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Restaurantes produzem embutidos artesanais

Valor Econômico, EU&ESTILO, p. D4
16 de Jan de 2014

Restaurantes produzem embutidos artesanais

Por Janaina Fidalgo
Para o Valor, de São Paulo

Quando a máquina de embutir linguiça chegou ao restaurante Vito, em São Paulo, André Mifano achou que bastava moer a carne, pôr um pouco de gordura, encher a tripa e pronto. Percebeu logo que seria mais difícil do que imaginava. Oito meses e alguns livros depois, pôde parar de assar linguiça (que deu errado) na churrasqueira de sua casa. Processo dominado, passou para o salame. Mais seis meses batendo a cabeça até a primeira sopressata artesanal sair a contento. Hoje, cinco anos depois, o menu do Vito tem 13 variedades fixas de embutidos e carnes curadas, tudo produzido lá.
Dois anos atrás, o italiano Sauro Scarabotta também encasquetou que ia fazer culatello, guanciale e capocollo no Friccò. Queria desenvolver a habilidade dos norcinos, nome dado em seu país aos profissionais que dominam a arte de desmontar o porco, separar os cortes, moer e temperar a carne, ensacar e maturar salames - na Itália, chama-se assim todo produto à base de carne curada com sal. Foi para a região de Úmbria com o chef Marcio Kimura conhecer "o amor do artesão e o rigor da indústria". Voltou, montou uma sala de cura colada à cozinha, e estão fazendo os salumi de sua terra.
Que ímpeto move um chef a assumir a fabricação de mais um item dentro da já complexa dinâmica de uma cozinha é a indagação natural. Ainda mais quando se compreende a complexidade da charcutaria. Fora o trabalho manual - a parte braçal da produção --, há o intelectual, de entender e controlar o processo de fermentação ocorrido durante a cura. Para uma pergunta apenas há várias respostas possíveis: o consenso de que os embutidos industrializados disponíveis no mercado têm baixa qualidade e um excesso de aditivos; o orgulho de fazer artesanalmente; a segurança de ter controle total da mercadoria, do começo ao fim; a possibilidade de aproveitar o bicho inteiro (sempre que possível) e o desejo de ter uma "cozinha de produto", baseada na excelência da matéria-prima.
"No meu estilo de cozinha, o ingrediente é o protagonista. Tem só um pouco de técnica para não estragar o que é bom", diz a argentina Paola Carosella, chef do Arturito, onde as linguiças frescas, o magret de pato curado, a coppa e a pancetta são de fabricação própria. "Tento fazer tudo o que posso: meu próprio pão, a coalhada, o mascarpone, o doce de leite e os sorvetes. É prazeroso, posso chegar ao resultado que quero e me parece muito mais interessante e desafiador do que comprar pronto."
Parte da expertise de Paola vem da época em que trabalhou no Zuni Café, em San Francisco, na Califórnia. Lá, faziam linguiça de porco e de coelho e magret curado. No Arturito, como não tem câmara de cura, recorre à câmara fria para maturar o peito de pato, servido no bar com pão torrado; a coppa, entrada acompanhada de cavolo nero (verdura italiana) e mussarela de búfala; e a pancetta que incrementa o bife de chorizo. Linguiças frescas, atualmente tem três no menu: duas de porco (a de tripa de cordeiro vai com o gnocchi; a de tripa de porco é servida com ovos) e uma de cordeiro (com coalhada, cebola, coentro, hortelã e pinole).
À parte a questão do sabor, do aroma e da textura incomparáveis da charcuteria artesanal, há a vantagem de levarem menos aditivos. Sal de cura todos têm, por lei e necessidade. Cabe aos nitratos e nitritos inibir bactérias nocivas, como a do botulismo, enquanto microorganismos inofensivos trabalham lentamente, acidificando a carne e transformando proteínas e gorduras insípidas em fragmentos saborosos e aromáticos.
"Quanto melhor é a carne, menos tem de intervir quimicamente. Compro porco caipira de dois produtores pequenos no interior de São Paulo. Sei que os bichos tomaram sol e andaram, o que comeram e quando foram abatidos", diz Sauro Scarabotta. Ele e Kimura têm ido ao frigorífico, em Araçariguama, destrinchar os porcos, para assegurar que os cortes venham da maneira como querem.
No Friccò, as carnes são limpas, aparadas para tomarem as formas ideais, desidratadas em uma salmoura e depois moídas, ou simplesmente temperadas (caso do prosciutto, do capocollo e do guanciale). Os embutidos de calibre menor são envolvidos em tripa natural de carneiro, boi ou porco; e as maiores, em de celulose. Algumas têm ainda dentro uma tela de barbante (como a finocchiona e a milanese); outras, simplesmente amarradas com sisal (culatello). Só então são penduradas dentro da câmara de cura. Identificados por produtor e lote, passam por análise laboratorial antes de chegarem à mesa. "A cura depende do diâmetro da peça. Pode variar de dois meses, caso do ciabùscolo, ou chegar até a dois anos, tempo levado pelo prosciutto", diz Scarabotta.
Todos são fatiados finamente em uma máquina de cortar frios e vendidos em porções acompanhadas de pão de fermentação natural assado na casa. Também podem ser comprado por peso. "Em fevereiro, o prosciutto começará a ser cortado manualmente. É melhor para notar a delicadeza dos aromas, porque, ao contrário da máquina, a faca não aquece a carne."
No Vito, as fatias são grossas, com corte feito à faca, "para sentir a textura". O modo de fazer também é diferente. À exceção da sopressata, em que a carne é moída na máquina, todas as outras linguiças e salames têm recheio picado na faca. "Não gosto de moer. Tira o líquido, fica seco. Na mão tenho mais controle", afirma Mifano.
Boa parte da charcuteria do restaurante tem porco na composição. Mas, desafiado por Alex Atala a fazer um salame para a marca Retratos do Gosto, dois anos atrás, Mifano usou carne de queixada e deu certo. "É o maior legado", diz, referindo-se ao fato de a receita ser original, já que usa um animal autóctone. De Atala vieram outras provocações bem-sucedidas, como a linguiça com priprioca.
"O salame com jiquitaia [pimenta pilada dos índios baniwa] eu propus e ele gostou", diz Mifano. Com cortes de kobe nacional - carne do gado da raça Wagyu famosa por ser marmorizada -, está fazendo bresaola, pastrami e salame. Anda testando também o fabrico de biltong (tiras de carne condimentada e superdesidratada consumida na África do Sul). "A beleza do embutido é que só precisa encher a tripa. A natureza faz o resto. A osmose acontece ali", diz Mifano.
Outro mestre na arte de embutir, Jefferson Rueda também anda curando kobe. "Ano passado fiz lagarto de Wagyu temperado com pimenta-do-reino e envelhecido por oito meses na câmara fria", diz Rueda, famoso por seu codeguim artesanal - essencial no prato porco em cinco versões e agora servido às quartas no bollito misto.

Arturito (r. Artur de Azevedo, 542, Pinheiros, SP, tel. 0/xx/11/ 3063-4951); Attimo (r. Diogo Jácome, 341, Vila Nova Conceição, SP, tel. 0/xx/11/ 5054-9999); Friccò (r. Cubatão, 837, Vila Mariana, SP, tel. 0/xx/11/ 5084-0480); Vito (r. Isabel de Castela, 529, Vila Beatriz, SP, tel. 0/xx/11/3032-1469).

Valor Econômico, 16/01/2014, EU&ESTILO, p. D4

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