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Relatório vê fragilidade do governo federal em seis meses de ações na Terra Yanomami e cita 'falta de coordenação'

g1 RR - https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2023/08/02/
02 de Ago de 2023

Relatório vê fragilidade do governo federal em seis meses de ações na Terra Yanomami e cita 'falta de coordenação'
Documento feito por três associações do povo Yanomami sugere que governo federal unifique ações de saúde e de retirada dos garimpeiros. Governo federal afirma ter investido mais de R$ 19 milhões no socorro dentro do território Yanomami e reconheceu que ainda há questões a serem resolvidas.

Por Valéria Oliveira e Samantha Rufino, g1 RR - Boa Vista
02/08/2023

Intitulado "Yamaki ni ohotai xoa! - Nós estamos sofrendo ainda: um balanço dos primeiros meses da emergência", o relatório de 43 páginas destaca que a "ausência de uma coordenação das ações do governo no território Yanomami" é um dos principais fatores que explicam muitos dos problemas, como o de comunidades ainda desassistidas de saúde e núcleos de garimpeiros que insistem em não deixar o território.

Mas, na avaliação das lideranças que integram as associações responsáveis pelo relatório - Hutukara Associação Yanomami (HAY), Associação Wanasseduume Ye'kwana (SEDUUME) e Urihi Associação Yanomami - seria necessário unir todos os problemas em um único cronograma que pudesse ter execução de maneira centralizada.

"Preciso que o nosso presidente do Brasil continue trabalhando, continue reforçando. Mas tem que acelerar mais para nós Yanomami. A maioria não quer que garimpeiro continue trabalhando. Não pode demorar muito, sair é urgente", afirmou ao g1 o xamã e principal líder Yanomami, Davi Kopenawa.

Eu não quero mais deixar meus parentes doentes, nossos filhos morrendo e a água suja. Tem que acelerar para retirar os garimpeiros esse ano"

Como melhorias, o documento sugere, por exemplo, que as missões de saúde nas comunidades deixem de ser esporádicas e passem a ser regulares, como era o caso do polo base Hakoma, que desde 2021 dependia de visitas pontuais de servidores da saúde que atuam no Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami e Yek'uana (Dsei-YY), ligado ao Ministério da Saúde. A unidade foi reaberta este ano, segundo o Ministério da Saúde.

Hakoma é uma região com presença de garimpeiros, fica entre as regiões de Homoxi - que já teve a segurança retomada pela Polícia Federal e o posto de saúde foi reestruturado, e Surucucu, considerada região de referência e onde o governo federal montou o Centro de Referência em Saúde para atender indígenas removidos das comunidades.

"É uma região com muitos garimpeiros em volta das cerca de 12 comunidades. Tem também muitos casos de malária", afirma o presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye'kwana (Condisi-YY), Júnior Hekurari, responsável por várias denúncias de violações no território Yanomami e que acompanha de perto trabalho do governo federal.

Em março, equipes do Ministério da Saúde estiveram em Hakoma para atender indígenas com malária, tungíase (bicho de pé) e desnutrição. O trabalho teve a participação de dois médicos, uma enfermeira, um guarda de endemias e uma técnica de enfermagem e ocorreu por indicação Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).

"Há ainda o caso de postos que foram abertos recentemente, mas não dispõem de infraestrutura de atendimento, como é o caso do Haxiu. Neste polo, que atende a 900 pessoas e que havia sido fechado em função de um conflito intercomunitário, a equipe destacada está obrigada a trabalhar e se acomodar em uma estrutura improvisada, protegida por lonas doadas pelas associações indígenas", cita trecho relatório.

Em nota, o Ministério da Saúde afirmou ter investido "mais de R$ 19 milhões no socorro aos povos indígenas da região. Entre as ações emergenciais adotadas estão a ampliação do atendimento, com reforço de profissionais de saúde de diferentes áreas; recomposição do abastecimento de insumos e medicamentos de saúde; recuperação e construção de novas estruturas de saúde; monitoramento constante da situação de saúde na região e realização de diagnóstico."

Ainda segundo a nota, foram foram reabertos sete pólos-base: Hakoma, Homoxi, Haxiú, Kataroa, Lahaka, Ajarani e Parafuri.

"A partir de agora, após a operação emergencial realizada para salvar vidas, podemos trabalhar na questão estrutural, para reconstruir a assistência de qualidade aos indígenas da região após o desmonte dos últimos anos. O atual cenário definitivamente é melhor que o encontrado, mas é algo gradual que levará mais tempo para se recompor. Trabalhamos agora para implantar um plano de combate à malária, um programa de estruturação das unidades de saúde e alocar investimento para saneamento", afirma o secretário de Saúde Indígena do Ministério da Saúde, Weibe Tapeba.

