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Retirada de famílias em porto de Eike é polêmica

OESP, Economia, p. B6
02 de Mai de 2011

Retirada de famílias em porto de Eike é polêmica
Desapropriação de áreas para siderúrgica e estaleiro tira calmaria do norte fluminense

Glauber Gonçalves

Ao falar da propriedade que terá de deixar para dar lugar aos megaempreendimentos que se instalarão no complexo industrial do Porto do Açu, o agricultor Manoel Roberto Xavier, 51, se esforça para conter as lágrimas. Com a voz embargada, ele relata seu drama ao mostrar os tratores que avançaram sobre a plantação de abacaxi da família para abrir caminho para dutos imensos. "Chegaram com um papel e minha irmã assinou sem saber o que era", diz.
No interior de São João da Barra, município de cerca de 30 mil habitantes no norte fluminense, relatos como esse, entre emocionados e indignados, multiplicam-se pelas pequenas propriedades rurais espalhadas por um relevo tão plano que permite enxergar o horizonte.
A calmaria do local foi perturbada há pouco mais de um mês, quando o governo do Estado começou a desapropriar a área que abrigará uma siderúrgica e um estaleiro, orçados em R$ 11 bilhões, trazidos na esteira do porto que a LLX, de Eike Batista, constrói no local.
O reassentamento de populações, processo normalmente traumático para os moradores, causou ainda mais transtornos pela forma atropelada como foi feito, contrariando recomendações do Banco Mundial, que servem como referência internacional.
A instituição insiste, por exemplo, que se dê preferência à negociação, mesmo quando decisões judiciais garantem a desapropriação sem o consentimento dos proprietários.
Não foi o que aconteceu. Os agricultores reclamam que foram retirados de suas propriedades antes mesmo de receber o ressarcimento e dizem não terem sido avisados com antecedência da desapropriação. Descontentes com a forma como o processo está sendo conduzido, um grupo ateou fogo em pneus na entrada do porto, forçando a interrupção das obras por dois dias na semana passada.
Surpreendida pela desapropriação, a assistente social Elliana Tauil Linhares, 60, diz que amigos lhe avisaram que oficiais de Justiça se dirigiam à sua propriedade. Saiu às pressas da cidade de Campos dos Goytacazes, onde mora, e deparou-se com carros da polícia na entrada de suas terras.
"Me senti uma bandida. Parecia que era eu quem queria pegar a terra dos outros", disse, ao comentar que os oficiais romperam o cadeado da propriedade com um alicate e lhe deram duas horas para retirar o gado que mantinha na área. Na última quinta-feira, ela voltou ao local depois de obter na Justiça a reintegração temporária da posse.
Procurada, a LLX isenta-se de culpa e afirma que o processo está sendo tocado pela Companhia de Desenvolvimento Industrial do Estado do Rio (Codin). "A empresa acompanha de perto o procedimento conduzido pela Codin e avalia que o mesmo acontece de forma transparente obedecendo com rigor as normas e ritos legais", informou a empresa em nota.
O órgão do governo do Estado sustenta que 94 famílias residem na área de 70 quilômetros quadrados a ser desapropriada, mas admite que outras têm atividades agrícolas na região. Os agricultores, no entanto, dizem que a desapropriação envolve 1,5 mil famílias. Inicialmente, 40 lotes estão sendo desapropriadas.
Os pés descalços e os acenos de mão a qualquer carro que cruza as estradas da região evidenciam a simplicidade dos moradores. Muitos deles já idosos, não querem deixar o distrito onde nasceram e passaram toda a vida dedicando-se ao cultivo de abacaxi, maxixe e caju e à pecuária.
Casados há 40 anos, Reinaldo Toledo de Almeida, 75, e Maria Luzia Toledo de Almeida, 60, contam que perderam a posse de uma das duas propriedades que possuíam. Sem ter para onde levar o gado, precisou vendê-lo. No outro pedaço de terra, onde está a casa deles e as dos seis filhos, a plantação de abacaxi e a falta de pastagem impedem a permanência dos bois.
A família diz que ainda não foi ressarcida pela expropriação e que não foi orientada sobre como será feito o pagamento. "Tenho vergonha de dizer aos meus filhos que preciso de ajuda. Às vezes passo aperto para não pedir", afirma a produtora. Com medo de perder também as casas, a família afixou uma faixa na frente do terreno: "Propriedade particular. Proibida a entrada".
Burocracia. O que está impedindo a chegada das indenizações é a fragilidade dos documentos das terras, informa a Codin. Em grande parte dos casos, as propriedades foram recebidas de herança e divididas em diversas partes, sem que os papéis fossem regularizados. Para colocar tudo em dia, porém, é necessário tempo e dinheiro. Sem isso, os valores só podem ser depositados em juízo.
Embora o decreto de desapropriação tenha sido assinado pelo governador Sérgio Cabral em 2008, de lá para cá, houve pouco diálogo prévio com os produtores. Segundo o secretário de planejamento de São João da Barra, Vitor Aquino, a Codin somente instalou um escritório na cidade há cerca de três meses. "O Estado foi um pouco omisso nesse processo", reconhece.
Outro ponto de discórdia entre o governo e os produtores é o valor pago pelas propriedades. A avaliação feita pela Codin estimou em cerca de R$ 90 mil o preço do alqueire. No entanto, o vice-presidente da Associação dos Proprietários Rurais e de Imóveis (Asprim), Rodrigo Santos, quer que a área seja avaliada como um distrito industrial, designação dada pelo poder público. "Levando-se em conta que agora é uma área industrial, o valor chegaria a R$ 960 mil", diz. / COLABOROU ALEXANDRE RODRIGUES

