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Reunião entre organizações conveniadas e a Funasa rediscute "novo modelo" de gestão da saúde indígena

Coiab-Manaus-AM
02 de Mar de 2004

A insatisfação das organizações conveniadas perante a tentativa da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) de impor um "novo modelo" de gestão da saúde indígena adiou aparentemente a vontade deste órgão de pactuar a implantação imediata do mesmo. Uma reunião para prosseguir com as discussões iniciadas em Manaus na sexta-feira, 27/02, com o Presidente do órgão, Valdi Camarcio Bezerra, deve acontecer no próximo dia 18 de março, em Brasília.

"Esperamos que sejam de fato respeitadas as demandas das conveniadas e que a próxima reunião não seja mais uma jogada dos diretores da Funasa, não sentido de impor de vez o modelo que pensaram de forma antidemocrática. É preciso que, com a participação de todas as conveniadas e inclusive dos técnicos e profissionais de saúde, se avalie com profundidade o atual modelo de gestão da saúde indígena, antes de prosseguir com a discussão de qual o substituirá. Dessa forma, na reunião de Brasília, exigiremos o atendimento das nossas reivindicações e a definição de um cronograma de discussões para a definição participativa do novo modelo", afirma o coordenador tesoureiro da Coiab, Genival Mayoruna.

Na reunião de Manaus, organizações indígenas conveniadas entregaram ao Presidente da Funasa um Documento em que criticam duramente a forma autoritária com que este órgão definiu novas diretrizes e pretende implementar um "novo modelo" de atendimento à saúde indígena, sem antes ter ouvido às organizações conveniadas e avaliado devidamente o atual modelo. As organizações criticam a falta de apoio técnico, político e administrativo da Funasa aos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI's) e rechaçam a tentativa de desprestigiar às conveniadas, comportamento não aplicado para com as prefeituras, das quais, segundo as organizações, deveria também ser retirado a responsabilidade de gerenciar recursos destinados à saúde indígena.

As conveniadas, no entanto, concordando de que a saúde indígena é de responsabilidade do órgão federal, se disponibilizaram a colaborar nessa transferência da gestão à Funasa, desde que ela garanta um processo de transição que considere: o repasse gradual, conforme as peculiaridades de cada região e Distrito; o controle das conveniadas sobre os profissionais contratados, inclusive dos vinculados ao Programa da Família Indígena (PSFI); e a discussão de um novo modelo de atendimento, através de reuniões, encontros, Grupos de Trabalho Distritais e Interdistritais, e da Conferência Nacional de Saúde Indígena, em 2005.

O ponto de vista da Coiab

Na mesma reunião com o Presidente da Funasa, em Manaus, a Coiab deu a conhecer o seu ponto de vista sobre as decisões do órgão. Para a Coiab a posição autoritária da Funasa não condiz com um governo que se considera democrático e popular e constitui mais um feito da política de retrocesso no tratamento dos direitos indígenas, contrariamente ao que foi acordado na campanha eleitoral e no governo de transição.

"A proposta é questionável e inaceitável, porque foi embasada numa prática antidemocrática e sem o suposto consenso alegado nos meios de comunicação pela Funasa", afirma a Declaração Pública da Coiab. O Documento também responsabiliza o órgão pelas falhas e deficiências dos DSEIS's, por não ter dado o apoio técnico, político e administrativo necessários e por ter bloqueado canais de diálogo e discussão permanente sobre os rumos do atendimento à saúde dos povos indígenas.

Segundo a Coiab, nada garante que o "novo modelo" seja capaz de oferecer, em curto prazo, um atendimento de qualidade aos povos indígenas, considerando, entre outras questões, a formação e capacitação dos profissionais de saúde, a especificidade e diversidade cultural dos povos indígenas e a participação efetiva das comunidades indígenas no controle social das ações de atendimento. A organização indígena não admite "que os direitos indígenas e particularmente os rumos da saúde indígena sejam submetidos às disputas internas do partido ou da base de sustentação do governo e, assim, negligenciada em função de projetos e aspirações políticas de grupos e interesses partidários em ano eleitoral, desconsiderando toda experiência acumulada pelos povos e organizações indígenas conveniadas".

