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Resumo da situação da Terra Jaminawa do Rio Caeté. Na verdade, é um trecho do relatório que Terri e eu entregamos ao Zon

Marcelo Piedrafita
Autor: Marcelo Piedrafita
22 de Out de 2002

Jaminawa do rio Caeté

Desde meados da década de 90, com o fim da assistência propiciada com recursos do Plano Definitivo do PMACI, inúmeras famílias Jaminawa abandonaram as terras indígenas Cabeceira do Rio Acre e Mamoadate, já reconhecidas pela Funai no estado, migrando para as periferias das cidades de Assis Brasil, Brasiléia, Sena Madureira e, sobretudo, Rio Branco.
Vários motivos, entre os quais a falta de preço e de mercado para a borracha e produtos agrícolas, bem como a emergência de sérias divergências internas, que resultaram na morte de um índio na TI Cabeceira do Rio Acre, levaram diversas famílias Jaminawa a migrar para os principais núcleos urbanos regionais, onde suas mulheres, adolescentes e crianças passaram a mendigar e a se prostituir.
Essa situação de marginalidade, sobretudo em Rio Branco, passou a incomodar a sociedade acreana. Diversas autoridades locais exigiram que a administração da Funai de Rio Branco tomasse providências no sentido de retirar 115 índios Jaminawa que perambulavam pelas ruas da capital.
No início de 1997, a juíza da Infância e da Juventude de Rio Branco encaminhou ofício ao administrador da Funai, comunicando haver recebido inúmeras denúncias de que várias índias, quase sempre acompanhadas por seus filhos menores, mendigavam nas ruas da capital, principalmente nas proximidades das casas bancárias. Solicitou, ainda, que a Funai local adotasse providências imediatas "para que não seja imperioso tomarmos medida como a de retirar as crianças das ruas e colocá-las em abrigos, o que virá de encontro ao sentimento que as mães índias têm para com os filhos".
Pressionado pelo Juizado de Menores e, logo depois, pela Procuradoria da República no Estado do Acre, o então administrador José Vítor Santana tentou fazê-los retornar às terras indígenas Cabeceira do Rio Acre ou Mamoadate, mas só algumas famílias atenderam o seu apelo. Com apoio da FNS, UNI, Cimi e Comin, a Funai propôs assentá-los em outras terras indígenas do estado, como Alto Purus e Jaminawa do Igarapé Preto, e, ainda na TI do Igarapé Capana (127.650 ha), habitada pelos Jamamadi, no município amazonense de Boca do Acre. Todas essas iniciativas, contudo, não obtiveram sucesso.
Por coincidência, justamente em 1997, ano em que a Funai finalmente concluiu a demarcação física da TI Cabeceira do Acre, com 78.512 ha, o administrador da AER/RBR determinou que dois indigenistas do órgão, Antônio Luiz Batista de Macêdo e Geraldo Carlos Alberto, procurassem uma "terra devoluta" no município de Sena Madureira, onde fosse possível assentar onze famílias Jaminawa. Estas famílias, liderados por Antônio Kuruma, recusaram-se a retornar à TI Cabeceira do Acre, de onde haviam se retirado após o assassinato de um irmão desta liderança indígena. Também não aceitaram mudar-se para a TI Mamoadate, onde hoje existem duas aldeias de seu povo, Betel e Cujubim.
"Os índios Jaminawa que retornaram para a comunidade de Betel na TI Mamoadate, situada no alto rio Iaco, e para a aldeia Ananaya (São Lourenço) na TI Cabeceira do Rio Acre foram aqueles que, embora tenham fortes rivalidades com os outros que lhes haviam expulsados de São Lourenço, mesmo assim, entre viver mendigando nas ruas de Rio Branco e conviver, mesmo que insatisfeitos, com seus parentes de São Lourenço e Betel, preferiram voltar para aquelas aldeias. Já no que se refere as 11 famílias que vivem sob a liderança de Antônio Kuruma, estas não tem mais espaço em nenhuma daquelas aldeias do rio Acre e nem do rio Iaco. Pois é, exatamente, entre estas famílias e as que continuaram vivendo nas Terras Indígenas Cabeceira do Acre e Mamoadate que reina o maior desentendimento, que muitas vezes culmina com mortes de um lado ou de outro. Neste caso, seria muita intransigência, exigir que mesmo assim, estas 11 famílias tivessem que voltar a morar onde seriam mortas ou teriam que, de alguma forma, se tornarem matadores de seus adversários", assinalou o indigenista Antônio Macêdo no memorando no 32 de 22.10.97, encaminhado à Diretoria de Assuntos Fundiários da Funai.
