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A reviravolta de São Félix do Xingu

O Globo, Especial, p. 6
05 de Jun de 2014

A reviravolta de São Félix do Xingu
Desmatamento no município ribeirinho do Pará ainda preocupa, mas atitudes corretas reverteram forte tendência de devastação

Flávia Milhorance

BELÉM - São Félix do Xingu, no sul do Pará, é um microcosmos da Amazônia. Sua área gigantesca abrange 84 mil quilômetros quadrados, sendo que, 73% dela ainda de florestas remanescentes, e 50%, de terras indígenas. Pecuária e mineração são suas principais atividades, e por causa delas, há cinco anos ainda ocorria por lá uma das mais velozes taxas de desmatamento do país. Projetos ambientais com recursos internacionais e mais atenção do governo federal conseguiram reverter a situação.
Não se pode dizer, entretanto, que o município está fora de perigo. Ele ainda consta da lista de principais desmatadores, publicada pelo Ministério do Meio Ambiente. É verdade que houve uma redução de 70% do desmatamento entre 2008 e 2013. Passou de 761 km² para 223 km². Mas em 2012, ele tinha conseguido chegar a 149 km², o que representou um aumento de cerca de 30% entre 2012 e 2013.
- Ainda consideramos essa uma taxa inaceitável - diz Nazaré Soares, coordenadora nacional, pelo ministério, do Projeto Pacto Xingu. - Mas para nós, a situação está muito melhor do que já foi. Sabemos que mudar o comportamento da população rural não ocorre do dia para a noite, e o mais importante é que o município agora tem condições de lidar com o desmatamento, coisa impensável há poucos anos.
Nazaré coordena um programa cujos recursos vêm da União Europeia. Até outubro deste ano, serão ao todo 4,9 milhões de euros investidos. Trata-se de um projeto piloto que servirá de base para outros municípios com desmatamento alarmante. Por enquanto, o Estado do Pará tem conseguido diminuir o estigma de principal algoz do desmatamento da Amazônia. Em abril deste ano, a maior área de desmatamento detectada pelo levantamento da ONG Imazon na Amazônia Legal foi a de Mato Grosso, onde foram suprimidos 72 km² de florestas.
Cadastro rural avançado
O principal desafio, segundo Nazaré, é a dimensão do local. E para controlar a região gigantesca, foi preciso investir no Cadastro Ambiental Rural (CAR), ou seja, o registro dos produtores locais que funciona como uma forma de controlar a expansão deles em direção às florestas. Já são 83% sob o cadastro.
- A expectativa é que em julho notaremos novamente a redução do desmatamento - defende Nazaré, que explica o motivo da esperança. - Não temos recebido mais tantas denúncias.
Além de governo e União Europeia, outras organizações têm dado mais atenção à situação do município às margens do Rio Xingu, entre elas a ONG The Nature Conservancy. E fora o CAR, outras iniciativas desses grupos vêm dando certo. Um fundo chamado Terra Verde foi lançado este ano por várias entidades civis para captar recursos que intensificariam a economia sustentável. A expectativa é arrecadar R$ 7 milhões nos próximos três anos.
O município também conta agora com um observatório local. Em geral, quem consolida os dados sobre a degradação de florestas é o Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes), divulgado anualmente. O observatório dará mais independência ao município, que poderá controlar em tempo real o avanço do problema.
Regularização fundiária em curso
Outro investimento de peso, segundo Nazaré, foi a regularização fundiária, uma atividade "difícil e onerosa", admite, porém necessária:
- Boa parte dos produtores não valoriza a propriedade porque não tem aporte legal da terra, então não vislumbra um futuro nela, não tem compromisso com os recursos naturais.
São Félix está entre os três municípios com maior rebanho do país, com mais de 2,4 milhões de cabeças de gado. Brigar contra o desmatamento significava também diversificar as atividades produtivas. Com isso, novas opções produtivas têm ganhado destaque, como piscicultura, látex sustentável e até cacau.
- O cacau desmata menos, porque ele tem a característica de floresta, e por isso tem um baixo impacto ambiental. Ainda assim, gera renda, pois já existe um comércio para ele - defende o biólogo Marcio Sztutman, gerente de conservação do Programa Amazônia da TNC.
Principal motor econômico da região, a criação de gado não pode ser interrompida de uma hora para outra, explica o biólogo. Por isso, Sztutman conta que eles estão tentando tornar a atividade menos prejudicial ao meio ambiente. Uma das formas foi criar redes para fortalecer a cadeia produtiva. Os criadores certificados vendem diretamente a grandes marcas, como o varejo Walmart.
Outra iniciativa no mesmo sentido é aumentar a produtividade. Antes, cada animal ocupava 1 hectare, e agora já subiu para 1,2 cabeça de gado por hectare. A medida de alternar áreas para o gado e outras para o "descanso" da terra também vem dando certo.
- São Félix hoje está entre os campeões de redução do desmatamento. Teve esse aumento, mas foi o segundo menor índice já registrado, historicamente é pouco expressivo - completou Sztutman.

O Globo, 05/06/2014, Especial, p. 6

http://oglobo.globo.com/sociedade/sustentabilidade/a-reviravolta-de-sao…

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