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Relatório beneficia rizicultores

A Crítica, Cidades, p. C4
06 de Abr de 2004

Relatório beneficia rizicultores
A exclusão de sede de município de Uriamutã e de 12 mil hectares de campos de arroz consta do relatório final de Lindberg Farias (PT.RJ)

ANTÔNIO PAULO
DA EQUIPE DE A CRÍTICA

Entra hoje em processo de discussão e votação o relatório final da Comissão Externa da Câmara dos Deputados criada para avaliar a homologação da terra indígena (TI) Raposa Serra do Sol, localizada no Estado de Roraima. A proposta do relator, deputado Lindberg Farias (PT-RJ), exclui a sede do Município de Uiiamutã, 15 quilômetros de faixa de fronteira e cerca de 12 mil hectares com plantações de arroz. Também sugere que seja ouvido o Conselho de Defesa Nacional (CDN) porque considera o assunto ligado à soberania do País. Situada no Nordeste de Roraima, na fronteira com a Guiana e a Venezuela, a Terra Indígena Raposa Serra do Sol, habitada por cerca de 15 mil índios das etnias macuxi, uapichana, taurepang, patamona e ingaricó, tem seu limite de 1.678.800 hectares reconhecido pela Portaria no 820/1998 do Ministério da justiça.

Desde o anúncio da homologação da TI de forma contínua (toda a área demarcada), no final do ano passado, uma série de conflitos começou na região envolvendo índios, não-índios, agricultores, com pressão do Governo do Estado, deputados e senadores de Roraima e Organizações Não-Governamentais (ONGs). As autoridades e fazendeiros do Estado dizem ser favoráveis à homologação não com os atuais limites, mas que sejam excluídas as áreas produtivas e o Município de Uiramutã, criado em 1997, mas ainda sub judice. Por outro lado, entidades indigenistas e ONGs são contrárias à retalhação da área como está sendo proposta pelo deputado Lindberg Farias. A advogada indígena Joênia Wapichana, do Conselho Indígena de Roraima (CIR), por exemplo, entregou à Comissão de Direitos Humanos da OEA, no final do mês passado, uma petição com denúncias de violação no Brasil à Declaração Americana sobre Direitos Humanos da OEA.

De acordo com o Instituto Socioambiental, que vem acompanhando e denunciando a grilagem e invasões na terra indígena em Roraima, relatório da Comissão da OEA, de 1997, pede que sejam "paralisadas todas as decisões de municipalização que atinjam terras indígenas, inclusive aquelas em processo de demarcação e homologação", não apenas por sua origem ilegal, mas especialmente por causa dos conflitos e problemas que causam às comunidades indígenas.

Para Lindberg Farias, o consenso é a melhor forma de resolver o impasse no processo de homologação da reserva. "Vou aceitar sugestões e quero construir um acordo. A minha proposta retira quase 30% da área da Raposa Serra do Sol, mas estou aberto para discutir um acordo." Diversos deputados, entre os quais Perpétua Almeida (PCdoB-AC), da Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Indígenas, pediram vista conjunta do parecer. As sugestões e mudanças ao relatório vão ser apresentadas e votadas hoje à tarde na Comissão Externa.

SENADO
No próximo dia 14, a comissão temporária do Senado também vota o relatório do senador Delcídio Amaral (PT-MS), que trata da questão fundiária envolvendo terras indígenas. Na proposta sobre a TI Raposa Serra do Sol, o senador sul-matogrossense concede ao Senado a responsabilidade de decidir sobre os processos demarcatórios das terras, não somente em Roraima, mas em todo o País, onde existam interesses indígenas. É uma reivindicação de Mozarildo Cavalcante (PPS-RR), presidente da Comissão, contrário à homologação de terra contínua e ferrenho defensor da liberação das terras da União para o Estado de Roraima.

"A União continua a confiscar terras que pertencem aos Estados, agravando ainda mais o conflito federativo, sem, entretanto, levar em conta a peculiaridade de cada unidade e os interesses de suas populações."

Entidade alerta para retrocesso

DEMARCAÇÃO
Segundo um dos coordenadores do Instituto Socioambiental (ISA), Márcio Santilli, em artigo publicado no site do instituto, há rumores de que os ministros da Defesa, José Viegas, e da Coordenação Política e Assuntos Institucionais, Aldo Rebelo, estariam aconselhando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a assinar um decreto de homologação da terra indígena Raposa Serra do Sol com perímetro diferente da área que já foi fisicamente demarcada no Governo passado para atender fazendeiros que plantam arroz nas várzeas situadas nos limites da TI.

Caso a redução ocorra, o que está proposto no relatório de Lindberg Farias, representará o mais grave retrocesso já havido nas demarcações desde a promulgação da Constituição de 1988, porque além de violar um direito constitucional já reconhecido pelo Estado, o Governo Federal estaria praticando um ato administrativo sui generis, já que Lula homologaria uma demarcação não havida.

Santilli explica que, havendo alteração do perímetro e da extensão anteriormente demarcados, tratar-se-ia de uma outra demarcação, requerendo fundamentação - ou contra-fundamentação - antropológica adicional, direito ao contraditório por parte dos índios afetados pela redução da área e a realização da demarcação física do novo perímetro, sem o que não é tecnicamente possível chegar-se ao cálculo exato da extensão demarcada, que deve constar no decreto homologatório e é indispensável para o seu adequado registro em cartório. Em suma, o ato homologatório se presta, justamente, para homologara demarcação havida. Na prática, o conselho desses ministros implicaria na anulação de todo o processo administrativo de demarcação dessa terra indígena, que já vem de mais de 11 anos, sendo que, em 93, a Fundação Nacional do índio (Funai) publicou no Diário Oficial o memorial descritivo da área proposta para demarcação. "0 presidente estaria atirando no lixo os recursos públicos investidos nestes anos e reabrindo feridas e conflitos que verteram sangue. Os índios estariam pagando dobrado pela assumida incompetência do Estado para cumprir um expresso mandamento constitucional", critica o diretor do ISA.

Na opinião de Márcio Santilli, além do desastre político e moral, Lula também estaria sujeito à derrota judicial, por praticar um ato, assim, tão imperfeito. "E fala-se em Brasília, ainda, que o suposto monstrengo (homologação modificada) seria anunciado à nação em 19 de abril, o Dia do índio. Grotesco requinte", conclui Márcio Santilli. (AP)

A Crítica, 06/04/2004, Cidades, p. C4

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