Em meados de 1997, depois de muito procurarem, os indigenistas da Funai encontraram o seringal Boa Vista, situada no alto rio Caeté, no município de Sena Madureira. Acompanhado por esses dois indigenistas, Antônio Kuruma e outros chefes de família Jaminawa também visitaram esse seringal, decidindo mudar-se para lá.
"Após tentar diversas saídas sem alcançar o resultado esperado foi que a FUNAI, juntamente com o INCRA e as lideranças indígenas Jaminawa, realizou uma pesquisa criteriosa no rio Caeté, no município de Sena Madureira, e pode assim encontrar a terra que tanto atende aos índios, quanto está desocupada e improdutiva. A principal e mais acertada saída agora é desapropriar o seringal Boa Vista, com 22.366 ha, atualmente pertencente ao Sr. Ciro Machado Filho, que, por sua vez, permitiu que o assentamento dos índios fosse feito em sua propriedade. Para que venha ser criado ali uma terra indígena, na qual aqueles índios possam não simplesmente sonhar em ter uma vida melhor, mas possam, sobretudo, desenvolver-se e enraizar-se naquela nova terra", destacou Antônio Macedo em seu memorando.
Entendimentos mantidos com os proprietários do seringal, Ciro Monteiro Filho e sua mulher, realizados na cidade de Sena Madureira, resultaram numa proposta de venda do seringal Boa Vista, encaminhada à AER-RBR, em 22 de setembro de 1997, e, posteriormente, à Diretoria de Assuntos Fundiários da Funai.
Receosos de que seu seringal fosse considerado "terras devolutas da União", os proprietários apresentaram uma "Carta Proposta" à Funai, concordando com a transferência dos índios para suas terras, desde que a Funai ou outro setor competente da União, no prazo de um ano, promovesse a desapropriação do Boa Vista e iniciasse o pagamento da indenização devida.
"Decorrido esse prazo, e se nada for feito, a Funai se obriga a promover por sua conta e expensas a desocupação do imóvel e restituir a sua posse aos mesmos. Os proponentes nada indenizarão a quem quer que seja pelas benfeitorias implantadas no imóvel durante o período dessa posse provisória de um ano. Essa posse provisória não dá direito algum para aquisição do domínio pelo usucapião. Também não gera direito à propositura de Ação de Desapropriação em favor dos proponentes", assinalaram os proprietários do Boa Vista em sua "Carta Proposta".
O reassentamento das famílias Jaminawa no rio Caeté, segundo o relatório dos indigenistas da Funai, foi discutido com os agricultores e colonos que vivem no Projeto de Assentamento Boa Esperança do INCRA, situado na circunvizinhança do Boa Vista, embora este seringal não incida na área do Projeto. Técnicos e representante do INCRA de Sena Madureira também foram informados.
Em outubro de 1997, após entendimentos preliminares mantidos com os proprietários do seringal, onze famílias Jaminawa mudaram-se para o rio Caeté. Em duas ocasiões distintas, a transferência dos índios fora comunicada à direção do órgão em Brasília, com a intenção de que fosse tomada medida efetiva a favor da regularização das terras recém ocupadas por essas famílias no seringal Boa Vista.
"Após a direção da Administração Executiva Regional da Funai de Rio Branco (AER-RBR) ter criado essa situação fundiária nova, no peito e na raça, e assentado no seringal Boa Vista as 11 famílias Jaminawa, comunicou-se o fato à alta direção da Funai em Brasília, na expectativa de que fosse encontrada uma maneira de regularizar a situação criada de forma fora do comum. Assim, foi encaminhado o memorando no 391/AER-RBR de 07.10.97 ao diretor da Diretoria de Assuntos Fundiários, no sentido de viabilizar a regularização das terras ora pretendidas pelos Jaminawa em questão; e também o memorando no 395/AER-RBR de 08.10.99 ao diretor de Assistência, onde era solicitado todo empenho dessa diretoria, no sentido de uma breve solução a favor da definitiva regularização daquelas terras pretendidas por Kuruma, que há quase dez anos perambula em busca de paz para si e para seus familiares, mas infelizmente só tem encontrado a amargura da discriminação no seio da sociedade branca. Com exceção de um parecer do antropólogo Terri Aquino contrário ao procedimento adotado pela AER Rio Branco, nenhuma novidade ocorreu sobre a definição fundiária daquele seringal Boa Vista, que se tornou uma terra indígena", assinalou o antropólogo Antônio Pereira Neto, atual administrador da Funai de Rio Branco, em seu memorando no 182/GAB/AER-RBR de 23.05.99).
