VOLTAR

"Resistindo para existir": Mulheres indígenas unidas contra o presidente brasileiro de extrema direita

Mongabay https://pt.mongabay.com
Autor: KARLA MENDES
04 de Jul de 2019

Atualmente, o Brasil é o lar de 900.000 indígenas que falam 274 idiomas e possuem diferentes tradições culturais. Os direitos dos povos indígenas foram preservados na constituição brasileira de 1988, inclusive a demarcação e proteção de terras ancestrais indígenas.
Porém, ultimamente, os indígenas estão se sentido bastante ameaçados desde que Jair Bolsonaro tomou posse, em janeiro. As invasões aos territórios indígenas cresceram rapidamente. A administração do novo presidente ameaça colocar em prática políticas que limitam demarcações adicionais de terras indígenas e exclui a participação dos indígenas nos projetos de infraestrutura, além de reduzir os serviços de saúde.
Muitas mulheres que são líderes estão lutando contra as políticas de Bolsonaro; nessa história, elas dão voz para a indignação sobre a ameaça de perder suas terras, comunidades e famílias.
Em um país onde as mulheres são quase a metade da população brasileira nativa de 900.000 habitantes, as líderes indígenas se posicionaram de maneira destemida no cenário político. Elas estão protestando contra o governo de extrema direita do presidente Jair Bolsonaro e as novas políticas que ameaçam os direitos dos indígenas. Esses direitos estão garantidos na Constituição de 1988 e reconhecidos por tratados internacionais.

Em abril deste ano, durante o encontro de grupos indígenas em Brasília, o evento que é intitulado como Acampamento Terra Livre, as mulheres indígenas de diversos grupos étnicos, que moram na Amazônia e em outros locais, criticaram as mudanças que Bolsonaro fez nas políticas já existentes, incluindo o processo de demarcação de terra indígena e o oferecimento de serviços de saúde.

No dia 1o de janeiro, primeiro dia do seu mandato, Bolsonaro emitiu uma medida provisória (MP 870), alterando o poder de decisão de demarcações de terras indígenas da Funai, agência indígena brasileira, para o Ministério de Agricultura - vista pelos críticos como conflito de interesses, uma vez que as elites da agricultura estão de olho nas terras indígenas há muito tempo para uma possível exploração;
A medida também uniu a Funai (anteriormente sediada no Ministério da Justiça) para o novo Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos lançado por Bolsonaro, uma instituição genérica; a crítica diz, que na verdade, não terá muito poder para atuar.

O novo governo também anunciou planos de transferir a fiscalização dos serviços de saúde oferecidos aos povos indígenas pelo governo federal desde 2010 para uma secretaria especial conhecida como Sesai. Os serviços serão fiscalizados pelos governos municipais e estaduais em algumas regiões. Os críticos temem que essa mudança para autoridades locais possa ser intencional, com o intuito de que o governo brasileiro deixe de cumprir com suas responsabilidades.

"As políticas adotadas pelo atual governo...violam nossos direitos e têm o intuito de nos destruir," Maria Eva Canoé, líder do grupo indígena Canoé presente no norte do estado de Rondônia, disse a Mongabay durante o acampamento indígena.

"Mas somos fortes, nós somos a resistência. E estamos juntos nesse...no 15o acampamento, para mostrar para o governo, e a toda sociedade, que estamos vivos, que estamos resistindo para existir." disse a professora de 51 anos de idade, que é membro do conselho de Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB).

Os representantes da COIAB acreditam que todas as novas medidas do Bolsonaro "são ruins" mas a pior delas é a entrega do poder de demarcação de terras para o Ministério da Agricultura. "Por que é a pior? Porque ao agir dessa maneira os povos indígenas...não terão mais terras demarcadas," Canoé diz, e acrescenta que os indígenas não são invasores. "No passado eles perderam suas terras e agora estão reivindicando o que a eles pertencem por direito."

Os direitos dos indígenas estão garantidos pela Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, que informa que os grupos indígenas têm o direito de "não estar sujeito a assimilação forçada ou destruição da sua cultura" ou serem colocados em risco por "qualquer ação que tem o propósito ou o efeito de retirada de suas terras, territórios ou recursos."

Além disso, as Nações Unidas e a Convenção sobre Povos Indígenas e Tribais (Número 169) da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil faz parte, exige uma consulta prévia aos indígenas "antes de realizar ou permitir quaisquer programas de pesquisa ou exploração dos referidos recursos que pertencem as terras deles." Também existem outros direitos indígenas regidos pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Mas além dos acordos internacionais, a administração de Bolsonaro deixou claro que não permitirá que os povos indígenas comentem nos projetos de infraestrutura que afetam os territórios indígenas da Amazônia.

A administração de Bolsonaro não respondeu nossas solicitações.

A líder indígena Maria Eva Canoé observou que o motivo pelo qual o povo Canoé é atualmente uma minoria na sua região é porque eles foram dizimados durante a colonização do estado de Rondônia no século 17; após esse ocorrido as poucas mulheres Canoé que sobreviveram tiveram que casar com homens de outros grupos étnicos para que pudessem perpetuar seu próprio grupo.

"O Estado Brasileiro tem uma dívida impagável com os povos indígenas..." O Estado Brasileiro nunca conseguirá trazer os povos indígenas e os idiomas extintos, e os territórios destruídos [que] são hoje desertos [culturais]," tomados por fazendas de gado ou plantações de soja, disse a líder.

