quatro áreas: infraestrutura, incentivos, conscientização e regulamentação. Mapeamentos regulares identificam os vazamentos, auditorias grátis levantam a qualidade do sistema de irrigação, a venda de eletrodomésticos eficientes tem desconto.

A adoção de padrões mais rígidos no consumo de água das novas construções, comerciais e residenciais e a proibição da irrigação de jardins cinco dias por semana estão entre as regras. Em outubro de 2009 a cidade apresentou o menor consumo per capita desde que se iniciou a coleta destes dados. Foram também economizados quatro bilhões de litros de água com a reciclagem e distribuídos US$ 3 milhões em subsídios para equipamentos domésticos e industriais que consumissem menos água. Nova Iorque tem uma política de aquisição de terras em volta da área urbana para preservar os mananciais. É mais barato do que investir em obras de grandes reservatórios ou sistemas de abastecimento.

Na Ásia, Cingapura, uma cidade-Estado com apenas 710,2 km² e população de 5,4 milhões de habitantes, resolveu o problema de forma criativa. A dependência da água importada da Malásia levou o país a buscar a autossuficiência. Hoje, a reciclagem já atende a 30% do consumo, a dessalinização responde por outros 10% e o reúso da água da chuva por mais 10%.

Valor Econômico, 20/03/2015, Especial, p. F4

http://www.valor.com.br/brasil/3965566/revitalizacao-de-microbacias-tra…

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