Por ocasião da mudança dos Jaminawa para o Boa Vista, realizada em outubro de 1997, seis famílias de seringueiros regionais já ocupavam colocações do seringal Boa Vista, situadas às margens do rio Caeté. A perplexidade dos seringueiros com a chegada dos índios no seringal, bem como os boatos de que os índios os expulsariam de suas colocações, foram assim retratada no seguinte trecho do relatório de viagem dos servidores da Funai, que acompanharam o deslocamento dessas famílias indígenas até a colocação Extrema, onde inicialmente se estabeleceram.
"Existe na área o total de seis famílias, são elas: Arlindo Gonçalves dos Santos (colocação Extrema, 08 meses dentro da área), Francisco de tal, Antônio Braulino (colocação Caldo de Feijão, 10 anos dentro da área), Raimundo Marinho, Euzir de tal e Raimundo Rodrigues (07 meses destro da área). Em conversas com alguns desses moradores da área, os mesmos nos relataram que surgiu um boato de que os índios estavam chegando e iam botar todo mundo para correr, que diante desse boato eles ficaram preocupados, mas se acautelaram pois sabiam que havia servidores da Funai entre os índios e que seria fácil de manterem um acordo. Entre todos os moradores que conversamos lemos o acordo firmado com o Sr. Ciro, explicamos que estavam dentro da área; que os índios não tinham nenhuma intenção em expulsar ninguém de forma violenta, pois eram pacíficos e que com certeza seriam bons vizinhos; que os moradores da área, a exemplo do Sr. Arlindo (morador da colocação Extrema, onde passaram a morar inicialmente as famílias Jaminawa), teriam que procurar o Sr. Ciro, com a finalidade de se acertarem, já que a Funai negociaria diretamente com o dono legítimo da terra, no caso o Sr. Ciro. Os moradores afirmaram que tão logo fechassem um acordo com o Sr. Ciro, desocupariam as terras, mostraram-se receosos com os novos vizinhos, tendo em vistas os boatos e por se tratar de um povo do qual nunca tiveram contato, já que na região do rio Caeté, até então não havia índios. Os moradores sobrevivem do corte da seringa, tem muitos filhos, a grande maioria é analfabeta e o pouco que ganham, deixam com os regatões; nessa época do ano (verão) chegam até a passar dificuldade, tendo em vista o difícil acesso. No dia 10.10.97, em mais uma visita diária ao acampamento, em conversa com Antônio Kuruma, ficamos preocupados, pois o mesmo afirmou que "daria uns 20 dias de prazo para o Sr. Arlindo sair da área, caso contrário lhe tiraria na marra". Indagamos ao mesmo sobre o motivo de tal mudança de pensamento, já que, conforme havíamos combinado, teríamos que ter paciência até que os moradores se acertassem com o Sr. Ciro; que os moradores, além de precisarem de um pedaço de terra para viverem, também tinham seus direitos; que a resolução de problemas não acontecia de forma violenta e sim com diálogo. Antônio Kuruma respondeu que o Sr. Arlindo estava usando de esperteza já que tinha pedido para o mesmo para ficarem morando juntos, após receber a indenização do Sr. Ciro; que ele não aceitava tal proposta, que não daria certo, pois tratava-se de cultura diferente" , conforme consta no Relatório de Viagem do Assentamento dos Índios Jaminawa no Alto Rio Caeté - Município de Sena Madureira, datado de outubro de 1997, de autoria dos servidores da AER-RBR, Vânia Lucena, Alberto Almeida e Raimundo Leão)
Desde então, nenhuma medida efetiva foi tomada pela Funai no sentido de iniciar o processo de regularização do seringal Boa Vista. Seus proprietários agora ameaçam expulsar os índios, alegando que a administração da Funai não cumpriu o acordo.