Aumento das invasões de terras
O estado nordestino Maranhão está sofrendo com o rápido desmatamento, invasões de reservas indígenas por especuladores de terras; tudo isso aumentou desde que Bolsonaro tomou posse, disse uma mulher indígena no acampamento de abril deste ano.

"Quando esse governo começou, sentimos imediatamente ameaçadas pelos fazendeiros, madeireiros; eles pensaram que podiam tomar posse [da nossa terra] e fazer o que eles querem porque ele [Bolsonaro] permitiu que eles invadissem nossa terra," sem punição, explicou Cintia Maria Santana da Silva, líder do grupo indígena Guajajara/Tenetehara que faz parte da Reserva Araribóia.

"As terras indígenas pertencem ao governo federal, mas [os funcionários do governo] esquecem que estamos lá, cuidando [delas] e [oferecendo] vigilância," disse a líder que tem 50 anos.

Existem atualmente mais de 300 grupos indígenas em todo o Brasil que falam 274 idiomas e possuem tradições amplamente diferentes. As reservas indígenas reconhecidas oficialmente - em diferentes estágios de demarcação - representam por volta de 13 por cento da superfície terrestre do Brasil.

Entretanto, muitos territórios ancestrais de indígenas continuam desprotegidos e não estão demarcados devido ao processo demasiado lento do governo - apesar de estar previsto na Constituição de 1988.

Bolsonaro "está cumprindo [suas promessas] e tentando destruir nossos direitos que estão presentes na Constituição Brasileira. Estamos imensamente preocupados, porque lutamos bastante, nós [ganhamos] nossos direitos, e agora estamos ameaçados. E não temos paz nos nossos territórios," disse Silva.

Na Reserva Indígena Governador, também no Maranhão, o povo Gavião também vê uma elevação nos números das invasões ilegais e no desmatamento desde que o Bolsonaro tomou posse, disse a líder indígena Maria Helena Gavião.

"Eu acho que [a população rural] está se sentindo mais representada com esse governo, por isso eles não têm mais vergonha de entrar nas áreas indígenas," explicou Gavião. Ela acredita que o Bolsonaro não está "fazendo nada de bom" para os povos indígenas, mas a pior coisa que ele disse até agora foi "não será demarcado nem mais um centímetro para as reservas indígenas."

"Isso é uma afronta contra nós, isso é uma violação dos nossos direitos...Esse governo é anti-indígena. Não estamos felizes com ele, com o que ele tem feito," disse a líder Gavião.

Aconteceram, pelo menos, 14 casos de invasões ilegais no Brasil de janeiro a março de 2019, a maior parte delas na Amazônia, um aumento de 150 por cento desde que o Bolsonaro está no poder, de acordo com o relatório publicado pela ONG Amazon Watch em abril deste ano, citando as estatísticas coletadas pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), um grupo de monitoramento que faz parte da igreja católica.

De acordo com a Amazon Watch, essas ocupações ilegais podem ser conectadas com "a retórica agressiva anti-indígena emanada em Brasília, sinalizando que uma propagação séria do abuso contra os nativos e suas terras estão por vir."Mulheres em destaque na luta pelas terras
As mulheres indígenas estão rapidamente ganhando posições de liderança no Brasil. Entre as figuras mais proeminentes conhecidas no âmbito nacional e internacional está Joênia Wapichana, a primeira mulher indígena na história eleita no Congresso Brasileiro; ela tomou posse em janeiro; e Sônia Guajajara, líder da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB). Há incontáveis mulheres na linha de frente, defendendo suas terras nativas. Canoé, Silva e Gavião são bons exemplos; todas elas são defensoras dos territórios ancestrais da Amazônia.

"Existia uma intensificação da liderança feminina com o crescimento dos conflitos por terras, mas essa proeminência sempre existiu. As mulheres são fundamentais na luta das terras e na luta pelos direitos em geral," disse a antropologista Lauriene Seraguza, uma pesquisadora que foca nas questões de terras indígenas no estado do Mato Grosso do Sul.

As mulheres têm um papel muito importante na organização política e familiar...e são fundamentais nos processos de recuperação de terras, pois são elas que mantém a família, que organizam o espaço...Dessa maneira, elas sofrem um impacto muito grande em não ter suas terras demarcadas," disse a pesquisadora, que está estudando pós-graduação sobre o papel das líderes indígenas Guarani-Kaiowá no Mato Grosso do Sul.

"As mulheres indígenas trabalham junto com os homens na defesa das nossas terras - esse é nosso lar, nossa educação, nossa saúde. Por isso estamos sempre lutando, juntamente com os homens, tentando ajudar de alguma maneira, trazendo visibilidade para os problemas que estão acontecendo dentro dos nossos territórios indígenas," disse Gavião.

Pela primeira vez vai acontecer uma marcha de mulheres indígenas em Brasília, 9-12 de agosto com o tema "Território, Nosso Corpo, Nosso Espírito." Acontecerá juntamente e em solidariedade com a Marcha das Margaridas lideradas por trabalhadoras rurais; essa marcha acontece todos os anos desde 2010.

"Nós apenas queremos viver de maneira livre no nosso território, do nosso jeito," disse Silva.

Descrição da imagem do banner: Mulheres indígenas possuem um papel importante nos protestos do Acampamento Terra Livre desse ano em Brasília. Elas dizem que vão ter um papel muito maior no futuro. Imagem de Karla Mendes / Mongabay.

Artigo original: https://news.mongabay.com/2019/05/resisting-to-exist-indigenous-women-u…

https://pt.mongabay.com/2019/07/resistindo-para-existir-mulheres-indige…

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.