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Repensando o Indigenísmo no Brasil: Uma reflexão, na ótica indígena.

Instituto Warã
12 de Set de 2003

A conjuntura por que passa o Brasil, faz-se necessário uma reflexão profunda sobre o "indigenísmo brasileiro", pois não se tem muito a dizer, já que a situação dos Povos Indígenas nas mais diversas áreas é um retrato fiel da nossa realidade vivida.

TERRITÓRIO

A garantia e a proteção das nossas terras, razão maior de existência, torna-se moeda de troca nos meios políticos, resultando em assassinatos de nossos líderes mais importantes e dá a exata dimensão do que vivenciamos. A Constituição de 1988 deu um prazo de cinco anos para a conclusão do processo demarcatório de todas as terras indígenas, quatorze anos depois nem a metade está regularizada.

EDUCAÇÃO

Na questão da Educação escolar indígena, as discussões são extremamente equivocadas já que os conceitos se invertem. Se por um lado às legislações referentes a esta matéria nos garantem os direitos a uma educação específica e diferenciada, as pessoas que pensam esta educação são não indígenas, eis o questionamento: diferente e específica para quem? Para índios ou para não índios. Dependendo de quem pensa a educação ela tem todo um conceito e é carregada de valores relacionados a quem a pensa. No caso da educação indígena não é difícil descobrir o porque dos equívocos, porque se perguntar para um não índio o que é diferente para ele, ele vai dizer que é a cultura, são as línguas, os costumes etc...dos índios, por outro lado se perguntar a um índio o que é diferente para ele, ele responderá que é tudo o que o "branco" sabe e que é o que ele quer aprender para se defender do próprio "branco", o que é natural porque o que é diferente para o índio é obviamente aquilo que não é dele, ou seja o "pensar" a educação indígena está se dando inversamente, porque os consultores, assessores, os "especialistas em índio" pensaram a nossa educação e a diferença partindo do ponto vista deles, na verdade estão querendo nos ensinar a sermos índios! Ora, nós resistimos há 500 anos de contato e preservamos teimosamente nossas culturas, penso sim que a educação escolar indígena tem que ter um papel específico de acordo com a situação histórica de contato que cada Povo Indígena vivenciou.

O que o Ministério da Educação faz hoje, é "tentar" fazer educação indígena e não educação escolar indígena. Educação indígena é todo o processo coletivo de transmissão de conhecimentos, cada pessoa indígena na comunidade tem um papel importante nesse repasse, cada um é um educador, por outro lado, a educação escolar indígena tem que contemplar os saberes, ou o direito ao acesso aos saberes universais, esses saberes tem que ser um acréscimo na minha diferença enquanto indígena e não uma substituição de conteúdos importantes na construção das nossas estratégias nos projetos de futuro dos Povos Indígenas.

O que falta na educação escolar indígena é a democratização das discussões, democratizar é envolver os diretamente interessados o que não acontece.

SAÚDE

Na saúde avançou-se muito, existem sérias críticas ao modelo que sem dúvida tem que ser melhorado, mas é o único modelo que contemplou o controle social exercido pelos Povos Indígenas através de seus líderes, talvez por isso tenha sofrido grandes críticas já que a democracia é também o confronto de idéias.

Durante a III Conferência Nacional de Saúde indígena, muitas deliberações importantes aconteceram, porém não foram colocadas em prática, como por exemplo, um representante dos índios no conselho nacional de Saúde.

DESENVOLVIMENTO SUSTENTADO

Na questão da etno-sustentabilidade, incluindo-se a econômica, não se avançou em nada, já que a Fundação Nacional do Índio, órgão responsável pela formulação dessas políticas está extremamente sucateado e sem condições políticas e administrativas de continuar conduzindo a questão indígena.

As organizações indígenas através do Warã Instituto Indígena Brasileiro e da COIAB - Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira, estão construindo, num diálogo um tanto difícil, com o Ministério do Desenvolvimento Agrário uma proposta de sustentabilidade alimentar para os Povos Indígenas do Brasil.

É um diálogo difícil porque no Brasil criou-se em torno dos índios a figura do "incapaz", barreira difícil de ser superada por aqueles que historicamente falaram por nós que são as igrejas, os governos e pessoas que de alguma forma se beneficiam com a manutenção desse conceito.

FUNAI

A Fundação Nacional do índio, órgão de governo responsável pela formulação, definição e execução de políticas de governo para os povos Indígenas, sofreu um desgaste gradativo pelo próprio governo, agravando-se com o corporativismo de grupos de funcionários que se sentem os "donos" dos índios e que, para manter esta relação assistencialista e paternalista usam os recursos públicos para cooptar lideranças de alguns Povos Indígenas, quando não mantém dezenas de índios hospedados nas pensões em Brasília na W3 Sul, onde os índios vivem em situação de miséria levando as índias à prostituição e ao alcoolismo.

Pensar a reformulação do órgão indigenísta, não significa mexer somente na "caixinhas" dos DAS - Direção de Assessoramento Superior, mas sim o de definir a MISSÃO do órgão, bem como suas DIRETRIZES, mudar uma ideologia extremamente discriminatória e preconceituosa em relação aos índios. A relação entre os índios e o estado Brasileiro tem que mudar e mudar para uma relação de iguais em capacidade e de respeito mútuo, que as diferenças nos unam e não nos coloquem em guetos como o tem feito a Funai. Essas mudanças só serão possíveis se estiver frente à Funai alguém comprometido com os índios e que tenha o compromisso de mexer em velhas feridas e nos grupos de indigenísta e sertanistas (jurássicos) que se apossaram do órgão.

Uma proposta discutida pelas organizações indígenas recentemente é a de que a Funai deixe de ser a formuladora e definidora de políticas e passe a ser somente a executora dessas políticas que seriam pensadas e formuladas numa outra instancia do governo federal e que ligado a essa instância tenha um Conselho Nacional Superior de Política Indigenísta, para que se democratize a discussão com os seguimentos aliados e afetos à questão, sejam eles governamentais ou não.

Ressaltamos que grande parte dessas mudanças será possível somente com a aprovação do Projeto de Lei 2.057 que está parado no Congresso Nacional desde 1994. Acreditamos que poderemos contribuir para a construção de uma política mais moderna e mais eficiente, menos discriminatória e mais humana e solidária para os povos Indígenas do nosso país.

Cordialmente,

WARÃ INSTITUTO INDÍGENA BRASILEIRO

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