"Os anos se passaram, aquelas onze famílias Jaminawa continuam naquele Seringal Boa Vista, não se regularizou a situação fundiária do mesmo, os proprietários insistem que a área seja desapropriada para poderem receber indenização sob pena de expulsarem os índios de lá, visto que a Funai/Acre não cumpriu o prazo dado pela Carta Proposta. Ao mesmo tempo, outras seis famílias Jaminawa, no total de 43 índios vieram para Rio Branco e outro clã liderado por Carlito Jaminawa, após perambularem por diversas áreas do rio Purus estabeleceram-se em Sena Madureira e, em ambas as cidades continuaram a mendigar, viciaram-se no alcoolismo, as meninas e moças entregaram-se à prostituição e mais uma vez chegou-se a uma situação que voltou a exigir a participação do Ministério Público Federal em busca de se criar alternativas para os problemas que esses outros Jaminawa atravessam", observou o atual administrador da Funai em seu mencionado memorando.
Em abril de 1999, o antropólogo Jorge Bruno Sales Souza, técnico pericial do Ministério Público Federal no Estado do Amazonas, após conviver um mês com as famílias indígenas, escreveu um extenso relatório sobre a situação de mendicância dos Jaminawa nas ruas da capital acreana.
Em seu documento, intitulado Relatório do Levantamento Antropológico Acerca da Situação de Mendicância de Indígenas da Etnia Jaminawa, Jorge Bruno informou que a questão Jaminawa causou uma "grande comoção na sociedade acreana". Ressaltou, ainda, a inexistência de estudos mais aprofundados sobre as causas e efeitos da mendicância e alcoolismo entre os integrantes desse grupo indígena.
Em relação ao histórico da migração dos Jaminawa para Rio Branco, o antropólogo considerou como um fenômeno relativamente novo, restrito ao início da década de 90. Segundo ele, a história de deslocamento de famílias Jaminawa para a capital acreana data de poucos anos, mais precisamente do período em que o índio José Corrêa, uma das principais lideranças da TI Cabeceira do Rio Acre, foi eleito um dos coordenadores da UNI, em meados de 1991.
No entanto a história das migrações Jaminawa é bem mais antiga. No início deste século, foram deslocados por caucheiros peruanos da região formada pelos altos rios Tahuamano e Chambuiaco, situados nas cabeceira do alto Purus peruano, de onde são originários.
Os caucheiros moveram uma perseguição implacável aos Jaminawa e outros grupos indígenas da região, organizando as "correrias", que dizimaram grupos inteiros e dispersaram as populações sobreviventes, liberando, assim, as terras de cauchais da presença indígena em suas vizinhanças. Mudando constantemente de um rio para o outro, muitos Jaminawa acabaram trabalhando para os caucheiros na extração do caucho, peles de animais silvestres e madeira.
A partir da década de 40, parte significativa da população Jaminawa juntou-se aos Machineri no alto rio Iaco, fixando-se na sede do seringal Petrópolis, onde passaram a viver no "cativeiro" dos patrões de seringais, desempenhando todos os tipos de trabalho braçal para adquirirem bens industrializados necessários à sua sobrevivência. No seringal Petrópolis, trabalharam muitos anos para o conhecido seringalista Canízio Brasil, no alto rio Iaco. Posteriormente, uma parte menor de sua população migrou para as cabeceiras do rio Acre, fixando-se nas proximidades da foz do igarapé São Lourenço.
Em 1976, quando a Ajudância da Funai no Acre criou o Posto Indígena Mamoadate, nas cabeceiras do rio Iaco, diversos grupos familiares fixaram-se na sede deste posto, junto com a maioria da população Machineri.
O indigenista da Funai, José Carlos Meirelles Júnior, que no período de 1976-86 chefiou o Posto Indígena (PI) Mamoadate nas cabeceiras do rio Iaco, em seu relatório "Causas e Justificativas da Decisão de Mudança para o Rio Acre da Tribo Jaminawa do PI Mamoadate", datado de 20 de outubro de 1983, fez as seguintes observações sobre os Jaminawa, grupo com quem conviveu por mais de uma década:
"Pode-se dizer que a totalidade dos índios que se denomina Jaminaua, que na verdade é nome genérico dado aos Mastanaua, Cudunaua, Marinaua, Xixinaua, Kaxinaua (não os dos rios Jordão e Humaitá), Jauanaua e Jaminaua, são originários das cabeceiras do rio Purus, em território peruano, Com o advento da exploração do caucho naquela região, estes índios perseguidos pelos caucheiros peruanos, foram se deslocando ao sul de seu território, uns se entregando aos caucheiros (os que ainda habitam esta área no Peru), outros vieram dar nas águas do rio Iaco, encontrando já aqui os Machineri e a empresa seringalista em plena atividade. Não tendo mais para onde fugir foram incorporados como mão de obra explorada dessa empresa. Uns ficaram no rio Iaco e outros na cabeceira do rio Acre, nas proximidades do igarapé São Lourenço.
