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Revelações sobre o massacre da década de 40

Jornal do Tocantins-Palmas-TO
Autor: Rosalvo Leomeu
14 de Jan de 2002

Um dos momentos mais difíceis e trágicos da história dos Krahô é o do massacre que sofreram na década de 1940

O trabalho de Jorge Carneiro tem o mérito de traçar, desta maneira, com clareza, a origem do conflito: " Com a morte do fazendeiro Agostinho Soares, em meados da década de 1930, seu filho Mundico Soares assumiu a direção das fazendas e das milhares de cabeças de gado, adotando a partir daí um tratamento diferenciado para com os Krahô. O fato provocou uma revolta por parte dos índios, culminando num confronto, que resultou na morte de mais ou menos 26 índios e de um cidadão de Itacajá por nome de Sebastião Pereira.

"Esse fato, desde a chegada dos Krahô na região, foi o que teve maior repercussão, pois chamou a atenção das autoridades nacionais e internacionais, levando o então Interventor Federal de Goiás, Dr. Pedro Ludovico Teixeira, a baixar o Decreto Lei no 102m de 5.8.1944, com vistas à demarcação das terras dos índios Krahô, denominando tais terras de Reserva Indígena Kraholândia. O lugar escolhido foi justamente do outro lado do Rio Manuel Alves, onde se encontravam três grandes fazendas do fazendeiro Mundico Soares, assim penalizado mais uma vez pela morte dos índios."

Genocídio
O massacre abordado no trabalho jurídico de Jorge Carneiro representa um dos momentos mais dramáticos da história tocantinense. Além dos 26 índios mortos, toda uma tribo poderia ter sido dizimada e se poderia ter chegado a um genocídio já que não apenas Mundico Soares, mas outros fazendeiros também participaram do ato. Eles armaram sertanejos e chegaram a contar com a ajuda de um contingente policial no ataque aos índios. É aí que entra em cena um personagem que a colunista Danuza Leão, há tempos atrás, no Jornal do Brasil, destacou como um herói desconhecido da recente história brasileira. É o arraiano Antero Batista de Abreu Cordeiro, 94 anos, mais conhecido por Doca Cordeiro. Ele foi indicado prefeito de Pedro Afonso pelo interventor de Goiás, Pedro Ludovico Teixeira, e foi a ele que recorreram dezenas e dezenas de índios que fugiram procurando escapar do massacre.

O então jovem prefeito deu guarida aos Krahô e adotou providências para que a matança não continuasse, já que até o telegrafista da cidade estava contra os índios. O prefeito mandava telegramas para o Rio de Janeiro contando o ataque e relatando a situação tensa, mas o telegrafista invertia as mensagens, dizendo exatamente o contrário. Um aviador que passou por Pedro Afonso levou cópias dos telegramas de Doca para as autoridades da República no Rio de Janeiro e aí é que começaram as providências. Comissões que vieram do Rio de Janeiro e investigaram os fatos. Inquéritos foram abertos e se exumaram corpos dentre os quais figuravam mulheres e crianças. Fazendeiros e agregados foram presos e se pôs um fim aos conflitos. Doca Cordeiro cumpriu com seu dever, mas o fato o marcou para sempre.

Na época, por defender os índios ele contou com pouca solidariedade na região. Contudo, naquela ocasião, recebeu uma mensagem que muito fortaleceu o seu espírito. Foi uma carta do professor José Queiroz, membro da Academia de Letras de Carolina (MA), enaltecendo o seu gesto humanitário. Coincidentemente, o professor era da mesma região de onde vieram os Krahô e Agostinho Soares, pai de Mundico Soares. Outro fator que marcou o prefeito foi a coincidência de que vários dos fazendeiros e agregados presos eram seus amigos e lhe causou muita tristeza vê-los na cadeia. Pouco depois, Doca resolveu renunciar à cadeira de prefeito marcado pelas fortes lembranças do massacre e de suas conseqüências.

Recompensa
Atualmente nonagenário, ele confessa ter a consciência tranqüila de ter cumprido com seu dever e diz que, se voltasse no tempo, agiria do mesmo jeito na defesa dos índios. Doca revela ainda que a amizade que os Krahô lhe dedicam até hoje representa a maior recompensa pelo seu gesto corajoso de homem público.

A dissertação de Carneiro lança luzes e traz mais informações sobre o período pós-massacre. A obra relata que Mundico Soares cumpriu pena integral de cinco anos de reclusão na cadeia pública de Pedro Afonso, mesmo sendo proprietário de milhares de cabeças de gado e de grandes quantidades de terra e que o castigo fez com que surgisse na sociedade local um grande respeito pelo poder estatal. O trabalho descortina um fim impensável e surrealista entre agressor e agredidos: "Cumprida a pena, houve um relacionamento amistoso entre o fazendeiro e os índios, que se encontravam do outro lado do Rio, ocupando suas terras, já demarcadas.

Nos últimos dias de vida do fazendeiro Mundico Soares, os índios reunidos em uma de suas fazendas fizeram uma grande confraternização, selando uma harmonia familiar que perdura até os dias de hoje."

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