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Responsabilidade ambiental é o desafio

O Globo, Razão Social, p. 4-5
Autor: GRAJEW, Oded
03 de Jan de 2004

Responsabilidade ambiental é o desafio

Entrevista: Oded Grajew, presidente do Instituto Ethos

Característica de quem acredita que é possível mudar o mundo, o hábito de observar o futuro mobiliza Oded Grajew. Foi isso que o levou a pedir dispensa ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva e deixar o posto de assessor especial, bem pertinho do centro do poder, para reassumir, em novembro, a presidência do Instituto Ethos, que deixara por causa da convocação. De volta, Grajew narra os próximos passos da cruzada social, em especial a preocupação com seu lado menos badalado - e a cada dia mais importante: a responsabilidade ambiental, alicerce do desenvolvimento sustentável e hoje fundamental no mundo, aquele que precisa mudar. Mas cuidando de seus cada vez mais escassos recursos naturais.

O Globo: Como vai a responsabilidade social no Brasil?

Oded Grajew: Vai bem, sem dúvida, dá para perceber uma permanente evolução. O engajamento empresarial na área social começou no início dos anos 90, com projetos de filantropia basicamente, algo incomum na década anterior. Hoje é raro você ver empresa que, de uma maneira ou de outra, não esteja fazendo ou pensando em fazer. O Instituto Ethos tem hoje 800 empresas associadas e não se passa um dia sem que haja algo novo no setor.

Estamos livres do perigo de ser um modismo e, por isso, passar?

Grajew: Sim e não. Os problemas ambientais em geral estão se agravando. A pressão da sociedade tende a aumentar, obrigando que as empresas se preocupem cada vez mais. Mas se não mudarmos a forma de consumir, produzir e se comportar, o ser humano não terá condição de viver no planeta. Os recursos vão se esgotar. Felizmente, do outro lado, há, com a crescente organização da sociedade e a tecnologia, mais transparência, mobilização na defesa de direitos, como os individuais e do consumidor.

Dar emprego simplesmente resolve a questão social

Grajew:A oportunidade de trabalho formal é muito importante. Daí a necessidade do crescimento. Mas não é só isso. A forma de produzirmos e consumirmos está levando ao esgotamento dos recursos naturais. As mudanças climáticas e o esgotamento dos recursos podem inviabilizar a vida humana. O desenvolvimento precisa obrigatoriamente ser sustentável.

Disseminar consciência ambiental é mais difícil?

Grajew: No Brasil, as questões sociais de sobrevivência são mais urgentes. No curto prazo, são elas que ganham espaço. O desafio da responsabilidade ambiental é mais difícil e importante. Normalmente, as pessoas agem depois da porta arrombada. Podemos chegar a uma situação irreversível.

Estamos na fase de a eficiência na ação social ser mais importante?

Grajew: A responsabilidade social empresarial está no limiar de uma nova fase. O "ter ou não ter" está passando. Agora, vai se cobrar cada vez mais eficiência e resultados concretos. A excelência será um objetivo obrigatório. Queremos tornar as empresas parceiras na construção de uma sociedade mais justa e ambientalmente sustentável. A responsabilidade social não é um fim em si mesmo. Se não for um meio de transformação, o processo se esgota. Atuando em conjunto com organismos públicos, as empresas têm de obter resultados que mudem para melhor a sociedade. Não estou falando de políticas governamentais, mas da diferença da democracia representativa para a participativa, com ação mais direta. O que faz países melhores ou piores é o aprofundamento da democracia participativa.

E o papel do Estado neste cenário?

Grajew: Não se pode tirar a responsabilidade do Estado, que é insubstituível. Mas ele precisa ter parceiros regionais, locais nas políticas públicas, para ajudar a modificar a sociedade.

O senhor poderia dar um exemplo?

Grajew: A alfabetização. As empresas ajudam alfabetizando funcionários, incentivando a prática para beneficiar funcionários de fornecedores, mapeando analfabetos da região, unindo-se ao Estado e à academia que, com seu conhecimento, ajuda a resolver problema. É um trabalho conjunto.

Há um dilema no Brasil, ligado às desigualdades territoriais. As regiões mais carentes são mais distantes e, mesmo sendo as mais necessitadas de ações sociais, é justamente lá que a ajuda demora mais a chegar. Como resolver isso?

Grajew: De novo, com parceria. Veja por exemplo a ECT (Empresa de Correios e Telégrafos), que está em todos os lugares. Se você decidir realizar sozinho uma ação social, pode ter dificuldade pelas distâncias de um país imenso como o Brasil. Com parceiro, você chega a qualquer lugar. Vivemos a experiência num trabalho de combate à exploração sexual infantil. Fizemos material de esclarecimento, panfletos ensinando como denunciar etc. Num determinado momento, nos perguntamos como iríamos distribuir aquilo tudo. Encontramos a solução na Ambev, cujas distribuidoras de bebidas chegam a 1 milhão de pontos em todo o Brasil. Com a parceria conseguimos realizar o trabalho e fazê-lo chegar a quem precisava, sem desperdício nem gastos desnecessários.

Por que o senhor saiu do governo?

Grajew: Pedi ao presidente Lula, que é meu amigo pessoal, para sair por considerar que a etapa de convocação de sociedade para a ajuda nas ações sociais estava cumprida. Além disso, havia uma demanda cada vez maior em outros setores e lugares, fora de Brasília. Não houve nenhuma divergência, foi uma experiência muito gratificante. A convivência com as pessoas e as questões do governo foram igualmente valiosas. A despedida que o presidente fez para mim foi emocionante, inesquecível.

Qual é sua avaliação do primeiro ano do governo Lula?

Grajew: Ninguém está satisfeito com a geração de trabalho formal. Mas as pessoas podem ter certeza que o Lula, na cabeça dele, só tem um indicador para se avaliar: para ele, o governo só vai ser bom se conseguir criar postos de trabalho formal. O começo do ano foi assustador, com o risco-Brasil batendo os mil pontos, a inflação ameaçando chegar a 40%. O primeiro ano foi dedicado a arrumar a casa. Não tinha outro jeito.

E o Fome Zero?

Grajew: A questão da fome e da miséria entraram para a agenda nacional definitivamente e o Fome Zero já beneficiou 2 milhões de pessoas. São bons resultados. E temos a revolução do Bolsa-Família, que acaba com o crônico desperdício da sobreposição dos programas sociais. Outra grande revolução é o controle dos cadastros sociais. Você não tem idéia de como interesses eleitoreiros contaminavam esse controle. A modificação é fundamental para contribuir com a revolução.

O Globo, 03/01/2004, Razão Social, p. 4-5

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