Dessa época para cá (1940-1976) residiram no seringal Petrópolis e rio Acre, sendo usados como mão de obra da empresa seringalista e de 1970 a 76 para a derrubada da mata para a criação de gado, nova atividade econômica na região. Com a criação do PI Mamoadate, vendo a possibilidade de escapar da exploração a que eram sujeitos, Jaminaua e Machineri gradativamente se deslocaram para a área indígena delimitada do PI Mamoadate. Aqui começaram vida nova, plantaram seus roçados, fizeram seu campo de gado, enfim todas benfeitorias que sua vontade e cultura determinaram"
Segundo ainda o indigenista José Meirelles, desde 1976, quando os Jaminawa e os Manchineri se estabeleceram na sede do PI Mamoadate, surgiram sérios conflitos envolvendo integrantes dos dois grupos. O mais grave deles ocorreu em 1983, quando um Manchineri foi baleado por um Jaminawa no alto Iaco. Esse conflito, segundo Meirelles, precipitou a decisão das famílias Jaminawa mudarem-se para o igarapé São Lourenço, nas cabeceiras do rio Acre, apesar da terra indígena não ter sido ainda identificada e delimitada pela Funai.
"As decisões dos Jaminaua: Fui chamado pelo líder José Correia para com ele e os índios mais velhos do grupo (que decidem sobre esses assuntos) para 'ter uma conversa'. Me comunicaram de sua decisão de se mudarem da área do PI Mamoadate para o igarapé São Lourenço, onde reside há muito tempo Jaminaua seus parentes, para evitar uma guerra entre Jaminaua e Machineri, que não seria boa para nenhum grupo. Dessa conversa tentarei extrair os itens mais importante para que a Funai dê seu parecer no caso que lhe competir. Antes disso devo colocar aqui a minha opinião pessoal. Achei e acho que é uma grande perda de trabalho dos Jaminaua que aqui tem suas casas, roçados, assistência médica, pista de pouso, casas de farinha, campo e criação de gado. A mudança vai acarretar fazer tudo de novo. Mas vendo a situação tensa em que se encontram os dois grupos e a eminência de uma pequena guerra, tenho que concordar com a decisão da mudança dos Jaminaua. Nem os índios e nem nós poderíamos prever em 1976 que isso iria acontecer. Mas o fato aí está e permanece, exigindo uma solução"
A mudança de grande parte da população Jaminawa para o igarapé São Lourenço, foi muito importante para o inicial reconhecimento da TI Cabeceira do Acre, que seria posteriormente identificada e delimitada pelo grupo de trabalho constituído pela portaria 2055/E de 20.06.86, com superfície de 18.870 ha e perímetro de 63 km. Atendendo reivindicação das lideranças Jaminawa, essa terra foi reestudada pelo grupo técnico instituído pela portaria no 1191 de 25.10.91, com área de 76.680 ha e perímetro de 170 km.
Em meados da década de 90, sérios conflitos internos entre as facções Jaminawa emergiram e intensificaram-se na TI Cabeceira do Rio Acre, resultando na morte de um indígena, que foi assassinado por engano no lugar de seu irmão Antônio Kuruma, antiga liderança Jaminawa do igarapé São Lourenço. Em decorrência desse conflito, várias famílias Jaminawa mudaram-se para a capital e outros núcleos urbanos do vale do Acre e Alto Purus.
Após dois anos medicando em Rio Branco, a Funai tentou assentá-los inicialmente entre os Jamamadi da TI Igarapé Capana, em Boca do Acre/AM, contudo, logo após o primeiro contato, surgiu uma forte oposição desse povo em receber aquelas famílias. Em seguida, três famílias foram levadas para a TI Apurinã do Km 124/Br-317, onde, após três meses, retornaram devido às dificuldades de sobrevivência e a um grande surto de malária que assolou a região.
