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Reunião prorroga Protocolo de Kyoto

OESP, Vida, p. A26
09 de Dez de 2012

Reunião prorroga Protocolo de Kyoto
Acordo climático, que expiraria neste ano, continua até 2020; foi o único resultado positivo da Conferência do Clima da ONU em Doha

GIOVANA GIRARDI , ENVIADA ESPECIAL / DOHA

Com todos os eventos extremos que afetaram o mundo neste ano, era de se esperar mais. O mundo já está sentindo os impactos que podem ser trazidos pelas mudanças climáticas, mas o texto final apresentado ontem em Doha (Catar) na Conferência do Clima da ONU passa a impressão de que ainda há muito tempo para lidar com o problema.
Após duas semanas de negociações - e um encerramento adiado por pelo menos 26 horas na virada de sexta para sábado - não foi possível superar a falta de ambição que todos os países pediram, mas que nenhum teve condições de entregar. Nem contornar o velho dilema de países em desenvolvimento cobrando dos desenvolvidos financiamento para combater as mudanças climáticas. Mas a COP 18 trouxe ao menos um resultado que foi comemorado - a prorrogação do Protocolo de Kyoto até 2020.
O acordo, único legalmente vinculante que traz metas para os países ricos reduzirem suas emissões de gases de efeito estufa, expiraria no fim do ano. Com a decisão de Doha, um segundo período passa a valer já em 1o de janeiro, com menos participantes e novas metas de redução. Países da União Europeia, por exemplo, se comprometem a reduzir 20% de suas emissões. No caso do bloco, pode subir para 30%. O texto também prevê que em 2014 seja feita uma revisão desses valores.
O ponto mais sensível para a aprovação do documento foi a questão do chamado "ar quente", créditos de emissões reduzidas que países do Leste Europeu e ex-membros da União Soviética têm porque diminuíram suas emissões além da meta. A proposta era de que haveria uma concessão limitada (de 2,5%) para que esses países carregassem esse crédito para o segundo período de Kyoto.
O tema chegou a bloquear as negociações e tinha potencial de impedir que ele fosse aprovado, o que poria todo o resto a perder. A Rússia não entrou no 2o período, mas queria continuar usando seus créditos, mesmo sem ter novas metas de emissão.
Países em desenvolvimento, no entanto, exigiam que isso não acontecesse porque a tal redução "a mais" foi meio artificial. Como esses países eram muito ineficientes ao fim do regime comunista, ao adotarem simples ações de eficiência energética, puderam cumprir sua meta. Esse carregamento, dizem, pode comprometer a integridade ambiental do novo Kyoto.
Para o Brasil, que considerava a continuidade do protocolo essencial, o resultado poderia ter sido melhor. Um dos pontos que não foi decidido é como os países ricos vão desembolsar a partir do ano que vem, e até 2020, os US$ 100 bilhões prometidos na COP de Copenhague. Um desejado mapa especificando isso não foi fechado em Doha.
Mas ao menos, afirmaram os brasileiros, se evitou o colapso de Kyoto. Ele vai servir como base legal, dizem, para a negociação de um novo acordo climático até 2015, para entrar em vigor em 2020, envolvendo todos os países. "Tínhamos de manter Kyoto para avançar em um novo acordo legal vinculante", disse a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira. "É um modelo baseado em regras que garante que todo mundo envolvido está fazendo sua parte", disse o embaixador Luiz Figueiredo Machado, principal negociador do Brasil.
Prejudicados. Entre os países em desenvolvimento e ONGs, a sensação era de que os Estados insulares e as nações menos desenvolvidas foram as que mais perderam na negociação. Em todo o processo, eles foram bastante passionais ao praticamente implorar para que houvesse mais ambição, a fim de evitar que o planeta aqueça mais de 2"C. E queriam fortemente que fosse criado um mecanismo para lidar com suas perdas e danos.
Alguns países já estão além da possibilidade de se adaptar. "Só nos encontramos nessa situação porque os países desenvolvidos falharam em ajudar financeiramente", disse Pa Ousman, delegado de Gâmbia.
"Há um abismo moral entre o que foi decidido aqui e o que a ciência e a realidade mostram. Eventos extremos aconteceram neste ano em todo lugar, como o furacão Sandy, o tufão nas Filipinas, seca recorde no Brasil e nos EUA, e os países não se posicionaram para evitar isso", disse Carlos Rittl, da WWF-Brasil. "É um resultado pífio."

