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Repercussão distorcida

Correio do Estado-Campo Grande-MS
15 de Jan de 2003

A morte do cacique deve ser compreendida como um ato de barbarismo decorrente da incapacidade do Estado em resolver os conflitos agrários
A morte do cacique guarani Marcos Verón, ocorrida em circunstâncias que serão elucidadas pela Polícia Federal nos próximos dias, deve ser condenada pela opinião pública no âmbito das preocupações geradas pela questão dos conflitos no campo em Mato Grosso do Sul.
Mesmo assim, é arriscado - além de contraproducente, sobretudo no atual momento político - transformar a vítima num herói da causa indígena, sem antes compreender em qual contexto se deu o ignominioso crime.
Está claro que quando não há intermediação adequada dos poderes públicos em torno da disputa pela posse da terra, havendo intransigência de lado a lado, o resultado previsível é prevalência da força bruta sobre a lei. Infelizmente.
Dispensam-se comentários extensos para demonstrar que toda invasão de propriedade - mesmo quando se alega que tal ato foi realizado de maneira "pacífica"- é um gesto de violência que, quando mal administrado, termina se auto-alimentando, provocando, de resto, atitudes irracionais como a que vitimou na última segunda-feira o cacique Marcos Verón.
A história dos conflitos agrários, com índios de um lado e fazendeiros de outro, remonta, como se sabe, ao período do descobrimento, e os resultados trágicos desse longo processo apontam que não se chega a lugar nenhum sem soluções negociadas.
O risco que se corre, diante desta questão, é com as generalizações que tentam satanizar ou glorificar as partes envolvidas, principalmente quando a escalada da violência se torna incontrolável. No fundo, algozes e vítimas são produtos de um mesmo sistema que não consegue suplantar suas contradições internas nem estabelecer mecanismos de superação de desigualdades sociais. A morte do líder indígena deve ser compreendida, assim, como mais um ato de barbarismo decorrente da incapacidade do Estado em estabelecer políticas que solucionem definitivamente a disputa pela posse da terra.
Qualquer outro entendimento em torno do ocorrido, na linha que mistifica e julga sumariamente um dos lados, apenas fortalece a idéia de que a solução do problema deve passar necessariamente pelo crivo da violência.
Está tudo errado. Já passa da hora de casos como esse receberem a atenção devida das autoridades, não permitindo que ganhem repercussão distorcida.

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