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Repressão a índios abre crise política na Bolívia

O Globo, O Mundo, p. 29
27 de Set de 2011

Repressão a índios abre crise política na Bolívia
Ação violenta da polícia leva ministra da Defesa à renúncia, e manifestantes convocam greve contra Morales

LA PAZ. Um cabo de guerra que já dura 42 dias entre o governo boliviano e índios da região amazônica do país abriu ontem uma crise e fez sua primeira vítima no campo político. A ministra da Defesa, Cecilia Chacón, apresentou sua renúncia por discordar da repressão violenta da polícia, no domingo, à marcha de 1.500 indígenas contra a construção de uma estrada que passaria por uma reserva natural. Por sua vez, sindicatos, associações indígenas, partidos de oposição e grupos ecologistas protestaram em La Paz, Sucre e Cochabamba, pedindo a renúncia de Evo Morales, enquanto a Central Operária Boliviana convocou uma greve geral para amanhã.
A ação, que irritou grupos indígenas - uma das bases do governo de Evo Morales - deixou uma criança morta, e resultou em diversas pessoas feridas e presas, segundo a Igreja Católica do país. Os policiais atacaram a multidão com gás lacrimogêneo e porretes. O governo nega ter ordenado a repressão, e garante que não houve mortos. Ontem, a polícia foi obrigada a libertar 200 índios depois que uma multidão de moradores bloqueou uma estrada e um aeroporto perto do povoado de Yucamo, a 300 quilômetros de La Paz, onde ocorreram os confrontos da véspera. Manifestantes diziam que ainda havia relatos de desaparecidos.
Para oposição, ofensiva
foi atitude ditatorial
Segundo a polícia, os agentes só partiram para a violência após terem sido ameaçados com flechas pelos índios. Mas a repressão causou mal-estar dentro e fora do governo.
"Renuncio pois não concordo com a medida de intervenção assumida pelo governo, e não posso defendê-la nem justificá--la", disse Cecilia, em carta a Evo Morales, afirmando ao presidente que havia alternativas pacíficas para lidar com a questão.
Rolando Villena, que ocupa o cargo de ombudsman do governo boliviano, desmentiu as versões policiais, assegurando ter relatos de que os agentes atacaram quando os indígenas estavam se preparando para jantar.
- Há relatos de crianças feridas, mães que não conseguem achar seus filhos. Isso não é uma democracia - disse Villena.
A oposição também condenou abertamente o episódio, tachando o governo de Morales de "ditatorial".
- Se foi o presidente que ordenou a ofensiva contra a marcha, ele sepultou sua liderança e deixou de ser símbolo de mudanças - disse Doria Medina, ex-candidato à Presidência pela centro-direita.
Tentando acalmar a situação, Morales convocou lideranças indígenas ao diálogo na noite de ontem, e abriu uma investigação para apurar os detalhes sobre a ação policial. Do seu lado, os indígenas ainda debatiam se continuavam o protesto, iniciado em agosto, quando mais de mil pessoas começaram a marchar os 500 quilômetros que separam a reserva Isiboro Secure da capital.
Alvo do protesto, a estrada é construída pela empresa brasileira OAS, e deve ligar o Brasil a portos do Chile e Peru, passando pela Bolívia. O governo e La Paz defende a obra, afirmando que a economia boliviana se beneficiaria com a construção da estrada. Mas, pressionado, Morales prometeu organizar um referendo sobre a questão nas províncias que serão cortadas pela rodovia. Os índios, no entanto, sabem que produtores de coca - a principal base de Morales e maiores beneficiados pelas obras - votarão a favor do projeto.
Para analistas políticos, o episódio confirma a decepção dos povos nativos bolivianos em relação ao presidente - que durante a campanha eleitoral fez questão de sublinhar sua origem indígena para conquistar o apoio desse grupo, cerca da metade da população do país. Apesar de Morales ter promovido medidas que favoreceram os índios em seu governo - como a adoção de 36 idiomas no país além do espanhol e maior autonomia para os grupos indígenas - críticos o acusam de privilegiar os produtores de coca em detrimento do resto do país.

Brasil defende projeto
Itamaraty diz confiar em diálogo

BRASÍLIA. O governo brasileiro defende uma solução negociada para o projeto da estrada de 306 quilômetros que atravessa a Amazônia boliviana e que conta com financiamento do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).
"O governo brasileiro manifesta sua confiança no governo boliviano, e os diferentes setores da sociedade boliviana continuarão a favorecer o diálogo e a negociação em busca de um entendimento sobre o traçado da estrada", informou em nota o Ministério das Relações Exteriores. O comunicado também destaca a importância do projeto para a integração nacional da Bolívia. Em nota, o ministério expressou preocupação com a notícia dos distúrbios no domingo com os protestos contra a construção.
A embaixada do Brasil em La Paz confirmou o financiamento para o projeto, que tem custo total de US$420 milhões.

O Globo, 27/09/2011, O Mundo, p. 29

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