VOLTAR

A relevância do Brasil no combate às mudanças climáticas e na proteção de defensores ambientais

Valor Econômico -https://valor.globo.com/brasil/esg/artigo/a-relevancia-do-brasil-no-combate-as-muda
Autor: BRITO, Ciro
02 de Mai de 2024

A relevância do Brasil no combate às mudanças climáticas e na proteção de defensores ambientais
Neste artigo, Ciro Brito, membro da rede LACLIMA, fala dos desafios específicos da pecuária e a correlação entre o papel de defensores ambientais, povos indígenas e comunidades tradicionais e a luta contra a emergência climática

Por Ciro Brito , Para o Prática ESG (*) - Salvador
02/05/2024 07h29 Atualizado há 3 horas

O dia 13 de abril, agora, passará a ser lembrado como a data em que uma grande defensora de direitos ambientais nos deixou. Osvalinda Alves, agricultora familiar que teve a vida marcada pela defesa ambiental e o enfrentamento das ameaças e perigos dela decorrentes, foi a primeira brasileira a receber o prêmio Edelstam, na Suécia, em 2020, em reconhecimento do seu trabalho de defesa da Amazônia. Ela reivindicava direitos territoriais e denunciava a extração ilegal de madeira da floresta. Morreu por complicações pulmonares, no Pará, no último sábado (13).

A Amazônia, região de origem e atuação de Osvalinda, é o bioma que historicamente mais tem emitido gases de efeito estufa (GEE). Em 2022, os Estados de Mato Grosso (17,3% do total) e Pará (15,6%) - parte da Amazônia Oriental - aparecem como os principais emissores brutos, seguidos de Minas Gerais, Rondônia - estado também pertencente ao bioma amazônico - e São Paulo.

Vale lembrar que o perfil de emissões de gases de efeito estufa no Brasil tem, no topo do ranking, os setores de "mudança de uso da terra e floresta" e "agropecuária", que em 2022 foram responsáveis por aproximadamente 75% do total das emissões de GEE (SEEG, 2023).

O principal fator de emissões do setor "mudança do uso da terra e floresta" é o desmatamento. E do total das emissões brutas oriundas do desmatamento em 2022, 75% são provenientes da Amazônia.
No setor de "agropecuária" são contabilizadas as emissões provenientes da digestão realizada pelos rebanhos de animais ruminantes - o popular "arroto" do boi -, do tratamento e da disposição que os dejetos desses animais recebem, entre outros. Do total de emissões do setor, a agricultura representou 20%, e a pecuária 80%. A principal causa do aumento nas emissões foi, assim como em 2021, o crescimento do rebanho bovino.

Apesar do desmatamento da Amazônia ter alcançado, em fevereiro de 2024, o 11o mês consecutivo de redução, a devastação somada de janeiro e fevereiro de 2024 atingiu 196 km², superando a área das capitais Vitória (ES), Natal (RN) e Aracaju (SE), por exemplo. Isso representa 327 campos de futebol por dia, durante todo o bimestre.

Estudos apontam que, apesar de já ocupar mais de 80% das áreas desmatadas na Amazônia com uma produtividade baixíssima, a pecuária ainda pode levar à derrubada de mais de 3 milhões de hectares entre 2023 e 2025, caso não sejam adotadas medidas mais efetivas de fiscalização, como a rastreabilidade de todos os animais desde o nascimento.

Entre 2021 e 2022, mais de 100 mil hectares de florestas da Amazônia foram explorados ilegalmente para a extração de madeira. Uma área maior que a de Belém, cidade sede da COP 30. Mais de 25% (25,6%) da ilegalidade se concentrou em Terras Indígenas e Unidades de Conservação.

Nos últimos 30 anos, a despeito dessas e outras adversidades, as Terras Indígenas perderam apenas 1% de sua área de vegetação nativa, frente à perda de 20,6% de vegetação nativa em áreas privadas. Da mesma forma, desde 1985, a perda da vegetação nativa de territórios quilombolas titulados foi de apenas 3,2%, enquanto a de áreas privadas foi de 25%, segundo dados do Mapbiomas (2023). Ou seja, diminuir as emissões de gases de efeito estufa no Brasil depende da demarcação de Terras Indígenas, da titulação de territórios quilombolas e da criação de Unidades de Conservação.