LLX afirma que já construiu três casas aos desapropriados

Em nota, a LLX alegou que o processo de desapropriação, de responsabilidade da Codin, "acontece de forma transparente e em estrita observância aos ritos legais." A empresa argumenta ainda que comprou a Fazenda Palacete para construção de casas do projeto Vila da Terra, onde serão reassentadas as famílias de São João da Barra. A LLX diz que a primeira fase prevê a construção de 34 casas e três já foram construídas. No total, segundo a LLX, a Vila da Terra terá 84 casas, "todas equipadas com máquina de lavar, televisão, geladeira, fogão, computador." Além disso, afirma, o local terá creche, centro comercial, posto de saúde, escola, rede de esgoto, água e iluminação.

'Eu pensava que o porto vinha para melhorar'
Com baixa qualificação, trabalhadores temem ficar desempregados sem as áreas destinadas para produção agrícola

Glauber Gonçalves e Alexandre Rodrigues

Prestes a comemorar cem anos, Anadir Lopes, lamenta que a vida não é mais a mesma na localidade de Água Preta. Na entrada da propriedade em que vive com a mulher, ele comercializa os produtos colhidos na região, mas, com a saída da população para dar lugar ao complexo industrial, reclama que já não há nem o que vender, nem quem comprar.
"Eu pensava que o porto vinha para melhorar, mas só piorou", lamenta Lopes, ao contar que hoje o negócio lhe garante apenas R$ 250 por mês. Sem os documentos da propriedade, dados por um "ex-patrão" como pagamento de uma dívida trabalhista, ele tem medo de ficar sem a propriedade.
A situação de seu Anadir é parecida com a de muitos outros moradores da região, que, apesar de não serem produtores rurais, trabalham nas plantações ou em atividades relacionadas. Com a remoção dos produtores, há grande risco de ficarem sem trabalho.
O professor Alcimar Ribeiro, da Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF), acredita que a atividade de subsistência nas áreas desapropriadas é importante para uma população que, pela baixa qualificação, dificilmente se beneficiará dos empregos do complexo industrial.
"É preciso discutir mais compensações, que passam por indenizações melhores e alternativas econômicas para essa população. Os empreendedores, que estão juntos dos governos na hora dos projetos, também deveriam se envolver nesse processo", criticou. O professor sugere a implantação de um distrito agroindustrial para agregar valor ao que é produzido na região.
A presidente da Companhia de Desenvolvimento Industrial do Estado do Rio (Codin), Conceição Ribeiro, reconhece que inicialmente o órgão não tinha esse entendimento. "É a primeira vez que estamos fazendo isso. Estamos aprendendo ao fazer", afirma.
Ao perceber o problema, ela se propôs a buscar parcerias com órgãos públicos para oferecer cursos de capacitação na área agrícola com o objetivo de qualificar as atividades desenvolvidas pelos produtores locais.

Grupos políticos tentam tirar proveito da situação

Glauber Gonçalves

Para o economista Alcimar Ribeiro, professor da Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF), a expropriação está sendo realizada de forma impositiva pelo governo. "O Estado chegou achando que poderia desapropriar com decisões de cima para baixo, tomadas por pessoas que não conhecem a região", afirma.
Na avaliação do economista, à omissão do Estado somam-se outros ingredientes que agravam a situação dos agricultores da região. A falta de organização da sociedade civil pode abrir espaço para que grupos políticos se aproximem para oferecer ajuda e usem a situação para se promover.
A Associação dos Produtores Rurais e de Imóveis (Asprim), que luta pelos direitos dos proprietários, por exemplo, foi criada há apenas cinco meses. O vice-presidente, Rodrigo Santos, relata que já foi procurado por políticos querendo tirar proveito da situação.
Após o protesto em que bloqueou as entradas do porto na semana passada, o grupo conseguiu marcar uma reunião com a Codin.
Na ocasião, os representantes do governo propuseram dar um auxílio aos produtores, com valor equivalente ao da renda mensal das propriedades, até que o ressarcimento seja pago. Um posto da companhia também será instalado mais próximo dos produtores para facilitar o diálogo, prometeu a presidente da Codin, Conceição Ribeiro.
Ela ressalta, entretanto, que não é possível parar a desapropriação, como querem os agricultores, pois o Estado teme perder o estaleiro para Santa Catarina e a siderúrgica para o Espírito Santo. "Os agricultores dizem que não são contra o projeto, mas o pedido de paralisação não condiz com isso", afirmou Ribeiro.

OESP, 02/05/2011, Economia, p. B6

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