A Coiab, exige, por fim, "que a Funasa e o Ministério da Saúde revejam as decisões tomadas, em diálogo franco com as organizações conveniadas, visando a busca e definição serena e definitiva de um modelo eficaz, que realmente atenda com qualidade a saúde dos povos indígenas. Em caso contrário, a Coiab e as organizações indígenas que compõem a sua base política, também responsáveis de alguns DSEI's, serão levadas a não só devolver toda a responsabilidade dos Distritos à Funasa, mas a responsabilizá-la pela deterioração da saúde dos povos indígenas e quaisquer outras conseqüências que porventura venham acontecer em decorrência das mudanças abruptamente anunciadas".

Esta posição, segundo o coordenador geral da Coiab, Jecinaldo Saterê Mawé, decorre da responsabilidade de defender os direitos indígenas. "Nunca vamos aceitar que se nos imponha um modelo, porque o nosso papel e defender os direitos dos povos indígenas. A Funasa tem que entender que não tem pernas para assumir de repente o gerenciamento da saúde indígena. Não somos contra que ela assuma esse papel, mas é preciso valorar as experiências acumuladas e discutir com responsabilidade o repasse gradual, de forma organizada, das responsabilidades, garantindo a nossa plena participação no processo de avaliação, planejamento e execução das ações de atendimento básico à saúde dos povos indígenas. Nos preocupa o desrespeito à diversidade cultural dos nossos povos, a perda da nossa medicina tradicional e a falta combate sério às doenças que já deveriam estar controladas há muito tempo como a malária e a tuberculose ou daquelas que estão chegando progressivamente às nossas comunidades, como as Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST/AID's)", declara Jecinaldo.

Os diretores da Funasa vieram a Manaus para explicar as bases jurídicas da responsabilidade federal do órgão, a forma de operacionalizar o "novo modelo" de gestão da saúde indígena e a proposta de "pactuar" com as organizações conveniadas que assim o desejarem as "ações complementares" possíveis no seu Distrito.

"Não é possível dar um salto de qualidade, pensar em saúde, sem ter uma política única, um eixo que unifique as ações de saúde e melhore os indicadores da saúde indígena", disse o presidente da Funasa, Valdi Camarcio Bezerra, que destacou ainda como metas importantes do órgão o repasse regular, mensal, dos recursos financeiros, visando prestações de contas mensais; a capacitação dos profissionais de saúde, funcionários e conselheiros, para garantir excelência nas ações, na administração e controle social; e o funcionamento do Comitê Consultivo, que deverá avaliar e propor ações a serem executadas.

As explicações não impediram entretanto que as organizações presentes à reunião de Manaus insistissem em prosseguir com as discussões, de forma a garantir o repasse gradual de suas responsabilidades à Funasa que lamentavelmente não propiciou até agora condições de diálogo e participação no processo de definição do novo modelo de gestão da saúde indígena, situação que justifica o teor dos documentos reivindicatórios das conveniadas.

Face a esse posicionamento, a Funasa concordou em marcar uma outra reunião em Brasília, no dia 18 de março. A reunião poderá se estender até o dia 19, dependendo do andamento das discussões.

Participaram na reunião de Manaus as seguintes organizações: Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab); Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn); Conselho Indígena de Roraima (Cir), Coordenação da União das Nações e Povos Indígenas de Rondônia, Norte de Mato Grosso e Sul do Amazonas (Cunpir); Conselho Geral da Tribo Ticuna (CGTT); Conselho Indígena do Vale do Javari (Civaja); União das Nações Indígenas de Tefé (Uni - Tefé); e Instituto de Desenvolvimento de Atividades de Auto-sustentação das Populações Indígenas (Indaspi).

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