Texto final da conferência foi aprovado sem consentimento da delegação russa

DOHA

Contrariando o princípio de que conferências multilaterais sob o chapéu da ONU têm de tomar decisões com base em consenso, a COP 18, em Doha, foi concluída com discordância da Rússia. O país não queria o texto do Protocolo de Kyoto com restrições ao uso do "ar quente" (créditos excedentes de redução de emissões) no segundo período de compromisso e estava seriamente bloqueando as negociações.
Depois de várias consultas às delegações, reuniões de grupo e bilaterais terem concluído que a versão proposta ontem pela manhã poderia ser aprovada, e no momento em que o presidente da COP, Abdullah Bin Hamad Al-Attiyah, estava para abrir a plenária, a Rússia disse que era contra.
O processo ficou paralisado por horas e parecia que poderia colapsar. De repente Al-Attiyah, num estilo fanfarrão, reconvocou a plenária e começou a adotar, um a um, os textos propostos. "Fomos bem sucedidos em transformar dois dias em um. Ouvi todos os grupos, até limpei meu ouvido para ouvir bem", brincou arrancando gargalhadas da cansada plenária.
Depois ele explicou em coletiva de imprensa que captou o "sentimento da plenária" e concluiu que havia um acordo geral sobre os documentos. Em resumo, o desejo de um único país não poderia comprometer o consenso dos demais.
Oleg Shamanov, chefe dos negociadores russos, esbravejou e tentou ainda na plenária inverter a situação, mas só ouviu do presidente que seu protesto seria incorporado ao documento. "É lamentável, decepcionante, a atitude do presidente em ignorar o que dissemos", disse depois à imprensa.
A Rússia tem o maior volume de "ar quente" entre os países que participaram do Protocolo de Kyoto: cerca de 7 bilhões de toneladas de carbono, o equivalente às emissões de um ano dos Estados Unidos.
Para praticamente todos os demais países, seu uso para abater emissões ou vender como crédito para quem precisa reduzir emissões seria ameaçar a integridade ambiental de Kyoto. Tanto que houve na plenária um compromisso formal de União Europeia, Japão, Liechtenstein, Mônaco, Noruega e Suíça de não comprarem nenhum "ar quente". A venda foi autorizada, mas num volume limitado. / G.G.

Decisões
Prorrogação
Para o segundo período de compromisso do Protocolo de Kyoto, os países têm como meta agregada a redução de 18% das emissões de gases de efeito estufa entre 2013 e 2020, em relação aos níveis de 1990

Participantes
Ficaram de fora da nova etapa de Kyoto: Rússia, Japão, Nova Zelândia e Canadá

Representatividade
Juntos, os países que continuam comprometidos com Kyoto (países europeus, antigas repúblicas socialistas e Austrália) respondem por 15% das emissões globais do planeta

Recursos
Grupo de trabalho sobre financiamento de longo prazo foi estendido por um ano, para ser solucionado na COP do ano que vem, em Varsóvia (Polônia)

Princípios
Acordo sobre a chamada Plataforma de Durban (local onde foi realizada a COP anterior, na África do Sul), que trata do novo regime climático que tem de ser fechado até 2015, ficou sem uma referência ao documento O Futuro que Queremos, fechado na Rio+20, que reafirmava a equidade e as responsabilidades comuns, porém diferenciadas dos países no combate às mudanças climáticas. A retirada foi pedida por EUA, União Europeia, Noruega e demais países ricos.

OESP, 09/12/2012, Vida, p. A26

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