Reservas ameaçam engolir cidades em Roraima

Pacaraima, com 7 mil habitantes, está em área indígena; Uiramutã corre o mesmo risco

Quando a rodovia BR-174 foi concluída, os moradores de Pacaraima, na divisa de Roraima com a Venezuela, voltaram a acreditar que a antiga vila do BV-8, como era chamada, finalmente iria se expandir. As regras impostas pelo governo para a demarcação de terras indígenas, no entanto, acabaram com o sonho dos 7 mil habitantes. Hoje, a cidade faz parte da reserva dos índios macuxis e wapixanas. E o mesmo destino terá o município de Uiramutã, após a homologação da reserva Raposa Serra do Sol, no extremo norte do Estado. "Não aceitamos a permanência de ninguém no local", avisa o vice-coordenador da Associação dos Povos Indígenas de Roraima (Apirr), Firmino Alfredo da Silva.

As regras da Fundação Nacional do Índio (Funai) não apenas acabaram com a idéia de desenvolvimento de Pacaraima, na fronteira com a Venezuela. Também jogaram os brancos contra os índios, criando um clima de tensão que levou a Apirr a tomar uma decisão radical: "Vamos fazer uma cerca na cidade para evitar sua expansão", afirma Silva.

O isolamento pretendido pelo líder indígena quase ocorreu há dois meses e conta com o apoio da Funai, segundo ele. "Nossa esperança é que o pessoal desocupe. Depois decidiremos o que fazer com Pacaraima."

Além disso, a demarcação também acabou causando uma ruptura entre as próprias etnias. "Formou-se uma divisão", relata Anísio Pedrosa Lima, defensor da permanência dos brancos na cidade e líder da Associação de Integração e Desenvolvimento das Comunidades Indígenas de Roraima, que tem mais de 2 mil filiados.

A entidade é uma da sete facções nascidas após a criação da reserva São Marcos e todas estão divididas entre a manutenção ou não dos habitantes de Pacaraima - fazendeiros, plantadores de arroz e posseiros - na área indígena. Os conselhos e associações indígenas que querem o fim de Pacaraima afirmam que a criação da cidade foi oficializada após a demarcação, feita há uma década.

Os moradores estão há pelo menos 25 anos na região. Mas, de acordo com as regras da demarcação, Pacaraima tem apenas 0,5% de seu território original, justamente onde está o quartel do Pelotão Especial de Fronteiras, que é vinculado à União.

"Nunca houve atrito entre branco e índio", assegura o vice-prefeito da cidade, Francisco Roberto do Nascimento, também índio macuxi. "Agora, há um apartheid social."

Comportamento - A movimentação no comércio já mostra comportamentos diferentes em relação aos índios. De amigos, eles passaram a ser tratados com indiferença pelos lojistas.

Já os turistas, que compram todo tipo de produtos, ganharam a preferência dos comerciantes locais. A cidade é hoje uma espécie do que Ciudad del Este, no Paraguai, é para os brasileiros. "Aqui tem de tudo", confirma uma animada compradora de um grupo venezuelano, sem saber que o fim de Pacaraima está próximo.

Óculos escuros de marca famosa no rosto e boné importado fazem parte do estilo de Messias Bento Flores, de 51 anos. "Não sei ainda se posso dizer que sou o dono, mas eu sou o dono", adverte Flores, ao olhar a principal rua de Pacaraima, onde estaciona a velha camionete branca que identifica sua origem: "indígena taurepang", um dos três grupos que tomarão posse da cidade.

Desocupação - Segundo a Apirr, para a saída dos moradores, os índios aguardam apenas uma definição das indenizações. "Não sabemos quem vai liberar o dinheiro, se é o Estado ou a União", explica o vice-coordenador da entidade, Firmino Alfredo da Silva. "A gente vai discutir com os demais. Mas já há muitos índios querendo ocupar o município, principalmente de aldeias próximas."

A prefeitura entrou com um recurso junto à União para manter a área territorial de Pacaraima. Para o vice-prefeito, Francisco Nascimento, é necessária uma nova negociação. "Vamos buscar uma alternativa", admitiu.

"Afinal, mesmo com a demarcação das terras, o município continua existindo para a União e prestando assistência médica."