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Repressão a índios na Bolívia foi planejada

O Globo, O Mundo, p. 43
01 de Out de 2011

Repressão a índios na Bolívia foi planejada
Documento mostra que polícia se preparou para intervir em marcha contra estrada. Governo nega ter dado a ordem

LA PAZ. No rastro de uma crise política deflagrada pela violenta repressão policial a uma marcha indígena na Bolívia - que já provocou a renúncia de dois ministros e outras três autoridades - o governo de Evo Morales tenta a todo custo desvincular o presidente dos ataques, sugerindo que a polícia foi responsável pela ordem de atacar os manifestantes. Segundo revela um documento obtido ontem pelo jornal "La Razón", a repressão à marcha que resultou na morte de uma criança e em centenas de detidos foi planejada. Os papéis, no entanto, não indicam quem ordenou a ação. Mas o vice-presidente, Álvaro García Linera, garantiu que a ordem não partiu de dentro do governo.

Para ministra, polícia tentou prejudicar o governo

O documento, intitulado "Plano de Dispersão", detalha o nome, grau e número de policiais que estariam a cargo da operação do último domingo - que pretendia, como mostra o texto, pôr fim à marcha indígena contra a construção de uma estrada financiada pelo Brasil, prevista para atravessar uma reserva. Segundo o texto, os policiais pretendiam transportar de volta a Trindade - onde a marcha havia começado mais de 40 dias antes - entre 350 e 400 dos 1.500 manifestantes. A ação tinha data e hora para ser posta em prática, e contou ainda com apoio da Força Aérea da Bolívia - que devia ajudar levando os índios de volta a sua região de origem em aviões.

Tentando minimizar o conteúdo do documento, o vice-presidente afirmou que a polícia precisa estar preparada para todo tipo de situação, mas negou que houvesse "instruções políticas do Palácio Quemado ou do Ministério do Interior para a intervenção". García Linera garantiu, ainda, que o governo já sabe o que aconteceu, mas espera o resultado de uma investigação mais detalhada. No entanto, a ministra boliviana da Transparência Institucional e Luta conta a Corrupção, Nardi Suxo, disse suspeitar que a repressão foi ordenada por comandantes policiais para prejudicar a imagem do governo.

Mas a versão do governo foi recebida com desconfiança por alguns setores bolivianos.

- Mentira! - exclamou ao GLOBO Ernesto Sánchez, secretário de economia da Confederação Indígena do Oriente Boliviano, entidade que representa mais de 30 grupos indígenas. - Não acreditamos mais nesse governo. Existe um documento assinado pelo ex-ministro do Interior, Sacha Llorenti (que renunciou após a repressão), autorizando o ataque.

Por sua vez, o presidente Evo Morales - enfraquecido após perder algumas de suas bases formadas por grupos indígenas e ambientalistas - disse ter encontrado provas de que a marcha faz parte de um plano para tentar boicotar as eleições de juízes, previstas para este mês.

- Um companheiro me disse que essa marcha, desde o primeiro momento, estava orientada para prejudicar e provocar o fracasso da eleição de 16 de outubro - alegou o presidente.

Camponeses e opositores se enfrentam em La Paz

O Movimento Sem Medo, que apoiou Morales nas eleições de 2005 e 2009, afirmou que vai apresentar acusações judiciais contra o presidente, similares às que foram usadas pelo atual governo para punir políticos da oposição. Segundo a Constituição do país, os indígenas devem ser consultados anteriormente sobre qualquer projeto que envolva as suas terras.

O impasse entre indígenas e o governo voltou a provocar confusão ontem em La Paz. A Federação de Trabalhadores Camponeses Tupac Katari desfilou no centro da capital em apoio à construção da polêmica estrada. Vestidos de trajes tradicionais, que incluíam chicotes, centenas de camponeses insultaram opositores que os vaiavam, e chegaram até a chicotear pessoas nas ruas.

Colaborou: Janaína Figueiredo, de Buenos Aires

O Globo, 01/10/2011, O Mundo, p. 43

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