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Repartição de benefícios entre povos tradicionais e biopirataria

Amazonia.org
28 de Set de 2005

Repartição de benefícios entre povos tradicionais e biopirataria

Signatário da Convenção de Diversidade Biológica (CDB), acordada durante a Rio-92, o Brasil tem o compromisso de conservar e promover o uso sustentável da biodiversidade com a repartição justa dos benefícios derivados do uso dos recursos genéticos e dos conhecimentos tradicionais. A construção de uma legislação nacional e a implementação de ações que garantam esse direito aos povos da floresta serão o tema da exposição de Fernando Baptista, coordenador-adjunto do Programa de Política e Direito do Instituto Socioambiental (ISA), no seminário "Repartição de benefícios para o acesso à biodiversidade", durante o Mercado Floresta. A discussão adquire caráter estratégico na feira pela proximidade da 8ª Conferência das Partes Signatárias (COP-8) da CDB, a ser realizada em meados de 2006 em Curitiba.
Na próxima semana, entre 4 e 6 de outubro, o ISA também promove evento preparatório para a COP-8, com representantes de povos indígenas, comunidades tradicionais e pesquisadores, para debater o papel do País na proteção de seus recursos genéticos e conhecimentos tradicionais. As principais conclusões desse encontro serão novamente trazidas ao público no seminário de novembro na Oca.
"O reconhecimento da soberania dos países para administrar seus recursos biológicos e genéticos tem sido alvo de conflitos com as novas regras e tratados internacionais de comércio e propriedade intelectual", destaca o coordenador. Os impactos do acesso à biodiversidade sobre o cenário nacional e o papel dos povos indígenas e tradicionais na posição que o Brasil deverá assumir em Curitiba, tornam-se questões prioritárias para a definição da política nacional de gestão da sociobiodiversidade antes do encontro.
Representantes de diferentes segmentos sociais e organizações, especialistas brasileiros e estrangeiros, comunidades locais e órgãos de governo necessitam de fóruns de discussão comum para avaliar, por exemplo, o avanço do setor biotecnológico, baseado em patentes e outros mecanismos de privatização do conhecimento. Instrumentos como o Acordo sobre Aspectos e Direitos de Propriedade Intelectual, estabelecido pela Organização Mundial do Comércio (OMC), impõem níveis cada vez mais rígidos de proteção de patentes em benefício dos países desenvolvidos e em detrimento da soberania de países como Brasil.
Lei na encruzilhada
A legislação brasileira para o acesso à biodiversidade e à repartição de benefícios entre os povos detentores do conhecimento tradicional encontra-se hoje numa encruzilhada. A repartição de benefícios, que não inclui só o prisma econômico mas parcerias entre comunidades locais, sociedade civil e academia, está prevista no Anteprojeto de Lei de Acesso aos Recursos Genéticos e Conhecimentos Tradicionais (APL) em trâmite ainda na Casa Civil por divergências entre diferentes ministérios. Embora o APL não preveja pontos importantes, como a composição do Fundo de Repartição de Benefícios, mecanismos de representação dos povos tradicionais, autorização de acessos e contratos de repartição (principalmente quando esses envolvem conhecimentos compartilhados por muitos povos), representa um avanço na participação da sociedade para construção da Lei. Hoje, a matéria é regida por uma Medida Provisória que, em sua primeira edição chegou a prever a anistia a todos que haviam explorado economicamente o País até 2000, incluindo plantas, animais e conhecimentos tradicionais - pontos questionados mais tarde no Supremo Tribunal Federal.
Para Juliana Santilli, sócio-fundadora do ISA, há vários aspectos positivos da nova Lei, que incluem o princípio da precaução, a definição de patrimônio genético como um bem de uso comum, o respeito à vulnerabilidade das comunidades locais, por mecanismos que facilitam a defesa de seus direitos. "É importante também o reconhecimento do direito de usufruto dessas comunidades sobre os recursos genéticos existentes em seus territórios tradicionais, a necessidade do consentimento prévio e informado para o acesso a tais recursos e principalmente a criação do Fundo de Repartição de Benefícios, que destinará recursos aos povos indígenas e tradicionais que compartilhem dos mesmos conhecimentos", destaca Juliana.
Exemplo de biopirataria
Enquanto isso, permanecem as ameaças e casos exemplares de apropriação e uso comercial dos recursos naturais, pela manipulação de informações genéticas de seres vivos, microorganismos e até seres humanos, que se tornam matéria-prima para novos produtos da indústria farmacêutica, química ou alimentícia. Calcula-se que o saque das riquezas naturais, conhecido como biopirataria, movimente por ano no mundo US$ 60 bilhões, segundo estimativas do Ibama. E o uso da natureza por populações tradicionais para alimentação, combate natural de pragas, rituais etc., pode representar um atalho para o desenvolvimento de novos produtos biotecnológicos. Segundo o site do ISA, dos 120 princípios ativos isolados utilizados pela indústria farmacêutica, 75% foram identificados pelo conhecimento tradicional associado. Um dos exemplos apresentados é o da secreção cutânea do sapo verde (Phyllomedusa bicolor), utilizada por populações indígenas da Amazônia Brasileira e do Peru para afastar a má sorte na caça e com as mulheres. Objeto de pesquisa desde os anos 80 por laboratórios internacionais, a secreção contém diversas substâncias até então desconhecidas pela ciência ocidental, com propriedades analgésicas e antibióticas e de fortalecimento imunológico, que já foram desdobradas em dez patentes internacionais, quatro delas norte-americanas.

Amazônia.org, 28/09/2005

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