A situação de marginalidade em que se encontravam as famílias Jaminawa na capital acreana e na periferia de outros núcleos urbanos regionais, segundo o antropólogo Jorge Bruno, decorria da inexistência de uma política indigenista voltada para efetivamente assistir e proteger esta e outras populações indígenas do estado.
"A situação dos Jamináwa, nesse momento, é bastante grave, posto que os mecanismos tradicionais de solução de conflitos não mais parecem ser operantes na nova realidade que lhes foi imposta pelo contato com a sociedade brasileira. Dissensões internas não mais podem ser resolvidas pela simples mudança de um grupo familiar, como era corrente no passado. A própria demarcação de suas terras criou uma figura jurídica que é estranha à tradição desse povo e, embora grandes, não o são suficientemente para abrigar grupos em conflito. Deve-se ter em conta que os Jamináwa tradicionalmente se aventuravam por uma vasta região, onde poderiam se fixar sem inconvenientes caso tivessem de abandonar a aldeia original, nesse sentido, toda a região cortada pelos rios Juruá, Purus e Acre constituíam terra Jamináwa. O processo de demarcação das terras, conquanto seja uma garantia para os indígenas, traz em seu bojo uma limitação territorial estranha ao modo de vida desses povos. Na atualidade, os Jamináwa se ressentem do abandono a que foram relegados pelos órgãos governamentais responsáveis pela sua proteção. Entendo que, em grande medida, é a ausência de um política indígena que impele os Jamináwa a abandonar sazonalmente suas aldeias e a mendigar nas cidades de Rio Branco e Brasiléia, entre outras".
No fim de seu relatório, o mencionado antropólogo da Procuradoria da República apresentou as seguintes sugestões e recomendações:

a) Criação de um grupo de estudo, constituído por representantes da Funai, lideranças Jaminawa, UNI, Cimi, Comin, CPI-Acre e do Ministério Público Federal, "que permita compreender com maior profundidade as razões dos desequilíbrios sociais decorrentes do contato com a sociedade nacional; fazer o acompanhamento das ações governamentais relativas ao povo Jamináwa; elaborar um projeto de autonomia econômica, que respeite a cultura e as tradições desse povo indígena".
b) Recomendações para a Funai implementar as seguintes ações: "alocar um servidor em cada terra indígena habitada pelos Jamináwa; programar e realizar a formação de agentes de saúde comunitários, dotando-os de condições materiais para a realização de seu trabalho; disponibilizar um antropólogo do órgão para acompanhar as comunidades indígenas durante um período de seis meses a um ano, especialmente quanto as conseqüências sócio-culturais do consumo excessivo de bebidas alcóolicas pelos Jamináwa; realizar expedições médico-sanitárias às terras indígenas no intervalo máximo de 4 meses; estabelecer parcerias com o governo estadual objetivando colocar à disposição dos Jamináwa instrumentos agrícolas, assistência técnica e a garantia de mercado para os seus produtos; e a imediata regularização da terra ocupada pelos Jamináwa no rio Caeté".
c) Sugestões para a FNS implantar um programa de saúde específico para as populações Jaminawa das terras indígenas Cabeceira do Rio Acre e Mamoadate, bem como para aquelas famílias que se mudaram para o seringal Boa Vista no alto rio Caeté, prevenindo suas crianças, velhos e adultos contra as doenças endêmicas.
Com um número cada vez maior de mulheres e crianças pedindo esmolas pelas ruas do centro da cidade, a questão Jaminawa voltou a provocar interesse das autoridades acreanas e de Brasília, em 1999, quando promoveram uma reunião para discutir e apresentar alternativas para os seus problemas. Participaram da reunião, realizada na sede da Procuradoria da República no Estado do Acre, os procuradores Cláudio Valentim Cristani, Maria Eliane Farias e Raquel Elias Ferreira Dodge (as duas últimas da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal de Brasília) e representantes da Funai, Fundação Nacional de Saúde, governo do estado, UNI, Cimi e Comin, bem como lideranças Jaminawa do rio Caeté e daquelas famílias ainda residentes em Rio Branco e Sena Madureira.
