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Reservatórios em colapso

O Globo, Sociedade, p. 21
08 de Set de 2015

Reservatórios em colapso

Cleide Carvalho

SÃO PAULO - O quarto ano seguido de seca levou ao colapso 40% dos reservatórios de água de quatro estados do Nordeste: Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba. Dos 422 reservatórios públicos, 162 estão em nível crítico. Pelo menos 60 secaram completamente. Segundo dados da Agência Nacional de Águas (ANA), em 2012, primeiro ano da estiagem, as barragens do Nordeste estavam com 59% da capacidade de armazenamento. Agora, estão com 25%. A média de armazenamento de água só não é ainda mais alarmante porque inclui o litoral e a Bahia, que este ano receberam mais chuva.
Para piorar a situação, a previsão é que o fenômeno El Niño, que recrudesce a seca, ocorra também em 2016. Ou seja, a chuva capaz de encher reservatórios deve vir, no mínimo, em 2017.
- É essencial que a água do Rio São Francisco chegue. É a grande e única alternativa - afirma Rodrigo Flecha Ferreira Alves, superintendente de Regulação da ANA.
As águas do São Francisco devem ser liberadas para os quatro estados a partir de dezembro de 2016. Cerca de 78% das obras estão prontas.
- Se não tiver a transposição, não sei o que será da gente - lamenta João Fernandes, presidente da Agência Executiva de Gestão das Águas do Estado da Paraíba.
No Açude Castanhão, reservatório que abastece Fortaleza, a água é suficiente para apenas um ano de consumo. No município paraibano de Campina Grande, com mais de 400 mil habitantes, as torneiras já secam 60 horas por semana, entre as tardes de sábado e as manhãs de terça-feira. E o período sem água aumentará ainda mais este ano: serão 84 horas seguidas, três dias e meio por semana.
Já Pernambuco registra colapso em 32 de seus 75 reservatórios. A pior situação é a da Barragem de Jucazinho, terceira maior do estado e abastecedora de 15 municípios, incluindo Caruaru e Toritama. Este último tem registrado, em seu polo industrial de jeans, um aumento de 30% no custo de cada peça. É que, para confeccionar apenas uma roupa jeans, são usados 49 litros de água. A Barragem de Serro Azul, que ajudará a abastecer essa região, só ficará pronta em fins de 2016.
- Choveu 40% abaixo da média, e a Barragem de Jucazinho está com apenas 3% de sua capacidade. Não temos alternativa. Só uma tempestade nos salvaria, mas a temporada chuvosa já acabou - diz Marconi Azevedo, da Agência Pernambucana de Águas e Clima.
R$ 530,6 MILHÕES EM CARROS-PIPA
Um levantamento da ANA mostra que, em Pernambuco, os reservatórios estão com apenas 13% de capacidade. Este é o estado em situação mais crítica de todo o Nordeste, seguido por Ceará (17,41%), Paraíba (20%) e Rio Grande do Norte (25%). Nas barragens do sertão pernambucano, a reserva de água não passa de 5% da capacidade. Em toda a Bacia do Rio Capibaribe, uma das mais importantes do estado, o percentual é de 3,3%.
Presidente da Companhia de Gestão de Recursos Hídricos do Ceará, João Lúcio Farias afirma que mais de 1.500 poços serão cavados até o fim do ano no estado. Dos 153 existentes hoje, 19 estão sem água. Segundo ele, são usadas adutoras de montagem rápida, fora da terra, para ligar reservatórios.
- Foi o pior aporte de água nos reservatórios nos últimos 17 anos - constata Farias.
No Rio Grande do Norte, por sua vez, 35% dos reservatórios estão no volume morto. A saída, onde ainda há água, tem sido usar a captação flutuante. Para Josivan Cardoso Moreno, do Instituto de Gestão de Águas do Rio Grande do Norte, 70% dos reservatórios estarão nessa condição até o fim do ano.
- A água reservada dá para abastecer o estado por apenas 15 meses - alerta Moreno.
De acordo com ele, desde o começo do ano, os carros-pipa já não abastecem apenas as zonas rurais, mas também as áreas urbanas. Segundo o Ministério da Integração, apenas este ano, 1.095 municípios do semiárido do país tiveram reconhecimento federal por situação de emergência ou calamidade pública, em razão da seca ou estiagem. Uma ação conjunta de órgãos federais resultou na perfuração ou recuperação de 3.939 poços.
Atualmente, 780 municípios são contemplados pela Operação Carro-Pipa, do governo federal. São 6.705 carros contratados para atender 3,7 milhões de pessoas. Só este ano, a operação custou R$ 530,6 milhões. Desde o início da seca, em 2012, até este mês, as ações de socorro e assistência às vítimas receberam recursos de R$ 490 milhões.
REGIÃO TAMBÉM SOBRE COM DESSALINIZAÇÃO
O processo de desertificação do solo está em marcha acelerada no Nordeste, atingindo fortemente 75 cidades de oito dos nove estados da região - a exceção é o Maranhão. Levantamento do Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (Lapis), da Universidade Federal de Alagoas, mostra que a desertificação mais grave alcança 50.799 km², o que corresponde a 5,25% da área do semiárido. Deste total, 40.684 km² são de caatinga.
A Paraíba é o estado com maior número de municípios afetados pela desidratação do solo, que pode torná-lo imprestável. As frequentes secas agravam a situação, mas a desertificação é provocada também pela ação do homem, por meio de desmatamentos, mineração ou uso inadequado do solo.
Coordenador do Lapis, o pesquisador Humberto Barbosa afirma que a maior preocupação deve ser incentivar uma economia mais adaptada às condições climáticas da região atingida por secas e desertificação, e não em torná-la ainda mais dependente da água escassa. Para acompanhar o fenômeno e mapear as áreas degradadas, o Lapis vem utilizando imagens do satélite Meteosat.