É cada vez mais evidente a correlação entre o papel de defensores ambientais, povos indígenas e comunidades tradicionais e a luta contra a emergência climática. Mais de 150 organizações nacionais e internacionais reforçaram essa correlação em carta enviada no final de março a ministros do Governo Federal e a membros do Poder Legislativo solicitando a aceleração da aprovação do Acordo de Escazú no Congresso Nacional. Esse é o primeiro acordo ambiental do mundo com obrigações específicas de proteção de defensores ambientais. Nele são incluídos direitos como os de acesso à informação, à participação e à justiça em questões ambientais, cuja efetivação é fundamental para a garantia de uma governança ambiental e climática transparente, participativa e inclusiva.

Em um trecho da referida carta, as organizações afirmam: "Considerando ainda o tamanho e influência do Brasil, o contexto de sua liderança no âmbito de diálogos do G-20, do BRICs, da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica e de outros agrupamentos de países, bem como o papel-chave das florestas do país na mitigação das mudanças climáticas e a relevância do trabalho dos defensores ambientais em sua proteção, ratificar o acordo enviará uma mensagem contundente à comunidade internacional de que o governo está envidando os esforços necessários para responder à tripla crise planetária (crise climática, da perda da biodiversidade e da poluição) e poderia influenciar positivamente a agenda de transição para uma economia ambiental e socialmente sustentável e justa. A ratificação do Acordo de Escazú deveria ser prioridade do governo rumo à COP 30, em Belém, em 2025".

Nas próximas semanas, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) promoverá uma série de audiências públicas em Barbados e no Brasil, para melhor embasar sua análise do pedido de Opinião Consultiva sobre Emergência Climática e Direitos Humanos apresentado pelos Estados da Colômbia e do Chile.

O objetivo da referida consulta é, fundamentalmente, esclarecer o alcance e o conteúdo das obrigações de efetivação e proteção de direitos humanos que os Estados têm diante da situação de emergência climática.

As audiências brasileiras serão promovidas na capital federal e na Amazônia, em Manaus. Desde fevereiro, contudo, já se conhece a posição oficial do Brasil a respeito do tema. Num documento de 42 páginas apresentado pelo país, verifica-se a construção de uma sofisticada relação entre direito internacional ambiental e climático e dois posicionamentos importantes.

Primeiro, o país pontuou a importância do princípio de não discriminação, especialmente para grupos vulneráveis afetados pela emergência climática, como defensores ambientais, povos indígenas e população negra das periferias. E, em segundo lugar, o governo brasileiro inovou ao defender que o direito humano ao clima equilibrado é um componente integrante do direito humano ao meio ambiente saudável.

Nesse contexto, há grandes desafios legais e operacionais pela frente. Atingir a meta de desmatamento zero em 2030, fundamental no combate às mudanças climáticas, deve considerar como prioridade garantir a integridade e segurança territorial dessas comunidades e de seus representantes, defensores de direitos ambientais como Osvalinda.

Esse é um fator imprescindível para a reprodução dos modos de vida de agricultores familiares e comunidades tradicionais. Afinal, são nessas áreas que essas populações desenvolvem seus conhecimentos, culturas, soberania alimentar, inovações e as economias da sociobiodiversidade - realizadas em sistemas de manejo de baixa escala, com baixo impacto ambiental e alta variedade de espécies nativas e conhecimentos sobre a biodiversidade local. Mais do que produtos, são economias do conhecimento, que produzem inovação e manutenção dos serviços ecossistêmicos.

Priorizar essas ações é operar uma real agenda de justiça climática, ou seja, de promoção da integração de direitos, da segurança territorial e das economias da sociobiodiversidade.

Sobre o autor
Ciro Brito é advogado especialista em Direitos Humanos, mestre em Desenvolvimento Sustentável (UFPA), com período de estudos na Universidade de Coimbra e pós-graduando em Direitos, Desigualdades e Governança Climática (UFBA). É coordenador do GT Amazônia da LACLIMA e analista de políticas de clima do Instituto Socioambiental.

(*) Este artigo reflete a opinião do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso destas informações.

https://valor.globo.com/brasil/esg/artigo/a-relevancia-do-brasil-no-com…

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.