Indicações ao governo federal

Como indicações para os próximos meses de trabalho, pesquisadores e lideranças responsáveis pelo levantamento listaram o que o governo federal pode fazer para melhorar a resposta no atendimento aos Yanomami. Entre outras coisas, foi sugerido:

Recuperação da infraestrutura logística e de atendimento nas unidades de saúde;
Aumento das equipes de saúde trabalhando no território, com aumento da frequência das visitas nas comunidades;
Aprimoramentos no sistema de vigilância epidemiológica, para encurtar o tempo de resposta entre surtos epidêmicos e tratamentos;
Recuperação do papel dos profissionais indígenas como peças-chave nas equipes de saúde
Desenvolvimento de planos de ação regionalizados para regiões sensíveis que combinem em um único cronograma ações de neutralização do garimpo, apoio emergencial, promoção à saúde, reocupação das UBSIs com apoio de forças de segurança, e desenvolvimento de atividades de recuperação socioeconômica das comunidades;
Priorizar investimentos em infraestrutura para reforma e construção das UBSIs e reforma e manutenção de pistas de pouso;
Reocupação das UBSIs fechadas com apoio de forças de segurança;
Redimensionar o quadro de profissionais de saúde atuando no território, buscando fortalecer o número de profissionais nas regiões sensíveis;
Fomentar parcerias e cooperações técnicas com organizações especializadas em saúde que possam subsidiar soluções práticas capazes de responder à crise sanitária na Terra Indígena Yanomami.

"Se tivesse aprimoramento talvez a gente conseguiria melhores resultados num prazo menor. Se a coisa só continuar como está, ela vai demorar mais para poder chegar no resultado que se espera, com o risco de ter algumas perdas do que já se ganhou. Já teve muita coisa que foi feita, mas precisa de uns ajustes", afirmou Estêvão Senra, um dos pesquisadores do Instituto Socioambiental (ISA), que apoiou o relatório.

Números da Saúde em seis meses

Desde janeiro de 2023, a Terra Yanomami registrou 157 mortes. A maioria dos óbitos são entre crianças entre crianças de 0 a 4 anos - doenças infecciosas estão entre as principais causas. Os dados são do último boletim do Centro Operação Especial Yanomami (COE-Y), do Ministério da Saúde, divulgado no dia 25 de julho.

Desde 20 de janeiro deste ano, dia em em que foi declarada a emergência em saúde pública no território, a Casa de Saúde Indígena Yanomami (Casai-Y) contabilizou 1.979 atendimentos. Já nos polos bases, localizados nos territórios, foram 8.278 atendimentos, conforme o boletim.

Em Boa Vista, os atendimentos no Hospital da Criança somaram 9.234 e 366 no Hospital Geral de Roraima - indígenas e crianças e adultos são removidos do território quando há agravamento no quadro de saúde.

Até o último dia 20 de julho, o Ministério da Saúde contabilizou 75 crianças em acompanhamento nutricional. Destas, 31 estavam em tratamento com desnutrição grave e 44 com desnutrição moderada.

"Junto da falta de profissionais de saúde disponíveis e do baixo investimento em infraestrutura nas UBSIs essas são as principais razões apontadas por pessoas que estão atuando no terreno para a dificuldade de se retomar o atendimento regular, com qualidade nas aldeias. Os indicadores de saúde, com efeito, não deixam dúvidas sobre os resultados tímidos do governo nesse tema", destaca outro trecho do relatório.

Todos os pontos destacados no relatório, que agora será enviado ao governo federal, também foram discutidos no IV Fórum de Lideranças Yanomami e Ye'kwana, realizado em julho na comunidade Maturacá, no Amazonas. O evento teve com a participação de 353 indígenas, sendo mais de 200 lideranças Yanomami e representantes do governo federal - entre eles a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, e do Meio Ambiente, Marina Silva.

Em resposta às indicações, a Secretaria de Comunicação Social da presidência disse que o governo tem atuado "desde o início da gestão, por meio dos órgãos de segurança e defesa, indígenas e da saúde, no enfrentamento à emergência, diferentemente do que ocorria nos anos anteriores."

O Ministério dos Povos Indígenas (MPI) disse ainda que "reconhece que ainda há questões a serem resolvidas envolvendo a Terra Indígena Yanomami, mas a reconstrução dos estragos que foram feitos ao longo de anos de descaso leva algum tempo. Ainda assim, podemos afirmar que o tratamento dispensado não só aos Yanomami, mas a todos os povos indígenas, já mudou para melhor."

Maior território indígena do Brasil em extensão territorial, a Terra Indígena Yanomami no início do ano ficou no centro das discussões políticas e de saúde nacional em razão da grave crise sanitária, com registros de casos malária e desnutrição severa em adultos, principalmente, entre crianças. O problema é causado pelo avanço do garimpo ilegal, que, em um ano, cresceu 54% no território.

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