Como resultado das discussões ali travadas, foi firmado por todos os participantes o Termo de Ajustamento de Conduta, com a finalidade de "criar os meios que poderão vir a proporcionar melhores condições de vida para os Jaminawa aldeados nas terras indígenas Mamoadate, Cabeceira do Rio Acre e seringal Boa Vista". Por este Termo de Conduta, a Funai se responsabiliza em implementar as seguintes tarefas:
"a) regularizar a situação fundiária do Seringal Boa Vista; b) implementar ações de saúde, junto com a FNS, para a população Jaminawa urbanizada, enquanto não se deslocam para as localidades previstas que escolherem (ou o seringal Boa Vista ou a TI Mamoadate), contemplando também as populações Jaminawa que já estão no Seringal Boa Vista e nas terras indígenas Cabeceira do Rio Acre e Mamoadate; c) propiciar recursos básicos para o reassentamento das famílias Jaminawa tanto no Seringal Boa Vista como na TI Mamoadate".
Além de "resgatar" o líder José Correia da Silva em Tarauacá, para coordenar as ações a serem implementadas junto ao seu povo, o administrador Antônio Pereira Neto solicitou à Diretoria de Assistência do órgão recursos no valor de R$ 63.000,00 para dar prosseguimento ao "Projeto Resgate Jaminawa". Propôs, ainda, à Diretoria de Assuntos Fundiários (DAF) do órgão a interdição do seringal Boa Vista e a criação de um Grupo Técnico (GT), de acordo com o decreto 1775/96, para a identificação e delimitação do referido seringal.
"De qualquer forma, entendo que a própria Funai pode definir essa situação através do seguinte mecanismo: com os documentos em anexo poderá se proceder a interdição do Seringal Boa Vista. Após a interdição, se cria GT com base no Decreto 1775/96 e se identifica e delimita aquela área e, na delimitação, através do levantamento fundiário, poderemos ver se quem se diz proprietário o é de fato, se tem benfeitoria ou não. Entendo que esse procedimento, interdição, identificação/delimitação, resolveria a situação e teríamos então a definição fundiária que aquela terra do Seringal Boa Vista tanto necessita para assegurar aos Jaminawa que lá estão e aqueles que para lá querem ir a terra que esses índios tanto precisam", afirmou o administrador, em seu memorando no 182 de 23 de maio de 1999.
Apesar dos proprietários Ciro Machado Filho e sua esposa Maria dos Anjos Andrade Machado terem informado à Funai local que o Boa Vista possuía uma extensão de 22.366 ha, a Superintendência Regional do Incra considerou que o referido imóvel não sofreu discriminação administrativa por parte dessa autarquia e que apenas 3.000 ha desse seringal encontram-se devidamente registrados no Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Sena Madureira (Ofício/Incra no 204, de 06.07.99).
Finalmente, em 14 de agosto de 1999, o diretor de Assuntos Fundiários da Funai, Áureo Araújo Faleiros, explicitou a posição oficial de sua diretoria a respeito do processo de regularização de uma área de terra para os Jaminawa no rio Caeté.
"Pela leitura dos documentos encaminhados, configura-se que a ocupação pelos Jaminawa do seringal Boa Vista no rio Caeté ocorreu em 1997, por motivos não tradicionais ou imemoriais, o que dificulta a possibilidade de identificação daquela área como terra indígena nos moldes do que preconiza o Decreto 1775/96. Esse entendimento também é o entendimento do antropólogo Terri Aquino, conforme o Parecer no 104/DEID de 30.07.99 (anexo). Dessa forma, duas sugestões podem ser dadas para andamento da possibilidade de regularização daquela terra para uso dos índios Jaminawa, que já a ocupam: a primeira diz respeito a entrar em contato com Superintendência local do Incra para que, nos termos do artigo 26 da Lei 6.001/73, aquela área seja desapropriada para usufruto desses ocupantes indígenas; a segunda, diz respeito a sugestão do antropólogo Terri para que o Governo do Estado do Acre faça a desapropriação em favor daqueles índios. Solicito, portanto, que averigúe junto ao Incra e ao Governo do Estado qual a possibilidade mais viável e nos informe do andamento dessas tratativas, para que possamos apoiá-lo dentro de nossa competência", assinalou o diretor Áureo Faleiros no memorando no 494/DAF de 19.08.99.
Gestões entre o governo do estado, a Funai, o Incra e o movimento indígena devem ser empreendidas para encontrar formas legais de garantir o reconhecimento dessa terra, hoje ocupada por parte da população Jaminawa. Desta forma, poderá se abrir mais uma importante alternativa para dar solução à situação das famílias Jaminawa que hoje vivem na marginalidade em Rio Branco e outras capitais municipais do Vale do Acre/Purus.

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