ÁGUA DO MAR SERÁ USADA NO ABASTECIMENTO

As previsões climáticas que indicam secas cada vez mais frequentes e acentuadas já levam o Nordeste a estudar o uso da água do mar como alternativa para abastecimento. Pelo menos dois estados gravemente afetados, Ceará e Rio Grande do Norte, vão adotar a dessalinização da água marinha.
A principal dificuldade do sistema, usado em países como Israel e Espanha, é o alto preço, devido à energia gasta pelas usinas de dessalinização. A cada cem litros de água do mar tratada, apenas 40 se tornam utilizáveis. Os 60% restantes formam um concentrado extremamente salobro, que deve ser novamente lançado ao mar.
- Estamos no menor nível de água da História do Rio Grande do Norte, e o mar é estratégico para que possamos planejar nossa segurança hídrica. O Brasil tem um litoral extenso, fantástico, que é usado apenas para passear - afirma José Mairton França, secretário de Recursos Hídricos do estado.
No início do mês passado, o governo do estado encaminhou à Assembleia Legislativa um projeto que prevê a instalação de três usinas de dessalinização de água do mar em 2016, com investimento de R$ 60 milhões. Elas devem funcionar no estuário do Rio Piranhas-Açu, em Macau, região salineira do estado.
França afirma que a ideia é integrar as usinas eólicas do estado, para baratear o custo das usinas de dessalinização. O concentrado salobro seria utilizado pela indústria salineira e por indústrias cloroquímicas.
- A dessalinização é uma apólice de seguro a ser usada em períodos críticos. A alternativa de curto prazo é o reúso - explica Rodrigo Flecha, superintendente de Regulação da ANA. - A crise mostra que os sistemas de abastecimento de água devem ter redundância, além de serem flexíveis e interligados.
Para Flecha, a principal medida é baixar o padrão de consumo da população e o desperdício na irrigação, adotando tecnologias mais modernas, como gotejamento e microaspersão.

O Globo, 08/09/2015, Sociedade, p. 21

http://oglobo.globo.com/sociedade/sustentabilidade/seca-deixa-barragens…

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